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Quem é seu filho no cyberbullying? Entenda porque a pandemia está ampliando as agressões na rede


 

Veja também, dicas de especialistas para fortalecer crianças e adolescentes contra esse tipo de violência

  • Priscila Natividade

Publicado em 24/10/2021 às 16:00:00
Atualizado em 21/05/2023 às 06:25:26
. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/Casa Grida

‘Professor, o que é obeso?’ Xingar e colocar apelidos, excluir e isolar um colega do grupo. Obrigar alguém a fazer uma coisa que não quer, espalhar mensagens ou fotos visando expor e humilhar. Constranger. Ah, e em tempos de redes sociais, isso vale também para os memes ofensivos. Jhonatas Ribeiro, 12 anos, passou por isso quando um colega de classe interrompeu a aula online com a pergunta, que de inofensiva não tinha nada; e, após a resposta, correu para o grupo de Whatsapp da turma e usou a palavra ‘obeso’ ao se referir a Jhonatas.   

“Meu filho ficou vários dias sem comer, bebendo só água. Ele começou a se mostrar uma criança retraída, não gostava mais da imagem no espelho. Chegou a me perguntar se eu estava preparada para ter um filho gordo, obeso, se aquilo era um peso na minha vida, como se isso fosse uma doença”, conta a mãe de Jhonatas e terapeuta capilar, Jerusa Ribeiro.   

Mesmo antes da pandemia, ele já havia enfrentado na escola outras situações não só de cyberbullying mas também de bullying envolvendo seu peso. “A maioria dos pais vê isso como engraçado: uma besteirinha, só chamou ele de gordinho – sem ter a noção de como aquilo é capaz de afetar alguém e destruir por dentro. Outro episódio que marcou foi em um canal dele no Youtube e aí alguém entrou e o chamou de gordo e obeso, dizendo que as histórias eram ridículas. Meu filho trocou a imagem dele por um boneco ilustrativo”.   

Deixa de ser brincadeira quando o conteúdo faz o outro se sentir mal, discrimina ou humilha. Seja vítima, algoz, cúmplice, plateia, acolhedor ou defensor, quem será o seu filho no cyberbullying? É importante que os pais nunca negligenciem e minimizem uma situação de bullying ou cyberbullying, como chama a atenção a psicanalista, orientadora educacional e educadora parental, Larissa Machado.    

“Quando os pais tomam conhecimento que o filho está sendo o promotor do sofrimento de alguém ou até conivente com uma situação de desrespeito devem intervir no sentido de fazê-lo pensar nas consequências das suas ações, implicá-lo na retratação e reparação do dano e buscar cuidar desse filho, investigando o que não vai bem nele. O agressor também tem algo que precisa ser visto, uma vez que ninguém que está bem precisa gerar sofrimento em outro”, pontua.   

E a pandemia intensificou a ocorrência desses casos diante de uma exposição gigantesca às redes sociais e a internet. Os efeitos, inclusive, chegam a ser mais danosos quando as agressões deixam de acontecer somente nos corredores da escola e passam a dominar as plataformas de jogos e grupos de Whatsapp. Se transformam em figurinhas nas conversas, vídeos, além de se espalharem por comentários e postagens nos perfis do Instagram. A galera visualiza, comenta, printa, compartilha.     

“O bullying no pátio é vivenciado por um número relativo de pessoas que compartilham aquele espaço e de certa forma quem sofre, ao sair da escola tem uma pausa, um alívio. Já no ambiente virtual potencializa muito os danos psíquicos causados, porque quem sofre fica muito mais exposto e não consegue se afastar da situação de sofrimento. A pessoa é perseguida constantemente e numa proporção infinitamente maior”, acrescenta Larissa.  

No final de agosto, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) divulgou os resultados da pesquisa TIC Educação 2020 (Edição Covid-19 – Metodologia Adaptada). O levantamento realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) ouviu 3.678 escolas públicas e particulares do país e apontou que 91% criaram grupos em aplicativos ou redes sociais, como WhatsApp ou Facebook, para se comunicar com os alunos ou pais e responsáveis.   

Inclusive, existem diferenças entre o bullying e o cyberbullying. Quem esclarece é a gerente jurídica do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil, Kelli Angelini. É fundamental entender que o bullying diz respeito a uma intimidação repetitiva com o intuito de ofender alguém. Já os cyberbullying são aquelas ações também repetitivas no ambiente virtual.   “No entanto, para o bullying acontecer, a vítima e o infrator precisam ter encontros presenciais. Por outro lado, o cyberbullying não necessita disso, porém, a sua proporção pode ser gigantesca, visto que em uma postagem o agressor pode alcançar apoiadores e essa ofensa ser amplamente mais disseminada”.   Cenário Em 2020 foram registrados 234 pedidos de ajuda envolvendo intimidações/discriminação (cyberbullying), conforme o levantamento mais recente, feito anualmente pelo Indicador Helpline da organização não governamental SaferNet Brasil, que promove os direitos humanos na internet. O tópico ocupa a 4ª posição entre as cinco principais violações que os internautas pedem apoio, atrás apenas de relatos sobre saúde mental/bem estar (428), problemas com dados pessoais (394) e exposição de imagens íntimas (355). Depois do ciberbullying vem fraudes/golpes/ e-mails falsos, com 189 casos.     

Na Bahia, durante esse período, foram feitos, no total, 990 atendimentos – 69 referentes a cyberbullying. É possível buscar auxílio em canaldeajuda.org.br. “Com a interação online desse público intensificada pela pandemia, recebemos mais relatos. O bullying/cyberbullying comumente reproduz estereótipos e violências que vemos em nossa sociedade como, por exemplo, o racismo, machismo, LGBTfobia e discriminações com relação ao corpo das pessoas ou classe social”, reforça o coordenador de Envolvimento Juvenil do SaferNet Brasil, Guilherme Alves.   

Ele destaca que a Lei nº 13.185, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, é clara ao afirmar que as escolas devem assegurar o combate à violência e à intimidação sistemática (bullying). Além disso, as práticas são passíveis de punições legais. No caso de adolescentes acima de 12 anos estamos falando de atos infracionais e, em qualquer instância, responsáveis legais podem ser responsabilizados.   “Um exemplo são os chamados crimes contra a honra - calúnia, difamação e injúria - que podem ser aplicados em casos de cyberbullying. O mesmo posso falar sobre intimidação com motivação racista, que também podem ser enquadrados como injúria racial (Artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal), ou racismo (Lei nº 7.716/1989)”, ressalta.   Mediação e confiança    Conhecer os filhos dentro e fora das redes passa pela mediação junto as redes sociais e orientação diante das ofensas e intimidações. O desafio é quebrar o silêncio de quem é o alvo, além de ativar aqueles que assistem passivos e que, de alguma forma, deixam a violência continuar acontecendo — as chamadas testemunhas. 

Psicólogo com doutorado em ciências da educação, Alessandro Marimpietri, destaca que muitos agressores foram vítimas em algum momento. “Numa situação de bullying todos sofrem. Agressores, vítimas e testemunhas, mas de formas diferentes. Se uma criança se junta com outras para agredir alguém esse grupo precisa com urgência de ajuda. As vítimas necessitam de todo apoio. Agora, são as testemunhas quem mais podem barrar o ciclo de violência. Então, focar em atitudes preventivas de combate junto as testemunhas é um dos caminhos”, opina.   

Para a mestra em Gestão em Tecnologias da Educação e professora do Curso de Psicologia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Iris de Sá, os sinais são claros: “Os sinais de possíveis autores do cyberbullying podem ser diversos e aparecem conforme as circunstâncias e o contexto da situação. Pais e escola devem estar muito atentos para mudanças bruscas de comportamento como traços de provocação aos colegas, críticas às possíveis dificuldades dos outros, brincadeiras de mal gosto e simpatia por determinados entretenimentos inadequados”.

No caso das vítimas, alerta para traços de tensão, medo, ansiedade. “Além disso, percebe-se um recolhimento repentino e recusa a dialogar, com presença de uma melancolia fora do padrão de comportamento regular da criança ou adolescente. Pode aparecer alguma expressão no aspecto de desejo de desaparecer, de falta de vontade de viver e de fuga de situações de resolução dos conflitos”, comenta.

As marcas dessas exposições na internet não são fáceis de apagar. Tudo fica na nuvem.  O fortalecimento das crianças passa pela confiança nos pais, na escola e também nos exemplos que têm em casa. “É em um ambiente afetivo que a criança vai encontrar o fortalecimento. Escola e família devem estabelecer uma parceria para trabalhar os valores realmente importantes para a construção da humanização nas relações sociais”, acrescenta a especialista.

QUEM É QUEM 

O algoz   Quem começa e mantem as provocações. É o responsável por causar sofrimento à vítima. “Se diverte com esse lugar de poder causar dor e sofrimento em alguém. Se sente poderoso e popular escolhe um colega por algum motivo para começar a agredir, excluir, expor, humilhar”, explica a psicanalista, orientadora educacional e educadora parental, Larissa Machado.  

O cúmplice    A especialista esclarece que ele não atua diretamente causando sofrimento, mas estimula o ciclo de agressão: “Isto porque ele apoia o agressor a fazê-lo só para ser aceito pelo grupo e não ser recriminado por ele”.  

A vítima    Quem sofre as provocações, ofensas, humilhações. “É a vítima, o alvo do agressor”, reforça Larissa.   

A plateia   São aqueles quem assistem às agressões, mas não fazem nada para evitar ou acabar com o que está acontecendo. “Em muitos casos são tomados pelo medo das agressões se voltarem contra si”.   

O acolhedor   Nesse caso é quem se sensibiliza com o sofrimento da vítima, porém, acha que não têm força de ir contra o abuso, mas têm empatia e se aproxima da vítima compartilhando e validando o seu sofrimento. “Quem acolhe tenta também dar força para a vítima não ligar ou sofrer com o que está acontecendo”, pontua.   

O defensor   É aquele que se posiciona e procura ajuda externa de um adulto para denunciar o desrespeito. “Com isso, ele acaba favorecendo o término do ciclo de agressão”.  

CINCO CAMINHOS PARA FORTALECER AS CRIANÇAS CONTRA O CYBERBULLYING

1. Escuta  Encoraje as crianças a falarem sobre o que estão vivendo. Contar para um adulto de confiança.  

2. Redes Sociais  Enquanto pais, sempre pergunte e acompanhe o que as crianças e adolescentes acessam nas redes sociais, com quem elas interagem.

3. Orientação  Oriente os filhos a não compartilharem conteúdos que ponham pessoas em exposição e sofrimento, além de ensiná-lo que ele pode bloquear alguém que tem comportamento ofensivo. Todos devem ser respeitados pelas suas diferenças seja em relação ao seu corpo, religião, raça, origem, gênero ou orientação sexual.   

4. Não é mi mi mi  Outro ponto importante é que os pais não negligenciem ou minimizem uma situação de bullying ou cyberbullying e aproveitem o ocorrido para que seu filho aprenda com a situação. Procurar, ao máximo conversar sobre os efeitos, além de observar o seu comportamento. Trate a criança com suporte, acolhimento. Ela precisa saber que você está ali.  

5. Relação de confiança  A criança que sai fortalecida para lidar com as adversidades da vida é aquela que é educada na base da confiança e segurança. É essencial que as famílias reflitam sobre quais valores que seus atos refletem para seus filhos. O exemplo parental é o maior estímulo que pode ser dado a um filho.