Quem tem fé no Senhor do Bonfim fica em casa este ano

Celebração nessa quinta-feira (14) não terá lavagem, e a Basílica estará fechada

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 13 de janeiro de 2021 às 06:30

- Atualizado há um ano

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Aconteceu aquilo que todo o mundo temia, mas lá no fundo já sabia que ia acontecer: a pandemia, que já tinha forçado uma série de breques em nossas vidas, freou também a sagrada, profana, divina e humana Lavagem do Bonfim.

Uma notícia que dói nos corações de fiéis e festeiros, devotos e fuleiros, mas é real. Há mais de dois séculos, baianos são acostumados a repetir no mês de janeiro que ‘quem tem fé vai a pé’. Com o coronavírus, o mantra é outro: ‘quem tem fé fica em casa’. Protege a si e ao outro.

Pensando nisso, a programação da Lavagem do Bonfim em 2021, amanhã, será diferente. Nada de aglomeração, banho de cheiro, caminhadas ou tapete branco nas ruas. Sequer será possível subir à Colina Sagrada para amarrar uma fitinha, acompanhar a missa ou fazer pedidos e agradecimentos. Quem quiser a bênção terá que ficar em casa, acompanhando uma das duas missas que serão celebradas: uma às 7h20 e outra às 18h (veja ao lado).

O anúncio em conjunto foi feito pelo prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), e pelo reitor da Basílica Santuário, padre Edson Menezes da Silva.

Para evitar aglomerações e a contágio pela covid-19, não haverá caminhada ou carreata. Apenas a imagem do Senhor do Bonfim sairá às 8h da Igreja da Nossa Senhora da Vitória em cortejo solitário, seguindo pela Avenida Sete até o Terreiro de Jesus. De lá, retorna pela Rua Carlos Gomes, desce a Avenida Lafayete Coutinho (Contorno), passa pela Igreja da Conceição da Praia e segue o caminho tradicional até a Colina Sagrada. O trânsito não será interditado em nenhum momento. 

Salvador chegou ontem a 72% dos seus leitos de UTI ocupados e isso gera uma grande preocupação.

“A máxima do Bonfim nos anos anteriores era 'quem tem fé vai a pé'. Agora, em função da pandemia, quem tem fé fica em casa e acompanha tudo pela internet. É o apelo que fazemos, inclusive para grupos religiosos, de corrida e de caminhada, bem como para os amigos que já estavam se mobilizando para percorrer o trajeto. O Senhor do Bonfim também quer preservar a vida das pessoas. Essa caminhada pode ser feita em outro momento”, disse o prefeito. O prefeito Bruno Reis cumprimenta o cardeal Dom Sergio da Rocha (Foto: Divulgação Betto Jr/ Secom) Ele explicou também que a prefeitura vai garantir o fechamento da Colina Sagrada amanhã. A Basílica também estará fechada e não haverá a tradicional lavagem das escadarias. Apenas as autoridades eclesiásticas e políticas participarão do ato de recepção da imagem. Tudo será transmitido pela internet.

“Temos que respeitar as medidas sanitárias para que a gente não precise ter que tomar atitudes mais drásticas, como outras cidades estão fazendo”, destacou o prefeito.

A notícia dói no coração de dona Elinalva Santos. Moradora de Cajazeiras XI, ela diz que a Lavagem é o momento mais especial do ano. Nem Natal, nem Ano Novo e nem seu aniversário são aguardados com tanta ansiedade pela dona de casa de 57 anos - isso desde os tempos em que morava na Cidade Baixa, antes de seu casamento.

“Chega dá uma tristeza no peito... ô, minha Lavagem! A gente vai se encontrar em breve”, promete dona Elinalva, enquanto se contenta em acompanhar a missa pelo YouTube. O neto Rafael vai ter que acordar cedo para ajustar a TV. A transmissão acontece no site santuariosenhordobonfim.com/webtv, e nas redes sociais da paróquia.

Sem tanto apego à parte religiosa da festa, a pesquisadora Allana Gama diz que seria o seu terceiro ano consecutivo na festa desde que saiu de sua cidade, Jequié, rumo a Salvador para fazer faculdade. A capital baiana entrou em sua vida, a Lavagem tomou seu coração. Saber que neste ano não será possível fazer o trajeto que sai da sua casa, no Centro Histórico, até a Colina Sagrada machuca, mas ela vai ficar em casa, evitando a todo custo lembrar que neste ano a Lavagem não vai acontecer.

Primeiras lavagens no século XIX Ninguém sabe ao certo quando começou o costume de lavar as escadarias do Bonfim. Nem mesmo é correto dizer que a Lavagem acontece na segunda quinta-feira do ano, conforme explica o padre Edson Menezes. O certo mesmo é que o dia da Lavagem é definido pelo dia da Festa do Senhor do Bonfim:  último dos nove dias em que ocorrem as novenas.

A festa acontece no segundo domingo após o Dia de Reis (6 de janeiro). Neste ano, será no dia 17. E a Lavagem acontece - mudada em 2021 - na quinta-feira anterior ao domingo da Lavagem (amanhã). Desta vez, coincidiu que foi a segunda quinta-feira do ano. Mas não é sempre assim. Em 2018, caiu na terceira quinta do mês. 

No domingo (17), haverá repique de sinos às 5h e missa às 10h30, com o arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Cardeal Dom Sergio da Rocha.

A Lavagem é posterior à imagem do Senhor do Bonfim - que é o pagamento de uma promessa feita pelo capitão de mar e guerra português chamado Theodósio Rodrigues de Faria. Ele passou por apuros em uma tempestade em alto-mar e anunciou que, se saísse com vida, construiria uma igreja.

Isso foi em 1745. Os primeiros relatos da Lavagem datam do início do século XIX. Há várias histórias: desde um soldado português que lavou a igreja em gratidão à sobrevivência na Guerra do Paraguai até uma versão contada por mãe Dayse de Oyá, integrante da ala das baianas que abre o cortejo e conta que um morador do Bonfim costumava lavar a igreja e,  por ser de Oxalá, uniu outros adeptos do candomblé e a comunidade local, crescendo o costume até se transformar nas comemorações  que conhecemos hoje.