Questão de gosto

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Uma vez eu li uma entrevista de Lobão em que ele dizia que gosto se discute sim, pois apesar de subjetivo estaria relacionado também ao acervo cultural de cada pessoa. Aquilo mexeu comigo.

De fato, encerrar um assunto sobre gostar de café com ou sem açúcar sob a justificativa de que “questão de gosto não se discute” era para os preguiçosos de pensamento. “É botar na balança e não pesar, botar na peneira e não passar. Mora na filosofia? ”

Obviamente, Lobão falava do gosto estético, mas como à época eu fazia Belas Artes paralelamente à atividade de cozinheira, não pude deixar de buscar a relação entre aquele gosto estético e o gustativo. De certo haveria, afinal ambos têm raiz no verbo gostar, e “no princípio era o verbo”, ora bolotas! Sem dúvida é de subjetividade que falamos em primeiro plano, mas perceba quanta coisa cabe nesta subjetividade que vai julgar tanto a apreciação do quadro quanto o (des)gosto pelo chocolate amargo: memória ancestral, culturas geográficas, todas as viagens feitas, todos os livros lidos, todas os estímulos recebidos, todas as experiências pessoais que definem a nossa percepção do mundo, tudo junto no departamento de interpretação cerebral (há quem diga, aliás, que a comida entra pelo cérebro). Eis o acervo cultural ao qual se refere Lobão.

Da mesma forma são subjetivos os nossos sentidos, especialmente os gustativos e olfativos, guiados por uma memória emocional que pode fazer com que a mais deliciosa comida não desperte absolutamente nada para alguém que a tenha experimentado em dia de paladar distraído por uma gripe ou alterado por uma alergia, porque também as questões fisiológicas e particularidades genéticas de cada um cabem no discurso do gosto.

Uma mesa forrada ou nua, um talher vagabundo ou de herança, os sons do ambiente, a companhia ou solidão à mesa, o chiado de uma fritura vindo da cozinha, uma mosca impertinente, todo e qualquer estímulo sensorial afeta a experiência de comer, influencia a memória do gosto, e tanto podem elevá-lo ao céu como arruiná-lo para sempre na reputação de nossas memórias gustativas.

Portanto o gosto da mesma manga na sua boca é diferente na minha.

Bom é que o gosto é livre, mutante e aventureiro. O gosto aprende, abstrai, refina-se, desdobra-se, educa-se, começa a gostar quando entende o terroir, descobre umamis, se mo-di-fi-ca. Café amargo, ovo escalfado, pão de fermentação natural, comida sem bicho, sem sal, crua, al dente, agridoce, de comer com a mão, doce de feijão, formiga, bicho vivo, chocolate 100% cacau, arroz preto, ostras-vulva cruas e brilhantes, tudo é matéria disponível para aumentar o acervo cultural e ampliar a percepção do mundo pelo gosto. Veja que simplória a ideia de que “gosto não se discute”.

Eu, por exemplo, adoro agridoce. E foi cozinhando para clientes em Maraú durante uma temporada de fim de ano, que inventei um vinagrete com as frutas que sobraram do Réveillon para acompanhar as lascas de carne que resgatei das tradicionais pernas de cabrito marinadas da véspera - repaginadas com um molho ferrugem feito à partir do fundo da assadeira - que entrou para a memória gustativa daquela família e da minha também. Tanto que até hoje vinagrete de frutas pra mim só faz sentido se for para reaproveitamento (de preferência de frutas do Réveillon!) e sou capaz de marinar uma perna de cabrito só para resgatar o gosto daquele momento.

Agora sim, a gente pode dizer que tudo é questão de gosto. VINAGRETE COM SOBRA DE FRUTAS DO REVEILLON 2013 DOS GRAHAMRecolha as frutas que sobraram da decoração da mesa do Réveillon Lave-as numa peneira em água corrente e corte-as num mesmo padrão de cubinhos. Serve kiwi, manga, uva, abacaxi, morangos, carambolas, maçãs ao sumo de limão. Banana, mamão, abacate, essas mais densas não. Coloque todas numa saladeira bem linda e some, no mesmo padrão de corte, cubos de pimentões amarelos e vermelhos e cebola roxa. O tomate será substituído pelas frutas. A quantidade desses ingredientes da salada tradicional deve ser proporcional à quantidade total de frutas. Regue com o melhor azeite de oliva extra virgem possível e redução intensa de vinagre balsâmico (praticamente um melaço); Rale casquinha de limão siciliano ali por cima, solte bolinhas de pimenta rosa e folhas de hortelã fresca; por último, flor de sal. Para acompanhar assados e brincar com os sentidos *Kátia Najara é cozinheira e  empreendedora criativa do @piteu_cozinhafetiva