Rap baiano supera pandemia e artistas apresentam novas produções; leia e ouça

CORREIO conversou com vários artistas, que falaram sobre as novas músicas e planejamento para o ano

Publicado em 17 de junho de 2022 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Fotos: Aspri (Vandalize); Bel4triz (Gabriel Cerqueira, @cerqueirafoto); Aspri (Filipe Oliveira); Wall Cardozo (Autorretrato); Xarope MC (Isabelle Braga, @isanalogphotos)

A pandemia foi cruel com os artistas. Certamente você já ouviu alguém da classe falando que a arte foi a primeira a parar e a última a retornar. A flexibilização das medidas, permitindo encontros presenciais e shows deu a oportunidade de tentar normalizar as coisas. Mas imagine: se foi difícil para grandes artistas, para quem está na base foi ainda mais complicado. E é nesse estrato que a resistência mora.

O rap baiano sofreu bastante com tudo isso. Se já era difícil para trabalhar antes, com a pandemia foi ainda mais complicado. A abertura permitiu novos lançamentos, shows e esse semestre acaba com várias produções inéditas na cena e também abre horizontes para quem pensou em parar.

Uma dessas pessoas que cogitou largar a arte foi Xarope MC - nome importante do rap na Bahia, com mais de duas décadas de trajetória nas costas. Nesta sexta (17), ele lança o disco XR777, gravado com produção de Djonga, Coruja BC1 e Gaspar Záfrica, tendo ainda participações de Nego Blue, Nego Freeza, Jhomp e Bivolt.

"Fazer música de periferia em Salvador. principalmente quando não se tem recurso, é muito difícil. Esse disco veio de um processo que eu estava muito triste no meio da pandemia, sofrendo muito, com crises de ansiedade, depressão e tudo mais. Disse a Djonga que estava muito triste, pensando em parar a arte e ele me disse 'velho, se você tá triste, vamos colocar isso dentro do estúdio e trabalhar. Vamos gravar. Por que você não grava um disco?'", conta Xarope. E assim nasceu o projeto.

Foram cerca de 20 dias em São Paulo. Ele foi para a Terra da Garoa com o dinheiro da passagem, R$50 no bolso e confiança nos amigos, que ajudaram a dar uma levantada no astral e, mesmo com toda a tristeza, gravar um disco leve: "Foi gravado fora de Salvador, mas tem nossa cara, nossa cara baiana. Samba de malandro, trap pagodão, a importância da paternidade, a família, os amores, os bambas, religiosidade, racismo religioso. E tudo isso de uma forma muito leve", avaliou Xarope.

Ele completa: "Quis levar tudo com leveza, muito tranquilamente, de forma diferente e madura. Um xarope MC maduro, de 36 anos, que se juntou com uma galera mais nova de cabeça muito aberta e muito plural".

Novatos e Veteranos

Na última quarta (15), Bel4triz lançou o  EP Estética, já disponível nas principais plataformas digitais. Ela conta que o trabalho é um reforço a seu posicionamento enquanto mulher preta, mãe, nordestina e periférica. O novo trabalho conta com as parcerias de JayA Luuck, Duquesa e 7Marys, que colaboram em duas das quatro faixas. 

"'Me toca da forma como a nossa estética é exaltada, mas não em nossos corpos. Que só é bonito quando não somos nós que usamos, e muita 'moda' veio do nosso povo, mas não dão os devidos 'créditos'. Estética pra mim é além de beleza física, atualmente muitas coisas que entraram na “moda”, tem uma história por trás, tem ancestralidade. Tudo que veio do nosso povo, tem uma história, é muito mais do que usar e achar bonito"', disse a cantora.

Mamãe de primeira viagem, ela divide o trabalho da carreira artística com os cuidados ao pequeno Líam Akin, de um ano. "É cansativo, sempre uma correria a mais, tenho uma rede de apoio e ainda assim fica pesado. Mas é isso, se der levo ele comigo, quando não dá, ele fica com o pai ou as avós, chego cansada e ainda tenho que ter tempo pra ele", conta Bel4triz (lê-se Belatriz).

A cantora avalia que o EP é um marco importante na sua carreira, ainda recente. O último ano serviu para que ela estruturasse uma equipe e o próprio negócio. No horizonte mais próximo, trabalha no planejamento de um show para lançamento do projeto.

Quem também aproveitou a pandemia para estruturar um projeto foi Aspri, ex-Rapaziada da Baixa Fria (RBF),  que lançou o álbum 7º Sentido, fruto da troca de ideias junto com sua companheira Edeise Gomes, Mestra em Dança (Ufba) durante o período de isolamento social. "O trabalho tem o intuito de provocar reflexões sobre a importância de ouvir o silêncio", resume Aspri.

Nome da velha guarda, assim como Xarope e Aspri, Daganja lançou  o clipe e single solo: Gueto" O projeto é uma parceria com o produtor musical Marcelo Santana, do Aquahertz, com distribuição pelo selo Isé.

O videoclipe foi gravado na comunidade da Pedra Furada, localizada na cidade baixa de Salvador, onde está concentrada a maioria da população preta da cidade. Essa é a marca desse músico, que contabiliza desde o início da sua carreira musical 3 discos e 15 videoclipes.

Dentro do clipe de Daganja, uma outra figura do rap baiano -com lançamentos recentes- aparece: Ravi Lobo, que lançou a carreira solo em paralelo aos trabalhos com o grupo Nova Era.

A janela de oportunidades animou também quem é mais jovem e pensou em desistir: Wall Cardozo foi outro a se reorganizar e fará novos lançamentos a partir do segundo semestre. O primeiro deles será o clipe de ‘Pampampam’, uma das músicas que mais renderam em seu primeiro EP solo, EHLO, que enfrentou dificuldades de circulação por conta da pandemia.

“Tenho reencontrado a motivação para produzir e um dos primeiros passos é dar mais um gás e uma circulada ao EP EHLO, que merece mais. Quero dar uma segunda chance de circular, chegar novamente às pessoas. Esse EP foi um trabalho de muita intensidade, que foi muito bom e me orgulho muito do conceito, da forma como foi executado”, contou.

Uma curiosidade é que Wall, Xarope e Bel4triz são nomes que também apostam na mistura entre o rap e o pagode dentro de seus trabalhos - os três com pelo menos uma faixa que trazem essa estética: “Ainda acho que tem muito a crescer, acredito que no Trap podemos explorar bastante ritmos e quando se junta com o pagodão dá pra brincar bastante também. Eu curto muito o pagotrap, mas quero explorar outros gêneros musicais”, disse Bel4triz. 

O clipe de Pampampam, de Wall Cardozo, vem nessa linha:  “o rap baiano está nessa pegada mais dançante, com algumas referências e elementos do pagode baiano e acho que é um bom momento para esse clipe”, explicou.