Ressaca do Carnaval: olhar de um folião veterano

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  • Nelson Cadena

Publicado em 5 de março de 2020 às 11:55

- Atualizado há um ano

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Se o Carnaval durasse o ano inteiro, teríamos na Bahia os melhores serviços públicos que o cidadão pode usufruir. Infelizmente, dura uma semana e tanto. É que no Carnaval tudo funciona. Tem sido assim nos últimos 40 anos. Provavelmente, era assim antes. Constato, porém, o que eu tive a oportunidade de assistir.

Durante o reinado de Momo funciona a limpeza pública, funciona a Coelba, funciona o sistema de transportes, funcionam os serviços de saúde e funcionam, dentro do possível, os serviços sanitários. Funciona, também, a segurança pública, injustamente alvejada por artistas em busca de holofotes, no alto do trio, ou, por artistas fragilizados emocionalmente, ressentidos, e, no contexto geral, pelas redes sociais.

Todos os serviços prestados ao público durante o Carnaval são eficientes porque são objeto de um planejamento que começa na quarta-feira de cinzas e a sua execução é coordenada por pessoas que desenvolveram uma expertise única nessa matéria. E isso fica mais evidente quando vemos as dificuldades em lidar com essa prestação de serviços em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, onde o Carnaval de rua cresce ano após ano e com ele os problemas que nós já resolvemos há muito tempo.

Ocorre que a percepção de críticas nas redes sociais acaba sendo maior do que a de satisfação do internauta. As empresas que fazem monitoramento sobre a matéria sabem disso. O nível de satisfação de quem brinca o carnaval é exponencialmente maior, disparado, do que a insatisfação por um banheiro sujo, um ônibus atrasado, ou uma cerveja quente. Não conheço os números atuais, mas, pela experiência de quatro ou cinco anos atrás, era algo do tipo 90% de satisfação, contra 10% de críticas.

No caso específico da PM, devemos nos orgulhar por contar com a eficiência da corporação em matéria carnavalesca. Não é de hoje. Uma das surpresas que tive quando pesquisava para escrever meu livro sobre a História do Carnaval foi encontrar o planejamento da Secretaria de Segurança Pública, de inícios da década de 70, com 50/60 páginas detalhando as ações para inibir a violência durante a festa. A segurança pública já era planejada e não fruto de improvisação. O que foi sendo aprimorado com o tempo, na interação com outros órgãos públicos e na participação da Polícia, com assento no Conselho do Carnaval.

Na última década houve menos de 10 mortes nos circuitos do Carnaval. Neste ano, nenhuma. Essa estatística diz tudo. Então por que a polícia é o alvo entre os serviços públicos prestados? Ninguém filma o cidadão sendo atendido no posto de saúde, ou o gari limpando a rua. Mas registra e posta nas redes o policial batendo no brigão, ou no ladrão, e daí a percepção negativa. Ninguém gosta de ver alguém apanhando. É da natureza do serviço dominar o infrator com uma chave de braço ou com golpes de cacetetes. O que importa é que a polícia garante ao baiano e ao turista - centenas de milhares de pessoas na rua - uma segurança eficaz para o contexto de multidões. É só aferir os números.

Penso que o nosso inconsciente transfere para o Carnaval a má imagem de uma polícia que no cotidiano comete excessos. Alguns elementos apenas, mas, potencializado pela mídia que vende audiência com a exibição desses episódios. E tem que ser assim para inibir o mau comportamento, ou treinamento inadequado, dentro da corporação. Sei que no próximo Carnaval a Polícia Militar será objeto de críticas novamente, infelizmente, porque é injusto, diante do trabalho realizado e dos resultados. Entendo, porém, que isso também é da natureza, da profissão.