Retrato da Irmã Dulce

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  • Nelson Cadena

Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Homens__ e mulheres__ públicos da Bahia que estão no poder, ou pretendem um dia se candidatar a cargos no executivo, ou no legislativo, têm o dever como servidores públicos de ler o livro “Além da Fé- A vida da Irmã Dulce”, do jornalista e, não me constrange dizer, biógrafo, Valber Carvalho, lançado recentemente. Se a leitura nos revela a determinação da Santa baiana na construção de uma monumental obra social, é aos homens públicos que cabe a responsabilidade maior pela manutenção e ampliação desse fruto de uma inexplicável energia de fé. Servidor público que mergulhar na personagem e o significado de sua obra, não há de ficar de braços cruzados.

A leitura da alentada biografia de Santa Dulce dos Pobres me revelou a sua real importância para a cidade de Salvador e em especial para a Península Itapagipana; a minha percepção é de que cada família da Ribeira, Massaranduba, Caminho de Areia, Roma, Alagados inevitavelmente, deve algo à Santa, uma dívida de gratidão que talvez não seja tão perceptível para as novas gerações. A nossa querida freira baiana estendeu o seu manto de bondade, caridade e ensinamentos por mais de meio século, em toda a região, preenchendo a lacuna da ausência/omissão do poder público.

Para o êxito dessa missão, entremeada de espinhos e muitos obstáculos, Irmã Dulce contou com alguns anjos da guarda, personagens anônimos, e outros nem tanto, que ressurtem da narrativa de Valber nas 600 páginas do livro; o autor nos informa  ser o primeiro volume, restrito ao período cronológico: 1914-1952. Entre os anônimos, destaque para a Madre Rosa Schuller; as Irmãs Hilária, Maria das Neves, Gaudência; as voluntárias Marilia Dias, Dalva Japiassu e Iraci Lordello e as freiras alemãs da Congregação das Irmãs da Imaculada Conceição Mãe de Deus, à qual a Santa baiana pertencia. E, óbvio, a sua irmã Dulcinha e a sobrinha Maria Rita.

Outros anjos da guarda emergem da narrativa com resoluta presença na obra de Irmã Dulce, três deles pessoas de relevo na sociedade cuja ampla rede de relacionamento nas instâncias eclesiásticas e administrativas abriu portas e amainou críticas e preconceitos: o dentista Augusto Lopes Pontes (pai da Irmã Dulce), Frei Hildebrando Kruthaup (fundador da Rádio Excelsior) e o industrial Comendador Bernardo Martins Catarino e sua família. Nesse círculo energético focado em fazer o bem há um outro anjo da guarda, de sangue Batavo__ como Frei Hildebrando e as freiras da Congregação__, o engenheiro Norberto Odebrecht, apoiador e consultor naqueles idos.  

A Santa da Bahia entregou a sua alma e o seu corpo, precocemente debilitado pela luta diária e o convívio com tísicos e chagentos, mendigos, presos, famintos e portadores de doenças crônicas, à causa social. Impactou a vida dos moradores da invasão dos Alagados; dos detentos da Penitenciária do Estado; dos operários na porta das fábricas e os acolhidos pela União Operaria São Francisco de Assis; das crianças pobres das escolas do Círculo Operário; dos beneficiários do bandejão do SAPS; das precárias clínicas de saúde e dos acolhidos por ela nas invasões de espaços públicos e residências, sob sua liderança.

O livro de Valber nos revela uma Irmã Dulce precursora das invasões e ações que em tempos recentes notabilizaram o MST, desafiando um poder público, incomodado que fechava os olhos para as mazelas sociais. Foi chamada de comunista, pidona, chata. Andava 6 Km por dia buscando recursos, comida, remédios, roupas... Fazendo contas, 2.190 km por ano, 21.900 em apenas uma década. Equivale, ida e volta, à distância entre a Patagônias e a Sibéria. A irmã Dulce foi longe nos seus ideais. Salvador agradece. 

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras