Rincão bolsonarista da Bahia tem uma das taxas de isolamento mais baixas

Luís Eduardo Magalhães é a capital do agro e tem comércio aberto até de bares e restaurantes

  • Foto do(a) author(a) Vitor Villar
  • Vitor Villar

Publicado em 12 de julho de 2020 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Matheus Loiola / TV Sigi Vilares

Não é impróprio dizer que Luís Eduardo Magalhães é a cidade mais bolsonarista da Bahia. É o único município entre os 417 do estado em que Jair Bolsonaro seria eleito ainda no 1º turno de 2018, com 54,5% dos votos.

Lá, a receita que o presidente preconiza para enfrentar a covid-19 tem sido seguida à risca: isolamento vertical – apenas dos que estão em grupos de risco – e comércio funcionando.

A impressão é que o coronavírus pouco alterou o dia a dia de quem vive na capital do agronegócio baiano. A pandemia chegou nas primeiras semanas da colheita de soja, no início de março. Depois veio a do milho e agora a de algodão.

Todos os anos, esse é o período de maior fluxo de pessoas na cidade. “São quase 2 mil carretas por dia. E além dos motoristas, temos muitos ajudantes”, cita Ítalo Aleluia, professor de Saúde Pública da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob).

Pujança no campo e na zona urbana. O comércio está aberto desde 1º de abril. Foram só oito dias de fechamento, no final de março. De lá para cá, somente a exigência de uso de máscaras e de álcool em gel.

Numa cena rara para o restante do estado, as mesas de bares e restaurantes continuam recebendo clientes, desde que as portas fechem às 22h. E dentro, além da máscara, todos têm que respeitar a distância de 2 metros para o outro.

Na prática, o que está proibido são eventos e aulas. De resto, vida próxima do normal: “Sinto como se só eu estivesse de isolamento. O povo está todo na rua, como se nada estivesse acontecendo”, reclama Patrícia Reys. A estudante da Ufob é natural de Manaus, e diz se irritar com a postura dos vizinhos:“Há uma negação total do perigo da covid, dizem que é jogada política. Tento conscientizar as pessoas citando como exemplo a minha cidade. Lá, não deram importância e o Brasil viu a tragédia”, lamenta Patrícia.A sensação é compartilhada por quem se sente seguro em Luís Eduardo Magalhães: “A pandemia não afetou em nada a cidade. São poucos casos até agora, quem pegou foi tratado com cloroquina e já tem muitos curados. Sou professor em escola de idiomas e sigo trabalhando”, relata Elizeu Adriano, citando a substância de eficácia não comprovada contra a covid-19.“Eu acredito que aqui, sim, está sendo aplicado o isolamento vertical. Quem é do grupo de risco está em casa; quem não é, segue a vida normal. Quem vive aqui veio para trabalhar. Então o povo é mais sério e é mais fácil de seguir os cuidados”, completa Elizeu.Todo esse cenário aparece muito claramente nos dados. A cidade da região Oeste, a 1 mil quilômetros de Salvador, tem as taxas de isolamento mais baixas entre as 30 maiores da Bahia. 

Em números: a média da taxa de isolamento de LEM durante a pandemia é de 34,5%. A da Bahia, de 43,7%. Os dados são da empresa InLoco, que monitora o deslocamento de celulares (veja a tabela abaixo).

A diferença para o período anterior ao coronavírus é mínima: em fevereiro, a média de isolamento foi de 28%. Em junho, essa taxa ficou em 32%. Quatro pontos percentuais de diferença.

O que chama atenção é que os casos se multiplicaram em junho. No dia 1º, eram 41 contaminados. Atualmente, Luís Eduardo tem 434 infectados. Além disso, todas as seis mortes no município ocorreram nesse período. Aglomeração em filas não é novidade (Foto: Matheus Loiola / TV Sigi Vilares)

A HIPÓTESE BOLSONARO

Diante desse cenário, a pergunta é inevitável: o baixo isolamento tem alguma relação com a força local de Bolsonaro? Uma coleção de pesquisas enxerga essa influência, sim.

O cientista político Ivan Filipe Fernandes, professor da Universidade Federal do ABC, publicou um estudo em que demonstra matematicamente essa relação: quanto mais bolsonarista é a cidade, menor é o isolamento.

“O estudo engloba todos os municípios do Brasil. Não posso afirmar que isso resume o que está ocorrendo em Luís Eduardo Magalhães. Provavelmente existem fatores locais que influenciem, mas posso dizer que está dentro de uma dinâmica que é vista no país”, afirma o professor.

O estudo vai na mesma linha de outros dois. Em um, realizado por economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), foi demonstrada a queda na taxa de isolamento em cidades bolsonaristas sempre que o presidente se pronunciava contra o distanciamento.

Nos dois estudos, os municípios são considerados bolsonaristas quando tiveram mais de 50% dos votos destinados ao presidente no 1º turno de 2018. Na Bahia, LEM é caso único.

Em outra pesquisa, realizada por Carlos Pereira, professor da FGV, foi constatada a queda do apoio ao isolamento entre eleitores de direita ao longo da pandemia. A queda é mais acentuada entre os apoiadores do presidente.“Tenho segurança para dizer: no Brasil, há uma associação entre bolsonarismo e baixo isolamento. É fato, Bolsonaro colocou pessoas na rua. É possível especular com segurança que o caso de Luís Eduardo Magalhães está associado a isso. Mas saber como, seria preciso estudar a fundo”, conclui Fernandes.E quem pesquisa a região Oeste, o que pensa? Paulo Baqueiro é professor de Geografia da Ufob. Questionado, ele afirma que a preferência política seria a hipótese mais forte. “Não só pelo baixo isolamento, mas pelo posicionamento negacionista de boa parte da população. Há um forte discurso do comércio local contra qualquer possibilidade de lockdown, dizendo que a imprensa está exagerando”, afirma.

O professor entende que a baixa taxa de isolamento é um efeito direto do comércio aberto. Afinal, a população está com rotinas praticamente iguais às de antes da pandemia.“É uma junção das duas coisas. Primeiro, o perfil conservador da população, que rejeita o fechamento, e segundo, os setores de comércio e serviços funcionando. O trabalhador e o consumidor estão circulando. Sendo que eles têm esse perfil negacionista, então é uma combinação perfeita para a baixa taxa de isolamento”, considera Baqueiro. Álcool em gel é obrigatório nas lojas (Foto: Matheus Loiola / TV Sigi Vilares)

O FATOR ECONÔMICO

Luís Eduardo ostenta, cheia de méritos, o título de capital do agronegócio baiano. É responsável por 60% da produção de grãos do estado. Toda a carga é levada por caminhões até portos distantes, como Belém e Santos.

O município é jovem: emancipou-se de Barreiras em 2000. As oportunidades na agricultura mecanizada atraíram pessoas sobretudo do Sul do país, mais acostumados ao sistema, que "colonizaram" a região. A cidade é a que mais cresce na Bahia: seu PIB subiu 300% nos últimos dez anos, para R$ 4,8 bilhões. É a 19ª maior população e a 8ª maior economia do estado.

Além da produção própria, LEM é o principal entreposto comercial para toda a região do Matopiba – como é chamada a área agrícola nas divisas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.O município é cortado pelas BR-242, que o liga ao Recôncavo, e BR-020, que vai até Brasília. Todos os anos, a partir de março, quando começa a colheita da soja, essas rodovias ficam abarrotadas.

Nesse período, LEM recebe milhares de profissionais. A prefeitura estima que a população local, que é de 87 mil pessoas, chegue a 100 mil. São desde agrônomos até ajudantes de carga. Fora caminhoneiros, que estacionam em postos de apoio na região.“É nessa época que a circulação de renda fica mais forte. Mesmo quem não trabalha diretamente com o agronegócio aumenta a sua receita. Restaurantes, hotéis, oficinas”, explica Alynson Rocha, professor da Ufba especialista em Economia Agrícola e que já lecionou na Ufob.“Eu diria que 20% do nosso comércio é diretamente ligado ao agronegócio, com vendas de sementes, insumos e máquinas. O resto é varejo normal. Mas, claro, o agro é a fonte geradora de renda”, reforça Claudiomiro Garrocini, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).

O coronavírus chegou à Bahia no início de todo esse processo. Por mais que pareça estranho a circulação tão grande de pessoas em meio a uma pandemia, o setor econômico luiseduardense diz que não teve muita escolha.Esse é o argumento do prefeito Oziel Oliveira (PSD): “Também acho que isso influencia na baixa taxa de isolamento, mas nosso comércio não pode parar porque o agro não para. Por isso, decretamos protocolos de segurança e abrimos um hospital de covid-19. Para manter nossa economia e nossa saúde funcionando”.“Se a gente suspende a produção, vai faltar comida em Salvador. Vai faltar leite, ovos, frango, carne bovina. Porque a gente produz a soja que alimenta o gado e o milho que alimenta o frango”, explica Cícero José Teixeira, presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Luís Eduardo Magalhães (SPRLEM).

Alynson Rocha atesta que não se trata de corporativismo do setor: “A indústria agrícola não é como outras, que você pode planejar uma suspensão. A planta está lá, ela cresceu e se não for colhida você vai perder uma produção que levou meses. Além disso, a safra geralmente já está toda negociada. Os produtores fecham a venda antes mesmo de plantar”. Rotina da cidade segue quase inalterada (Foto: Matheus Loiola / TV Sigi Vilares)

O EFEITO COMÉRCIO

De início, o prefeito Oziel Oliveira até seguiu a recomendação de autoridades sanitárias e fechou o comércio não-essencial em 24 de março, pouco após os primeiros decretos estaduais nesse sentido. Mas abriu no dia 1º de abril.

A prova do peso do comércio é que, nesse período, o isolamento luiseduardense deu um salto: ficou em 42%, mais próximo da média da Bahia. Na primeira semana de reabertura, nova queda, para 35% (veja o gráfico abaixo).“Houve uma pressão enorme dos atores do comércio local sobre os gestores públicos pela abertura do comércio. E os prefeitos da região têm atendido, pois tentam agradar a todos”, relata o professor Ítalo Aleluia, que tem participado de reuniões de saúde da região.Prefeito e presidente da CDL local garantem que não há surtos de contaminação dentro das lojas. “A nossa avaliação é de que está tudo normal. Temos seis mortos na cidade. Se a coisa piorar, podemos mudar de atitude. Mas temos tudo: hospital de campanha, testes, número alto de respiradores para o tamanho da cidade”, argumenta Claudiomiro Garrocini, presidente da CDL.

Luís Eduardo tem um hospital de campanha municipal com 23 leitos de baixa complexidade e 16 respiradores. A unidade de referência da região para covid-19 é o Hospital do Oeste, em Barreira (a 88 km), que possui 16 leitos de UTI e 20 clínicos para atender 36 municípios.

O MOLHO POLÍTICO

Na cidade mais bolsonarista da Bahia, o prefeito é "brizolista de carteirinha". Quem disse isso foi a deputada estadual Jusmari Oliveira (PSD), esposa de Oziel, para o site Evilásio Júnior no mês de abril.

Na ocasião, Oziel estava deixando o PDT, fundado pelo trabalhista Leonel Brizola, para se juntar ao PSD da esposa. O objetivo era estar numa legenda mais próxima ao governador Rui Costa (PT) e buscar a reeleição em 2020.

Oziel foi o primeiro prefeito de LEM, entre 2001 e 2008. Por pouco, não dividiu a região com a esposa, eleita prefeita de Barreiras para o mandato a partir de 2009. Ele também foi deputado federal entre 2011 e 2014.

O casal é bem próximo de Rui Costa. Jusmari foi secretária de desenvolvimento urbano da Bahia entre 2017 e 2018, quando estava sem mandato. Saiu para ser eleita deputada estadual. Já Oziel foi nomeado diretor da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) em 2015, quando estava sem cargo eletivo. Saiu para se candidatar à prefeitura de Luís Eduardo Magalhães.Questionado sobre a vitória expressiva de Bolsonaro em 2018 – já sob seu mandato – e o baixo isolamento em meio à covid-19, Oziel Oliveira disse não enxergar relação: “Acho que somos uma cidade com economia pujante, de população urbana e majoritariamente jovem, em plena atividade laboral. Pessoas que estão inseridas no mercado e estão saindo para trabalhar”.A guinada à direita é recente. Tanto Oziel como o antecessor, Humberto Santa Cruz, tiveram apoio petista. Em 2010, Dilma Rousseff foi a mais votada nos dois turnos. Em 2014, ela liderou apertado o 1º, mas perdeu para Aécio Neves por boa margem no 2º.“Nosso grupo, Direita LEM, trabalha por Bolsonaro desde 2014. Após o resultado de 2018, fizemos a maior carreata que a cidade já viu. Algo inédito um candidato de direita ganhar na Bahia”, comemora Maicon Pepilesco, dirigente do partido Patriota da cidade.Maicon diz que a condução da prefeitura nessa pandemia deve influnciar nas eleições: “Só espero que não haja restrições maiores, sobretudo em nosso comércio e na liberdade de ir e vir. Se é barrado todo tipo de aglomeração, porque alguns pontos são liberados? O encontro em casa é mais letal que uma fila de banco?”.

E O QUE DIZ O GOVERNO

Sobre a baixa taxa de isolamento, o Governo do Estado declarou que o poder municipal tem autonomia para determinar a forma de funcionamento do comércio e de outros serviços, mas fez uma observação: “Em Luís Eduardo Magalhães, assim como em outras cidades, é preciso um esforço a mais para melhorar o isolamento”, respondeu a Secretaria de Comunicação em nota.

“O que temos feito é acompanhar de perto a evolução em cada região e manter o diálogo com os prefeitos nos casos em que os números mostrem que é preciso adotar novas medidas ou reforçar cuidados”, adicionou a secretaria.

Por fim, a nota reforça que o agronegócio é atividade essencial: “Sem dúvida, é de grande importância para o Oeste baiano e por garantir o abastecimento de alimentos e de produtos fundamentais em toda a Bahia. É uma atividade essencial, mas como outras atividades que não podem parar, precisam respeitar medidas de segurança e saúde”.