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Jolivaldo Freitas
Publicado em 16 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Há quem diga que Rubem Fonseca vinha se repetindo e perdeu o poder da pena. Vários garantem que ele submergiu. Mas, para a maioria dos outros escritores, como certa vez assegurou o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que era seu amigo e vizinho no Rio de Janeiro, o que os críticos chamavam de fraco, sem alma, era na verdade uma displicência intencional, algo meramente aparente. Um fazer típico de um escritor que domina sua arte e o faz – usando um termo atual – cheio de empoderamento. Mas, foi ele, que considero o mais importante cronista desde o final do século passado na Língua Portuguesa, quem renovou nossa literatura, usando inventividade, criaturas e almas que eram passadas em linguagem direta e muitas das vezes virulenta. Morreu, depois de influenciar gerações. Estava pertinho de fazer 95 anos.>
Para quem quer relembrar ou descobrir a obras de Rubem Fonseca, basta invadir seu kit de obras clássicas como Feliz Ano Novo, Lucia McCartney, O Cobrador, A Grande Arte ou Agosto. Ele publicou 25 obras, que tinham impressas seu modo urbano ou mesmo urbanoide, com secura, muito erótico, bastante violento, mas colorido na essência.>
Foi este seu estilo atrevido que o levou a ser contemplado pelo Prêmio Camões, em 2003, o mais importante da Língua Portuguesa. Ganhou também o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2015, e tantos outros, notadamente no exterior, onde costumava receber convites e aceitar, ao contrário dos convites que recebia no Brasil e rejeitava por não querer se expor, por achar que se estivesse exposto perderia a matéria-prima para o feitio de sua obra, que era justamente a observação do ser humano. Tanto que seus livros trazem justamente um sensível olhar sobre os homens e suas tragédias, seu cotidiano, suas ambições e vitórias. Rubem Fonseca tinha um olhar especial. Sua obra transitando entre o moderno e o clássico.>
Mas, como eu disse recentemente num comentário de rádio, além da queda, coice. É assim que parece a triste realidade brasileira, com as mazelas da pandemia da covid-19, as diferenças políticas, as fake news, a morte de Moraes Moreira, e como se não bastasse tanta tristeza morre Rubem Fonseca. É o Brasil ficando mais burro e menos alegre. Mais um cronista que se vai. Cronista anda em falta desde que morreram Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade e Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Eduardo Novaes diminuíram o ritmo. Do final do século passado para cá Rubem Fonseca veio a preencher uma lacuna e se tornou grande. Também como romancista e roteirista.>
Levei vários anos tentando entrevista-lo. Não gostava de dar entrevistas. Saia pouco e nos últimos tempos estava quase que totalmente recluso em seu apartamento no Leblon, principalmente depois de um problema que o obrigou a usar bengala e também com a morte do seu amigo João Ubaldo Ribeiro, com quem de vez em quando ia encontrar outros escritores e amigos na Ceasa do Rio de Janeiro ou no almoço entre os dois, tradicional, todas as terças-feiras.>
Tentei uma vez me inserir no tradicional almoço entre os dois, mas não deu. João Ubaldo dizia que Zé Rubem, era assim que o chamava, era um gênio e sua obra seria citada por séculos. Rubem Fonseca ajudou a tracejar a cara do Brasil. Seus personagens, suas tramas, seus traumas, suas urdiduras, sintetizavam nossa alma. Tem quem odeie sua linguagem concisa. Tem que ame sua linguagem virulenta. Mas quem é seu leitor faz parte de uma quase irmandade. Quer ver? Não tem quem não se lembre do sarcástico, amoral, cínico e genial advogado Mandrake, que veio a ser seu personagem mais conhecido, que virou série em tv fechada. Rubem Fonseca era inventividade. E é muito mais que fogo fátuo. É luz.>
Jolivaldo Freitas é jornalista e escritor>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>