Salvador de todos os pecados

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  • Nelson Cadena

Publicado em 2 de abril de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A cidade já pecava antes de ser cidade. Caramuru e os europeus que aportaram na expedição de Afonso de Souza, e aqui ficaram, desdenharam de suas tradições e assumiram a poligamia dos tupinambás. Era outra cultura. Os jesuítas que, em 1549, chegaram com Thomé de Souza, enxergaram nisso, libertinagem. O Padre Nobrega bradava “gente que vive em pecado mortal e não há nenhum que deixe de ter muitas negras”. Referia-se às índias, uma pigmentação de pele diferente. E salientava: “regendo-se todos por inclinações e apetites sensuais”.

Anchieta, anos depois, desabafou: “Não sabem negar-se a ninguém... elas mesmas cometem e importunam os homens, jogando-se com eles nas redes... tem por honra dormir com os cristãos”. As meninas não se negavam e os meninos púberes aprendiam o sexo, seduzidos pelas Guaimis, nome das megeras de certa idade, desprezadas pelos seus maridos e trocadas por outras mais jovens. Preocupava às índias o tamanho do membro dos homens, a julgar pelo relato de Gabriel Soares que detalha o hábito deles aumentarem o pênis, “com o emprego do pelo peçonhento de lagartas, fazendo-o inchar em desmedida”. 

Nobrega desenhou estratégias para conter a libertinagem de índios e europeus. E sugeriu ao Rei enviar para cá algumas “mulheres erradas”, eufemismo de adúlteras, e mais, algumas meninas órfãs, virgens para casar. As virgens chegaram em várias expedições, durante mais de uma década, já comprometidas, não sabiam o marido que a sorte, ou o azar, lhes reservavam.

Séculos depois, a exploração das chamadas escravas brancas passou a ser um negócio lucrativo para os cafetinos sírios que dominaram esse ramo e se espalharam pelo Pelourinho e mais tarde pelas ladeiras e rua Carlos Gomes. Então, chegaram as polacas que o professor Cid Teixeira esclareceu certa feita não eram naturais da Polônia. Polaca era um genérico de francesas__ que ensinaram aos baianos todas as safadezas do catálogo__ espanholas, portuguesas, gaúchas loiríssimas. Anos depois seriam chamadas de galegas, também um genérico.

A prostituição de afrodescendentes praticamente não existia, por uma razão de mercado, vão desculpando a crueza da palavra. A elite branca não procurava, por um traço de racismo cultural, mulheres de cor para transar. Os bordeis as evitavam. E negros e mulatos abastados também procuravam brancas, assim foi por algumas décadas do século XX. Um dos bordeis de luxo foi o Hotel Palace “antro de escravas brancas”, segundo os jornais. Não, o hotel que você imaginou, mas o da Praça da Sé; por isso o Palace da Rua Chile, inaugurado em 1934, preferiu se apresentar na mídia como “O Copacabana da Bahia”.

A pressão sobre os sírios, deu às mulheres o poder de gerir o negócio. Ex-prostitutas se transformaram em cafetinas, os bordeis de luxo quase desapareceram para dar lugar aos cortiços. E as mulheres negras e mulatas passaram a ser maioria, exploradas e desvalorizadas. Conta-se que o bonde da Carlos Gomes chegou a suprimir um ponto de embarque, próximo da Ladeira da Conceição, para que as prostitutas do entorno não subissem no carro. Atendendo reclamações de outros passageiros que não aceitavam esposas e filhas se misturando com elas.  

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.