Salvador sedia estudo internacional para prevenir doenças como Zika e Dengue

Fundação americana destina US$ 100 mil para pesquisa na capital baiana

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  • Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Já imaginou ter uma doença, ir a vários médicos e nenhum saber o que é?  Foi assim quando começou o surto do Zika Vírus, em 2015. Na época, os pesquisadores levaram quase um mês analisando as amostras dos pacientes para fechar o diagnóstico. Agora, começa a ser desenvolvido um estudo em Salvador que pretende identificar o potencial de um organismo se tornar uma ameaça regional e até global. Para o projeto sair do papel, uma fundação americana destinou US$ 100 mil

Na pesquisa serão coletadas cerca de 160 amostras de pacientes de Salvador com hemorragia, meningites virais e até outros quadros clínicos. A partir das análises, os cientistas esperam identificar os agentes invasores que causam as doenças e impedir a evolução delas. 

A escolha da capital baiana não foi por acaso. Mas, por agrupar vários fatores de risco para a proliferação de doenças infecciosas, além de chamar a atenção dos cientistas pelos casos de Zika e a Chikungunya registrados. O grande movimento de pessoas, especialmente de turistas de outros países, e o clima tropical também favorecem o aparecimento dessas doenças.

Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Miralba Freire ressalta ainda que Salvador possui um ambiente fértil para o surgimento e a expansão de arboviroses - doenças transmitidas por aracnídeos e insetos, como o mosquito Aedes Aegypti, que transporta o vírus da Zika, da Dengue, Chikungunya e da febre amarela.

Atualmente, a identificação de doenças ainda demora e a falta de um diagnóstico aumenta o temor da pessoa infectada. Um dos responsáveis por identificar o Zika Vírus, o professor e virologista Gúbio Soares explica que o reconhecimento da causa da doença tranquiliza a população. “As pessoas que tinham Zika estavam assustadas e o sistema de saúde não sabia o que era. A identificação reduz o temor da morte e permite que se descubra como acontece a infecção”, explica.Demora Na época do Zika Vírus, para detectar seu agente causador, Gúbio e a pesquisadora Silvia Sardi, da Universidade Federal da Bahia (Ufba) analisaram as amostras por quase um mês. Agora, a aplicação de uma nova tecnologia de identificação das causas das doenças - o sequenciamento metagenômico de última geração (NGS) - pode permitir que a espera dos pacientes por um diagnóstico seja reduzida para até uma semana.

É com esse equipamento que uma pesquisa promovida pela Fiocruz em parceria com Instituto de Saúde Coletiva (ISC), a Faculdade de Medicina da Ufba e a Escola de Saúde Pública de Yale (EUA) pretende barrar a evolução de doenças. 

O biólogo PhD em biotecnologia, Federico Costa, pesquisador principal do projeto, aponta que a identificação mais rápida e eficaz acelera o processo de notificação e pode prevenir a disseminação de surtos, como o do Zika Vírus, que teve mais de 66 mil casos suspeitos notificados no estado no ano em que foi descoberto.“Uma resposta mais rápida do serviço de saúde permite  melhores intervenções clínicas, o que pode prevenir e tratar melhor a doença. O processo serve tanto para a área clínica quanto para a prevenção”, explicou o pesquisador. No caso de doenças que podem ser transmitidas entre as pessoas, a identificação do agente invasor é ainda mais importante para controlar surtos e possíveis epidemias, aponta a infectologista Miralba Freire. “Ajuda a salvar o indivíduo ou a acelerar o contato com a saúde pública, com o governo, quando [a enfermidade] é transmissível”. O biólogo PhD em biotecnologia, Federico Costa, pesquisador principal do projeto (Foto: Divulgação) Surto de dengue Atualmente, a Bahia vive um surto de dengue. Já a Zika, segundo a especialista, foi a última doença infecciosa a ser descoberta na cidade. O estudo tem como foco inicial os agentes invasores, sem uma determinação de quais doenças vão ser pesquisadas. “Estamos em fase de análise. A pesquisa é bem flexível, de cunho exploratório. O financiador sabe que vamos procurar por patógenos não conhecidos, então tem uma margem de exploração, sem tanta certeza”.

Apesar do grande leque de sintomas, a pesquisa foca em pacientes com hemorragia e meningites virais, quando a doença que atinge as membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal é causada por um vírus. “Os dois casos são frequentes em climas tropicais e estão associados a quadros graves que podem levar à morte. Eles são bons indicadores de doenças graves e identificando o patógeno a gente consegue evitar o óbito do paciente”, explicou Costa.

O estudo começa com pacientes de Salvador, mas pode se expandir e chegar a outras localidades em uma próxima fase. 

Luta contra epidemias A ideia é, a partir da pesquisa, prevenir surtos em âmbito mundial. A pesquisa é desenvolvida em Salvador, mas o compartilhamento de informações sobre a patologia para todo o mundo permite o melhor acompanhamento e tratamento dos pacientes.

Como o sequenciamento metagenômico de última geração permite a obtenção de informações sobre os agentes causadores das doenças em apenas algumas horas, os profissionais da saúde e os governos podem usar dados como a origem e possíveis mutações do agente invasor para organizar uma estratégia de prevenção da doença e de possíveis surtos. “A ideia é identificar rapidamente [a doença] e compartilhar os resultados com a comunidade científica mundial para entender o padrão dos patógenos. A pesquisa inclui uma plataforma para sequenciar os patógenos e isso permite buscar os dados para combater as epidemias”, explicou Federico.Previsão é concluir pesquisa em 18 meses

A pesquisa já recebeu um apoio de US$ 100 mil da Fundação Bill & Melinda Gates e depende somente  da chegada dos equipamentos necessários para ser iniciada. A previsão é que isso ocorra até o final desse mês. O estudo foi um dos 56 selecionados dentre 1700 inscritos no edital do programa Grand Challenges Explorations. A iniciativa deve receber mais 50 mil dólares da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).

Caso sejam bem sucedidos na empreitada, os pesquisadores ainda podem receber mais US$ 1 milhão para dar continuidade aos estudos. “Entre as aplicações, uma ou duas vão ser escolhidas para a segunda etapa, vamos trabalhar duro e tentar aplicar na segunda etapa, que é de maior valor”, detalhou o professor Frederico Costa .

Outros três pesquisadores trabalham ao lado de Federico na pesquisa: Mitermayer Reis, pesquisador titular da Fiocruz Bahia, professor da Faculdade de Medicina da Ufba e professor adjunto da Yale; Albert Ko, professor da Yale e pesquisador colaborador da Fiocruz Bahia; e Nathan Grubaugh, professor assistente da Yale. Mitermayer Reis, pesquisador titular da Fiocruz Bahia, professor da Faculdade de Medicina da Ufba e professor adjunto da americana Yale, é um dos que trabalha ao lado de Federico na pesquisa O estudo deve ser finalizado em 18 meses, a partir no início dos trabalhos. Mas a equipe deve receber o reforço de dez novos pesquisadores. Todos eles têm como desafio descobrir a presença inesperada de novos organismos que não são detectados nos diagnósticos de rotina ou a dificuldade de fazer um diagnóstico preciso de algumas doenças.

Casos de dengue geram preocupação

Pelo menos 354 municípios baianos já tiveram casos de dengue em 2019. O último balanço divulgado pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) mostra que só este ano foram notificados 44.497 casos da doença, o que representa um aumento de 561,6% com relação ao mesmo período do ano passado.  

Ainda de acordo com o boletim da Sesab, o número de mortes também cresceu no período: saltou de três para 20. Outras 12 mortes por suspeita da doença foram descartas e seis seguem em investigação. Na capital baiana, o número de casos notificados de dengue chega a 2.374 e a doença já foi a responsável por duas mortes este ano. 

Enquanto os casos de dengue crescem expressivamente, as notificações por Chikungunya caíram 40,5% e os de Zika em 3,5%. No estado, a Chikungunya e o Zika Vírus afetaram 1.841 e 991 pessoas, respectivamente. Três pessoas morreram por conta da Chikungunya . Já na capital baiana foram 200 casos de Chikungunya e 75 notificações de Zika Vírus. 

Atualmente, as principais doenças infecciosas que acometem os baianos são: Zika Vírus, dengue e Chikungunya, segundo apontam os especialistas Gúbio Soares e Miralba Freire. 

Ainda de acordo com eles, além das arboviroses, outra doença que tem chamado a atenção são as meningites virais. Na Bahia, até o dia 4 de maio, foram registrados 33 pessoas com a doença. Até o momento, nenhuma morte foi registrada.  

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro