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Paulo Leandro
Publicado em 10 de novembro de 2021 às 05:00
- Atualizado há um ano
Anfitrião saiu de casa uns tempos por causa da guerra e quando voltou encontrou sua esposa, Alcmena, em vias de intimidade com o artilheiro Zeus, razão pela qual desde então, quem recebe visitas, é chamado pelo mesmo nome do compreensivo marido.
Eis a situação do valoroso Vasco da Gama, hoje, anfitrião do Vitória, em clássico nacional cuja regularidade em produzir grandes espetáculos é inegável e poderia ser facilmente demonstrada, mas basta lembrar aquele partidão encerrado com 5x4 pra nós.
Os antiVi felizes com a caveira do Nego costumam ter problemas de memória nos grandes épicos do Vitória, restando aos mitógrafos a prática virtuosa de reacender esta brasa de confrontos com o Vasco, um dos clubes de maior torcida na Bahia.
Basta sair do entorno da Baía-de-todos-os-santos e seus 20 municípios para perceber como murcham as aglomerações de aficcionados de Vitória e Bahia, concentrados no Recôncavo e olhe lá, restando à maior parte do território dito “baiano” outras escolhas.
Este detalhe irrita quem entende a Bahia como geografia, deixando de lado aspectos de perfis diversos em todas as outras regiões do Estado, em quase 400 cidades por aí, onde Vasco, Flamengo, Palmeiras, e mais recentemente, São Paulo, prevalecem.
É o caso de Itiruçu, por exemplo, cidade cafeeira onde a galera casaquista (vascaína) é tão numerosa a ponto de seus sócios-benfeitores-remidos, seu Jovino e Juca Nunes Neto, merecerem uma missa em São Januário, após saírem de nosso campo terrestre.
Enquanto hoje bate uma bolinha nos Campos Elyseos, a dupla deixa morrendo de saudades seus familiares e companheiros da torcida da cruz-gamada (a cruz da camisa do Vasco não é a de Malta como dizem, mas corresponde a das caravelas).
“Vamos todos cantar de coração!”, convida o belo hino do anfitrião de hoje, em partida equivalente a boa ação de salvamento, pois os bons amigos da Colina fariam a gentileza de atirar ao mar uma boia para tentar livrar o Leão do afogamento para a ‘Cérei’ C.
Resta lembrar o quanto o Vasco é relevante para o Brasil, por seu exemplo de cidadania, representando a mediação entre os invasores de Pindorama e os herdeiros dos primeiros massacres, funcionando o grande clube como a síntese da reinvenção do país.
Foi do Vasco a iniciativa de acolher os descendentes de escravizados, duas décadas depois da abolição e quando os clubes da zona sul exigiram aos jogadores a assinatura nas primeiras súmulas, coube ao cruz-gamado ensinar-lhes a escrever.
Quando a elite (Flu, Fla, Botafogo, América) insistiu na perseguição, ao impor a propriedade de um estádio para o clube poder participar do campeonato, o Vasco construiu São Januário, o maior do Brasil, onde Getúlio assinou as leis trabalhistas.
Uma das raras agremiações a sagrar-se campeã da primeira divisão, no ano seguinte ao título da segunda, ainda hoje o Vasco não tem colher de chá, restando reconhecer-lhe a brasileira mistura do heroico português com o indiodescendente e o negro.
Esperamos do Vasco, a generosidade do bom Anfitrião, e do Zeus-Vitória, a sabedoria de curtir a beleza de Alcmena - com quem gerou Héracles (Hércules) -, sem tripudiar do Almirante, de imensa torcida na Bahia, liderada in memoriam por seu Jovino e Juca.
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade