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Publicado em 26 de setembro de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Uma das limitações da minha carreira é não ter conhecido Armando Oliveira pessoalmente. Sem que nem eu mesmo soubesse, aquele senhor de voz serena e análises precisas exerceu uma influência marcante na trajetória deste cronista esportivo. Cronista agora, porque na época apenas uma criança fascinada por futebol.
Corriam os anos 90 e eu, nascido na década anterior, descobria e vivenciava esse mundo fantástico do futebol. Na escola, o recreio servia para jogar bola ou bater figurinha do álbum do Campeonato Brasileiro. Em casa, Telesportes, Globo Esporte, Cartão Verde. Mas o programa favorito mesmo era ir ao estádio com meu pai. E Armando Oliveira sempre ia junto.
Na época, o horário padrão do futebol em Salvador era às 17h, e não às 16h. Presumo que se tratava de estratégia para esperar o sol baixar, mas meu coroa nunca seguiu isso. Às 14h já estávamos rumo à Fonte Nova - na época a casa de tricolores e rubro-negros, como agora. Na preliminar, geralmente algum jogo do sub-20, meu pai já estava com o radinho de pilha colado no ouvido. Era assim até chegar em casa, já de noite.
O rádio só ficava sintonizado na Sociedade, e lembro de um dia aquela criança, ou talvez já adolescente, ter perguntado o motivo. A resposta de meu pai: porque tem Armando Oliveira.
Como o rádio ficava grudado no ouvido dele, eu não escutava durante o jogo. Mas na volta pra casa era compartilhado no som do carro. E aquele era o momento de compreender o motivo de tamanha fidelidade.
Sério, fazia toda a diferença. A gente estava lá, tinha acabado de ver o jogo por duas horas, mas, depois que terminava, Armando Oliveira contava de um jeito mais límpido até do que fora no gramado. Cada palavra escolhida era a melhor palavra possível. Um manual de interpretação de texto, só que interpretando um jogo de futebol.
Lembrei de tudo isso enquanto assistia a Vitória 0x0 Atlético Goianiense na noite de terça. Atuação meia boca que manteve o time na berlinda e recebeu elogios do técnico Geninho provavelmente porque ele acabou de chegar ao clube e precisa prestigiar os novos comandados nem que seja só pelo esforço demonstrado. Se o técnico não fosse um recém-chegado no ambiente, não haveria como elogiar a quinta partida em casa seguida que o time termina sem fazer um gol sequer.
Pensei na hora: o que diria Armando Oliveira diante de um Vitória desse? Só ele seria capaz de, cirurgicamente, elencar cada detalhe, cada nuance, e embalar de presente em um comentário redondinho, pronto para o ouvinte não precisar esquentar a cabeça tentando entender, se é que dá para entender uma seca assim contra América Mineiro, Operário de Ponta Grossa-PR, Botafogo de Ribeirão Preto, Guarani e Atlético Goianiense. Atente para isso, leitor: o fato de quatro dos cinco adversários precisarem da origem ou do gentílico para completar a identificação do clube diz muito, mas muito mesmo, sobre o momento do Vitória.
Armando Oliveira morreu em 2005 e nunca mais surgiu na Bahia alguém igual. Mas, convenhamos, o que o Vitória vem fazendo em campo nesta temporada certamente deixaria até o mestre em apuros.
Herbem Gramacho é editor de Esporte e escreve às quintas-feiras