Sem dinheiro para pagar contas, Mucugê fornece água tratada de graça

Há 72 cidades da Bahia que não têm como se manter

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  • Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2018 às 10:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Dependente de repasses federais e estaduais, com baixa arrecadação do Imposto Territorial Predial Urbano (IPTU) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) e com o setor do turismo ainda em desenvolvimento, a cidade de Mucugê, na Chapada Diamantina, está longe de conseguir andar com as próprias pernas.

Mucugê é uma das 72 cidades baianas (veja lista completa abaixo) que dependem de transferências da União e do estado para arcar com as despesas da máquina pública todo mês. O número foi divulgado pelo estudo Criação de Municípios: Mais Impostos e Menos Serviços à População, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que mostrou que um terço dos municípios brasileiros não gera receita suficiente sequer para suas despesas de manutenção (1.872 cidades). 

Para complicar mais a situação de Mucugê, a atual administração do município de pouco mais de 9 mil habitantes tem de lidar com uma situação herdada de gestões anteriores: o fornecimento gratuito de água tratada para toda a população urbana, e que é utilizada ainda pelos cerca de 50 mil turistas que frequentam a cidade todo ano.

Apesar de a Prefeitura informar que está tentando criar um projeto para que se possa arrecadar com o fornecimento de água, nem que seja para bancar os custos, que não foram informados, aumentou o número de pessoas atendidas pelo sistema, ao levar água tratada aos quase 1.000 moradores do distrito de João Correia, a 62 km da sede.“Estamos vendo como vamos fazer para criar um projeto para arrecadar alguma coisa com o fornecimento de água. É uma medida que sabemos que será muito impopular aqui, talvez por isso ainda não foi à frente. Contudo, é algo que precisa ser feito para que a cidade arrecade mais. Não se paga nem para ligar a água”, disse o vice-prefeito Luis Antonio Martins Rocha (PSD), o professor Luisinho.Por enquanto, a cidade que tem arrecadação mensal variando entre R$ 900 mil a R$ 1,2 milhão, se beneficia do repasse de 25% feito pelo Governo do Estado do Imposto Sobre Circulação de Serviços (ICMS) - pago por oito grandes empresas agrícolas e do setor do turismo, que antes atuava quase todo na informalidade.

Este ano, a cidade recebeu do Governo Federal R$ 7,55 milhões para custear, sobretudo, despesas com educação e saúde. E outros R$ 415.788,21 em convênios com o Governo do Estado, segundo o Portal da Transparência.

Depois de um trabalho de formalização dessas empresas, hoje a cidade tem contabilizados 30 estabelecimentos de hospedagem e outros 40 da área de alimentação. “Conseguimos, com essa formalização, aumentar em 62,01% a arrecadação do ISS”, garantiu o secretário de Turismo Euvaldo Ribeiro Júnior. Segundo ele, o setor do turismo responde por 20% da economia local.

Sacrifícios Na maior parte dos municípios, os salários podem até estar em dia, mas o resultado vem acompanhado de sacrifícios. Em Firmino Alves, no Sul da Bahia, a secretária municipal de Administração, Sônia Cunha, conta que a arrecadação de impostos é quase nula. Hoje, a receita corresponde a apenas 10,62% dos gastos com a máquina pública. 

Do Imposto Sobre Serviços (ISS), não vem quase nada. Do IPTU, menos ainda. O imposto predial é até cobrado, mas a taxa é baixa. “Tem uns dez anos que não tem reajustes, então é um problema. Estamos fazendo um projeto de lei para ver se melhora a arrecadação. Acaba sendo um desafio garantir os serviços essenciais”, assume. 

Para garantir o repasse para a Câmara Municipal, por exemplo, fica reservado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Esse dinheiro é imexível. Os outros, você vai empurrando. Paga um, paga outro”, diz ela. A secretária acredita, contudo, que a cidade é prejudicada pela contagem de habitantes. Nos números oficiais, Firmino Alves tem 5,8 mil moradores. No entanto, só na rede municipal, estão matriculados 1,1 mil alunos.  “A gente depende do governo para tudo, porque não temos condições de fazer um bom saneamento, de fazer melhorias nas escolas. A gente poderia ter uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), mas não tem. Se não for através do Governo Federal, a gente não tem condições de manter os serviços essenciais”. O CORREIO procurou as 10 cidades com maior percentual de dependência das transferências federais e estaduais. No entanto, a maioria não respondeu aos contatos da reportagem. Por email, a prefeitura de Lafaiete Coutinho, no Centro-Sul do estado, confirmou que a maior parte o orçamento vem dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), um repasse federal de verbas calculado a partir do número de moradores, e do ICMS. Só do FPM, em julho, por exemplo, receberam R$ 880 mil. 

A principal atividade econômica da cidade, a agropecuária, contribui com o 9,85% de receita própria no orçamento – que fica em torno de R$ 1,7 milhão por mês. De acordo com a prefeitura do município, essa baixa arrecadação tem impactos negativos.

No entanto, a administração ressalta que, mesmo com a baixa arrecadação, “procura, de maneira eficaz e eficiente, administrar os recursos percebidos, para ofertar à população os serviços necessários, como educação, saúde e segurança”. 

Fusão e administração coletiva Diante desse cenário de crise, uma das alternativas propostas pela Firjan é a da fusão de municípios. Existe, hoje, no Congresso, um projeto de Lei (PLC 137/15) que impõe critérios populacionais e de capacidade de geração de receitas próprias para a criação de municípios. Entre os critérios regionais, o quantitativo mínimo para os municípios no Nordeste seria de 12 mil habitantes. Dessa forma, nenhuma das 72 cidades baianas que dependem das transferências atenderiam aos pisos populacionais. 

No Brasil, 3.056 municípios hoje existentes também não poderiam ser municípios. Se essas cidades passassem por um processo de fusão, a Firjan estimou uma economia de R$ 6,9 bilhões por ano na redução de despesas com funções administrativas e legislativas. 

“Queremos mostrar que criar mais município não é a solução. Esses quase R$ 7 bilhões poderiam ser destinados a outras áreas”, destaca a economista Nayara Freire, analista de estudos econômicos da Firjan. 

A hipótese, porém, não agrada a todos os municípios. O prefeito de Catolândia, Gilvan Pimentel, por exemplo, acredita que isso poderia provocar ainda mais desemprego nas cidades. 

Já o prefeito Dilval Medeiros, de Lamarão, no Nordeste do estado, cita, como alternativa, uma administração coletiva. Hoje, ele é presidente do Consórcio do Sisal, que reúne 20 municípios da região sisaleira. Juntas, essas cidades buscam serviços de forma coletiva com o objetivo de gerar mais economia. 

Ele cita um projeto de saneamento básico: para uma cidade do porte de Lamarão, com 9 mil habitantes, os custos poderiam chegar a R$ 300 mil. Através do consórcio, que existe desde 2012, conseguiram contratar o serviço por R$ 600 mil – para ser dividido entre todos os 20 municípios. 

Mesmo assim, a cidade ainda é a terceira que mais depende de transferências – a receita própria representa somente 4,65% do orçamento.“Hoje, para você ter uma ideia, a folha de funcionários fica em torno de R$ 700 mil. O Bolsa Família chega a R$ 240 mil, R$ 300 mil por mês. Dois anos atrás, antes da crise, eram R$ 600 mil de Bolsa Família. Vieram os cortes do governo federal, mas essas pessoas continuam aqui, precisando”,afirma o prefeito de Lamarão. A cidade vive, basicamente, da agricultura familiar. Há 20 anos, a agropecuária foi mais forte, mas a seca acabou com os grandes produtores. Assim, a prefeitura passou a elencar prioridades: 35% do orçamento vai para a educação (o mínimo é 25%) e 20% para a saúde (o piso é 15%). Com a maioria das receitas destinadas à saúde e à educação, muito pouco é feito na infraestrutura. 

“Todo o resto é basicamente manutenção. A gente não consegue fazer nenhum tipo de obra”, revela. Por mês, o orçamento fica em torno de R$ 1,1 milhão. Desse valor, a Câmara Municipal também recebe um repasse de cerca de R$ 63 mil. 

A arrecadação é baixa, principalmente, pelo IPTU. Atualmente, cerca de 80% dos moradores recebem isenção pelo critério de renda (até um salário mínimo). “O problema é que, quando se cria um novo município, nem sempre esse município tem uma fonte de receita de produção, de serviço. Então, na verdade, você vai montar um município falido”.