‘Sensação de alívio’, diz mãe de bebê baiano que nasceu imunizado contra a covid

Infectologista diz que possibilidade do fenômeno se repetir com outras gestantes vacinadas é alta

  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Wendel de Novais

Publicado em 27 de maio de 2021 às 05:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/CORREIO

Dar à luz um filho saudável no meio de uma pandemia já é de se comemorar. Agora, imagine a felicidade da família de uma criança que, além da boa saúde, já nasce com imunidade à covid-19? Esse é o caso da médica obstetra e ginecologista Patrícia Marques, mãe do pequeno Mateus Marques, que veio ao mundo, na sexta, 21, carregando os anticorpos contra o vírus herdados da vacinação de sua mãe. Mateus é o primeiro caso na Bahia de bebê naturalmente imunizado contra o novo coronavírus.

A proteção foi adquirida pela criança ainda no ventre, pelo fato de Patrícia ter se vacinado com as duas doses anticovid, em fevereiro e maio deste ano, 16 dias antes do parto. Ela tomou a vacina de Oxford/AstraZeneca. O fenômeno, segundo especialistas, tem grandes chances de acontecer com outras gestantes imunizadas.

A imunidade foi comprovada pelo Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen), que coletou amostras de sangue da mãe e do bebê dois dias após o nascimento de Mateus, através do teste de sorologia, que serve para detectar a presença de antígenos pertencentes a microrganismos e anticorpos que são desenvolvidos por conta da presença de agentes infecciosos. 

De acordo com informações do Lacen e da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), esse é o único caso de bebê imune com amostras registradas até o momento. O que faz de Patrícia a única sortuda que, por hora, tem um filho recém-nascido à prova de coronavírus. Ainda não se sabe, no entanto, quanto tempo dura a imunidade nessa circunstância.  Patrícia recebeu notícia da imunidade com muita alegria (Foto: Divulgação/Sesab) Pura emoção

Para Patrícia, a incerteza sobre o tempo em que o pequeno Mateus permanecerá com os anticorpos no organismo não tira a alegria de ver o resultado e saber que o filho está seguro. Ao CORREIO, a médica disse que todos em casa não seguraram a emoção ao saber da boa nova."Eu fiz o teste porque queria saber se ele estava imune, cheia de esperança. Receber a confirmação foi gratificante. A gente ficou muito emocionado mesmo. Nesse momento que ainda é de tensão pelo fato de não ter vacina para a maioria, saber que ele já chegou imunizado foi uma sensação de alívio", conta.Patrícia é ginecologista e obstetra e não pôde se afastar da profissão durante a pandemia por estar na linha de frente nos plantões do hospital onde trabalha. No período em que atuou sem estar vacinada, a sensação de dever cumprido se misturava com o temor da contaminação. "Não pude sair da linha de frente. Não dava pra parar de trabalhar em um momento como esse. Sabendo que a gravidez é um fator de risco, ficava tensa, com medo de pegar. Mas fazer isso me deu a oportunidade de ser vacinada, o que fez com que ele ficasse imune, me sinto premiada".

Antes da alegria de saber da blindagem do filho contra os casos graves de covid, não faltou apreensão para a médica. Além do risco no seu trabalho, depois de vacinada, ela teve de lidar com a não recomendação da Anvisa quanto a aplicação da vacina da Oxford, quando já tinha sido imunizada. "A recomendação da Anvisa veio depois que eu me vacinei, o que já assustou. Como não tive nenhuma reação, tomei a segunda dose. Uma semana depois saiu o caso da morte de uma grávida que tinha recebido a mesma vacina. Foi um sufoco, ficamos aflitos, mas ficou tudo bem, não tive nada", lembra.

Imunidade herdada

E a imunidade do pequeno Mateus é uma notícia boa também para outras milhares de grávidas baianas e de outras partes do país. De acordo com o infectologista Mateus Todt, a possibilidade das gestantes transferirem os anticorpos para os filhos é alta."É algo mais comum do que a gente imagina. Não se notou antes por não haver o hábito de fazer sorologia em bebês. Há uma possibilidade muito grande de que as mães passem esse anticorpo, principalmente as que foram vacinadas no fim da gestação, quando ocorre a maior transferência de anticorpos", explica. Todt diz que a passagem de imunidade de Patrícia para Mateus aconteceu por causa do processo de transferência placentária e pode se repetir em muitos casos com outras vacinadas, mas salienta que se trata de uma imunidade temporária. "A mãe é capaz de transferir esse anticorpo para a criança e isso era esperado. Esse é o anticorpo G, que é o IgG que é transferido pela placenta e fica nas crianças, conferindo imunidade. Mas, normalmente, é uma proteção transitória, que dura em torno de seis meses", alerta.

Acompanhamento de gestantes

Para verificar se o caso de Patrícia vai se repetir com outras gestantes, a Sesab já prepara um esquema de acompanhamento para avaliar o fenômeno. Pelo menos, é isso que garante a  diretora da Vigilância Epidemiológica do Estado, Márcia São Pedro.

"O Governo do Estado está construindo e finalizando um protocolo para acompanhar outras grávidas que já tenham sido vacinadas com duas ou uma doses com o objetivo de verificar se essas crianças apresentam alguma proteção", afirma. Na Bahia, até o  momento, 10.680 gestantes e puérperas foram imunizadas.

Márcia também declarou que o caso vai transformar o processo de imunização das grávidas e dar mais tranquilidade para as que tinham receio de receber a vacina. "Isso vai impactar no processo de vacinação das gestantes porque, primeiro, as mães vão ter a segurança que a vacina é eficaz e seu bebê pode nascer protegido, apesar de quanto tempo ela vai durar", completa.

Cenário no Brasil 

A reportagem do CORREIO procurou o Ministério da Saúde que afirmou não ter dados sobre a quantidade de crianças que nasceram com imunidade à covid-19 depois do início do processo de vacinação. Outros casos já foram registrados em Santa Catarina e no Acre.

Pesquisa mineira

No Brasil, um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e divulgado nesta quarta-feira, 26, identificou 68 casos de transferência de anticorpos do coronavírus da mãe para o filho durante a gestação. A pesquisa usou o teste do pezinho e testagem das mães para identificar os anticorpos e irá acompanhar as repercussões no desenvolvimento infantil dos recém-nascidos. Nenhuma das mães participantes do estudo havia sido vacinada contra a covid.

Grávidas contaminadas pelo coronavírus podem desenvolver a forma grave de doença, que aumenta o risco de mortalidade materna. A pesquisa da UFMG com gestantes, no entanto, surge com dados novos sobre a imunização de bebês.

Os resultados preliminares mostram que a maioria das mães que se infectaram na gravidez podem passar anticorpos IgG (de mais longa duração) para os bebês por transferência placentária. Até agora foram testadas 506 mães e bebês em cinco cidades mineiras: Uberlândia, Contagem, Itabirito, Ipatinga e Nova Lima.

Todos os casos serão acompanhados por dois anos, para avaliar duração da imunidade adquirida pelo feto e se a infecção trouxe consequências para o desenvolvimento das crianças. 

*Com a supervisão da subchefe de reportagem Monique Lôbo