Sertanejo, Rouanet e barbárie

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  • Da Redação

Publicado em 16 de maio de 2022 às 05:05

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Num levantamento feito pelo falecido Ministério da Cultura, há alguns anos, registrou-se que mais de 90% das cidades brasileiras não tinham teatro e cinema. São dados alarmantes. Toda vez que viajo a cidades do interior, vejo o quanto o programa de lazer das pessoas ou é ir à praça jogar conversa fora, ou ir a um boteco encher a cara. Não há alternativas, com exceção das festas tradicionais, notadamente o São João.

Recentemente, uma dupla sertaneja criticou a Lei Rouanet, e virou notícia nacional. A Rouanet é uma lei de incentivo fiscal, onde o proponente faz um projeto, com objetivos, apresentação, currículo, orçamento detalhado, submete a uma comissão do Governo Federal que, vendo que o projeto está em conformidade com as exigências da lei e valores pagos, aprova o mesmo para que se possa captar frente à iniciativa privada. É uma lei que se ampara nos benefícios fiscais que são muito maiores, milhões a mais de isenções para empresas e agronegócio, por exemplo.

Se há uma crítica que pode ser feita à lei é a de que o Governo Federal joga sua responsabilidade em fomentar a cultura para a iniciativa privada, quando deveria ter políticas públicas efetivas e continuadas para um setor que, antes da pandemia, representava 4% do PIB do país, acima de diversos setores da indústria e comércio.

Sim, arte e cultura são valores importantes para a formação do indivíduo, e podemos ver em países que são referência mundial em qualidade de vida e indicadores sociais, que a cultura anda de braços dados com o desenvolvimento. Mas arte e cultura são também setores estratégicos em termos econômicos, na geração de emprego e no giro de capital.

Pois então. Voltemos às cidades do interior. Na esteira das críticas da dupla sertaneja à Lei Rouanet, foram divulgados dados oficiais de cachês pagos à dupla, sem licitação e em caráter de inexigibilidade, que variavam de 180 a mais de 500 mil reais.

Uma dupla sertaneja chega na cidade, com sua equipe, toca por uma hora e meia, não consome e nem faz o capital girar na cidade, bota 500 mil no bolso e vai embora. Estrategicamente, que impacto isso terá na cidade? Provavelmente, sua população passará o resto do ano em botecos e praças, numa cidade sem teatros ou cinemas, esperando o próximo grande evento, que deve durar 3, 4 dias, com atracões que somadas chegam muitas vezes a 5, 6 milhões de reais, de dinheiro vindo diretamente da prefeitura que, ao contrário da Rouanet, assume essa ação como política pública pagando valores muitas vezes acima do mercado.

Com o cachê de apenas uma dupla dessas, uma prefeitura poderia subvencionar uma companhia de teatro que produziria o ano inteiro, fazendo ao menos dois espetáculos que poderiam ficar em cartaz meses a fio, além de promover oficinas gratuitas para a comunidade, e trazer espetáculos de alto valor artístico para a cidade. Haveria impacto na economia local, haveria geração de empregos diretos e indiretos, e a cidade passaria a ser mais visitada e com maior visibilidade; além dos desdobramentos que surgiriam com novos grupos, novas casas de espetáculo. Sim, há que se pensar que uma cidade que não possui ao menos um teatro municipal em boas condições, deveria ser exceção, e não a regra.

Pode-se argumentar que talvez a cidade prefira um dia de sertanejo a um ano de teatro. Mas o público ouve sertanejo, sempre na mídia, e paga para ver independente de políticas públicas, e outros tipos de música, o teatro, a dança, são artes alienígenas da formação cultural do brasileiro comum.

Os que atacam a Lei Rouanet estão indiretamente atacando os artistas, tão distantes de sua realidade por falta de políticas públicas que os aproximem. Tática fascista para descredibilizar uma classe tão importante para sociedades desenvolvidas culturalmente. Atacam projetos de 500 mil que mobilizam toda uma cadeia produtiva durante 1 ano, e aplaudem a contratação de pessoas que ganham o mesmo para uma única apresentação. 

E sabem quais são os grandes exemplos de perseguição a artistas em nossa história recente? Usando argumentos como arte degenerada, marginal, indecente, subversiva, imoral? Hitler, Stálin e Mussolini, pra começo de conversa.

É importante que você saiba com quem você se identifica quando pensa de determinada maneira. Acabamos por virar, como na Alemanha de Hitler, na União Soviética de Stálin e na Itália de Mussolini, um exemplo de barbárie, opressão e estupidez.

E eu só tenho a lamentar de viver num país com gente assim.