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Donaldson Gomes
Publicado em 23 de setembro de 2022 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A Bahia é a 7ª economia nacional, mas é apenas a 14ª quando se trata de inovação. Ainda que o tema seja tratado como algo central pelas grandes economias mundiais e em outros estados, por aqui o assunto ainda é tratado de maneira descentralizada e a reboque do apetite do mercado, que entende a urgência de buscar soluções tecnológicas como condição para a sobrevivência. >
Em 2007, o orçamento estadual para a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado (Secti) era de aproximadamente R$ 120 milhões. Quinze anos depois, em 2021, o volume de recursos destinados à pasta responsável pela elaboração de políticas para o desenvolvimento tecnológico e o fomento à inovação foi de R$ 105 milhões. Infografia: Thainá Dayube De lá para cá, o custo de vida aumentou em 134%, pelo IPCA (índice que mede a inflação oficial do país), o mundo aposentou as locadoras de vídeo, o 3G deu lugar ao 5G, surgiu o Twitter, o primeiro Iphone, o sistema Android, videogames chegaram 10ª geração e já perderam espaço para os smartphones e o mundo caminha para o multiverso. >
Os métodos produtivos se digitalizaram, a internet das coisas, as cidades inteligentes, a indústria 4.0 e máquinas autônomas são uma realidade, assim como a agricultura de precisão, para citar apenas alguns exemplos. O mundo se prepara para o metaverso, com suas realidades alternativas. >
Nos últimos oito anos, os gastos anuais da pasta que é responsável pela definição de políticas para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação na Bahia esteve em torno dos R$ 100 milhões. Este ano, o valor utilizado até agora foi de R$ 50 milhões, sendo R$ 24,8 milhões para o auxílio financeiro a estudantes, R$ 5 milhões para subvenção e R$ 1,6 milhões para o auxílio a pesquisadores. Somando tudo, chega-se a R$ 31,4 milhões do que se pode entender como a atividade fim de uma secretaria voltada para o desenvolvimento da ciência e tecnologia. >
Questão prioritária Preocupar-se em inovar deixou de ser uma opção há muito tempo, haja vista que o mundo todo está inovando e não se incluir nessa dinâmica envolve simplesmente estar fora do jogo, aponta o relatório do Índice FIEC de Inovação nos Estados 21, produzido pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) e reconhecido como referência no assunto. E o desafio está longe de ser regional, aponta o documento. O Brasil, que possui o 12º maior Produto Interno Bruto (PIB) é apenas o 62º no Índice Global de Inovação produzido pela OMPI, uma organização internacional dedicada a questões de propriedade intelectual. >
Nacionalmente, os estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná formam o Top 5 em inovação. Entre os estados nordestinos, os primeiros lugares ficam com Pernambuco (10º no ranking nacional) e o Ceará (11º). >
O indicador é composto por duas dimensões, capacidades – que busca capturar a estrutura para a promoção da inovação nos estados – e resultados – que ilustra o desempenho na busca pela inovação nas unidades da federação. >
No indicador de capacidades, a Bahia saiu da 15ª colocação em 2018, quando o estudo foi publicado pela primeira vez, para a 18ª em 2020 e novamente caiu, desta vez para a 20ª colocação, em 2021. Em relação aos resultados alcançados, o estado saiu da 16ª colocação em 2018 para a 10ª em 2020 e caindo para a 11ª em 2021. Em relação aos investimentos públicos em tecnologia, o estado se mantém numa posição estável, como o 15º da federação. Na oferta de infraestrutura, o estado saiu da 15ª posição para 18ª. >
Modelo tripartite O professor Paulo Pietrobom, coordenador do Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que o exemplo do Vale do Silício, de desenvolver inovação com base em três pilares – poder público, universidade e iniciativa privada –, conhecido como o modelo das três hélices vêm trazendo bons resultados em diversos lugares do mundo. >
Além da vivência acadêmica, o professor conta que também empreende e, portanto, conhece as dores de quem está na iniciativa privada. “Não tem como falar em inovação sem pegar o processo histórico que se iniciou no Vale do Silício, na Califórnia”, avisa. Ele lembra ainda que a China também se tornou um ator global relevante em relação ao assunto. >
Para ele é fácil explicar porque as grandes potências mundiais se preocupam tanto com o assunto. “Deixar de investir em inovação é perder competitividade, fazer as suas cadeias produtivas perderem pujança e em última instância gerar menos impostos, o que na ponta fará com que o cidadão tenha acesso a serviços públicos de menor qualidade”, explica. >
Para o professor, é muito importante ter em mente o que vem a ser inovação. “Não existe inovação sem nota fiscal. Para ser uma inovação, precisa ter uma aplicação socioeconômica, precisa estar no mercado”, destaca.>
Paulo Pietrobom avalia que a Bahia possui bons resultados, mas precisa avançar em questões que são fundamentais, como alcançar participações significativas das “três hélices”. >
“Em todo o mundo, aqui no Brasil, inclusive, os projetos mais bem sucedidos são os que têm estado, universidade e o empreendedor juntos”, avisa, citando os exemplos do Porto Digital, em Pernambuco, e do Sapiens Parque, em Santa Catarina. A união dos três entes é fundamental para o desenvolvimento de um “ecossistema de inovação”, que vem se tornando cada vez mais complexo. >
Paulo Pietrobom destaca a necessidade de o Poder Público criar um ambiente institucional que favoreça cada vez mais o surgimento e que este tipo de negócio se desenvolva, assim como acredita que as universidades devem equilibrar os esforços para o desenvolvimento da pesquisa básica e da aplicada. “A básica é muito importante e serve para empurrar as fronteiras de conhecimento. Ao mesmo tempo, é fundamental ter a pesquisa aplicada, que se volta para responder demandas externas”, acredita. >
O professor defende a necessidade de conectar os esforços por inovação na potencialização das vocações econômicas da Bahia.>
Estado tem cerca de 4% das startups do Brasil Houve avanços na área inovação na Bahia, principalmente na capital, aponta Gustavo Menezes, sócio da Lighthouse e gestor do Hub Salvador. A tecnologia traz ganhos de produtividade, de tempo e gera riquezas para a sociedader. Ele destaca a participação da região no total de startups no Brasil, em torno de 4% do total, como sinal da pujança do estado no surgimento de empresas de tecnologia. Entretanto, Menezes acredita que os resultados baianos podem ser ainda melhores nos próximos anos, se houver uma política para integrar os investimentos, hoje “muito descentralizados”. >
“Houve um avanço razoável do tema tecnologia aqui no estado, muito concentrado na capital, é verdade, mas tivemos um salto na quantidade de startups e um amadurecimento destas empresas”, pondera. Ele lembra que retornou para Salvador em 2017 e naquela época só se falavam de duas ou três empresas de tecnologia baianas com entrega e consistência. “Hoje quando a gente olha para o cenário atual, temos com certeza como falamos a respeito de mais de dez empresas”. >
Menezes lembra que a aceleração digital “exigida” por conta da pandemia de covid-19 aconteceu em todo o país e vem fazendo o poder público olhar cada vez mais para ciência e tecnologia. “Quando a gente olha para o recorte da nossa capital, começamos a ver iniciativas mais sólidas, como o Hub Salvador, o Colabore e o Parque Tecnológico, iniciativas que servem de referência e vemos um adensamento muito claro”, avalia. >
“Salvador hoje é uma referência, mas nós temos o desafio de descentralizar o que está sendo feito aqui para outros polos regionais. A gente vê despertar algo em cidades como Vitória da Conquista, Luís Eduardo Magalhães e Juazeiro, com iniciativas voltadas para o agro”, enumera. “A gente vê essas ações caminhando individualmente e sem integração. Precisamos disso de maneira regional, planejada e estes polos se comuniquem. É um desafio grande”, acredita. Para o empresário, o investimento em inovação, ciência e tecnologia precisa se tornar, cada vez mais, prioridade de Estado e não de governos. “Eu vejo em Santa Catarina um exemplo claro de um estado que se planejou para isso. Florianópolis era uma cidade que tinha o turismo como principal fonte de renda e hoje é uma cidade que vive da inovação”, exemplifica. Ele cita a importância do apoio do Poder Público e da universidade lá. >
“Investir em inovação é um caminho sem retorno. Na hora de pedir uma comida, vamos usar um ifood, um app ou um delivery de um restaurante. Na hora de nos locomovermos, do mesmo modo. A tecnologia traz ganhos de produtividade, de tempo e gera riquezas para a sociedade”, aponta. >
“A Bahia é muito rica e diversa. Salvador tem uma força grande em serviços, turismo, economia criativa. O estado também tem esse potencial turístico. Temos o agronegócio, com um papel importante”, acredita. >
Gustavo Menezes acredita que é preciso olhar com cada vez mais atenção a realidade das startups na Bahia. Ele explica que boa parte das empresas do tipo no estado estão em fase de nascimento das ideias ou de validação – o que significa que ainda estão testando o modelo de negócio. Só depois disso, as empresas partem para as fases de operação e crescimento. Nos momentos iniciais, explica, as empresas demandam mais investimentos. >
“O Nordeste como um todo, e a Bahia em particular, tem a maior parte das empresas na base da pirâmide. O investimento é primordial para que estas empresas possam ir passando de uma fase a outra e hoje 70% das empresas que estão aqui ainda não receberam investimentos. É muito importante pensar em como ajudar essas empresas a se manterem vivas até terem condições de colocar a inovação no mercado”, diz. >
Ele acredita que é fundamental fortalecer atores de investimento local. “Os grandes fundos estão no Sudeste, têm sua zona de conforto, rede de relacionamentos lá e dificilmente irão vir aqui ‘garimpar’ oportunidades no Nordeste”. Segundo ele, 85% dos investimentos na área vem de redes de relacionamentos e 94% dos views, quando os investidores analisam oportunidade, acontecem no Sudeste.>
Em relação à capacidade de cooperação, que depende do estabelecimento de parcerias cooperativas, o estado se encontra na 22ª posição desde que o ranking da FIEC começou a ser calculado. >
Na dimensão dos resultados, um dos destaques baianos é a competitividade global, que leva em conta o valor das exportações tecnológicas e a concentração destas exportações na região. Na posse de propriedade tecnológica, o estado aparece como o 12º do país e em 10º lugar em empreendedorismo. >