Sobrevivendo à Grande História

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  • Paulo Sales

Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 12:07

- Atualizado há um ano

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Até os 19 anos, eu acreditava que os grandes acontecimentos da civilização estavam confinados em um tempo anterior ao meu. As duas grandes guerras, o crash da Bolsa de Nova York, o Holocausto, a guerra fria, a chegada do homem à lua, a era hippie… tudo isso parecia irremediavelmente aprisionado ao passado. À minha geração restara apenas o enfado e a desimportância dos pequenos acontecimentos: os estertores da ditadura no Brasil, as guerras perenes no Oriente Médio, a sisudez de líderes insignificantes e pouco confiáveis como Leonid Brezhnev, Idi Amin Dada ou o aiatolá Khomeini.

Era 1989, e nesse ano o cientista político norte-americano Francis Fukuyama publicou seu célebre artigo “O fim da história?”, no qual argumentava que a consolidação das democracias liberais pelo mundo sinalizava a derrocada da evolução sociocultural da humanidade. A monotonia da paisagem geopolítica parecia dar razão a ele. Mas a Grande História costuma pregar peças. Naquele mesmo ano eu vi a história da humanidade se desenrolar na frente da tevê: ruía a marretadas o Muro de Berlim, talvez o símbolo mais representativo da Guerra Fria. Nessa mesma época, a aids varria astros e anônimos como uma avalanche trágica.

Dois anos depois veio o colapso da União Soviética e do comunismo em larga escala, pondo fim ao breve século 20, para usar a expressão de Eric Hobsbawm no clássico Era dos Extremos. Ainda haveria o conflito atroz na Bósnia – anomalia em uma Europa pacificada – antes do século enfim nos dar adeus no dia 11 de setembro de 2001, quando dois aviões se espatifaram contra as torres gêmeas em Nova York. Não havia mais dúvida de que, aos 31 anos, eu estava imerso na Grande História e, para o bem ou para o mal, sofreria as consequências dos seus acontecimentos.

O mundo pós-atentado ao World Trade Center é completamente diferente daquele que vivemos nas décadas de 70 a 90. A revolução tecnológica trazida pela internet fez com que virássemos uma aldeia globalizada e barulhenta, como pombos numa praça. Profissões sumiram, profissões surgiram. Nunca tantos aviões e tanta informação cruzaram o planeta. Mas o fato é que evoluímos muito pouco como civilização nesses 50 anos em que peso sobre a Terra.

Hoje estamos atolados na Grande História até o pescoço. Nosso tempo está inexoravelmente condenado a permanecer nas enciclopédias por séculos. Como a peste negra, que matou três quartos da Europa entre 1346 e 1353. Ou a Gripe Espanhola, que no início do século 20 deixou mais de 50 milhões de mortos. O peso dessa experiência é imensurável, como se estivéssemos sufocando sob um mar de detritos e escombros. Em alguns momentos chegamos a temer a possibilidade de que nunca mais voltaremos à normalidade. Ficaremos encarcerados para sempre nessa prisão não-dita? O que vai restar daquilo que fomos quando enfim emergirmos?

Em Sapiens, Yuval Noah Harari define assim o processo histórico: “A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água”. Sinto falta do tempo enfadonho e desimportante no qual fui lançado, onde (metaforicamente, claro) arava campos e carregava baldes. Muito mais saudável e tranquilo do que simplesmente tentar sobreviver a uma peste e aos vermes que se alimentam dela