SSP retira quebra-molas colocados por traficantes no Nordeste de Amaralina

Segundo a PM, eles eram usados para realizar emboscadas a viaturas

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

(Foto:Arisson Marinho/CORREIO) Construídos de forma irregular, alguns quebra-molas no Complexo do Nordeste de Amaralina são tão letais quanto os habituais tiros de pistolas, carabinas e fuzis. Isso porque a grande maioria foi colocada por traficantes para emboscar policiais durante as ações de enfrentamento. Como resposta à audácia, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) iniciou na manhã da quarta-feira (9) a destruição de 16 lombadas erguidas fora dos padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), e por isso não autorizados pela Prefeitura de Salvador. Além dos quebra-molas, a topografia do bairro também é um desafio para as ações da corporação.

Só neste ano foram mais de 50 de ataques a viaturas registrados no complexo. Nesse período, sete policiais ficaram feridos, um deles um policial civil. “Esses ataques aconteceram quando os policiais estavam em cumprimento de suas obrigações, ou seja, quando faziam diligências, por exemplo, e sempre surpreendidos por bandidos armados. Todos os casos foram registrados em ocorrências e somam mais de 50. Em alguns casos, os policiais foram vítimas de emboscadas”, declarou o comandante da Região Integrada de Segurança Pública (Risp) Atlântico, coronel Manoel Xavier. No último dia 2, a SSP começou uma megaoperação na região, envolvendo cerca de 700 policiais, com objetivo de combater uma facção criminosa que atua na região.

“É inadmissível que os nossos policiais sejam emboscados, recebidos a balas, por conta desses quebra-molas irregulares. Alguns foram feitos por moradores, mas a maior parte dele foi colocada por traficantes. Hoje, temos a ciência de 16 pontos, mas tudo indica que são mais de 20 que serão destruídos”, disse o comandante-geral da Polícia Militar, o coronel Anselmo Brandão, que acompanhou a operação de remoção das barreiras feita pela prefeitura.  A ação faz parte da megaoperação de ocupação da PM no complexo, inciada nas primeiras horas do dia 2 deste mês. A região é reduto da facção Comando da Paz (CP), que atualmente é uma célula da segunda maior facção do país, o Comando Vermelho (CV). “A primeira fase foi manter as tropas aqui. Agora, é retirar esses obstáculos que dificultam o acesso mais rápidos de viaturas e ambulâncias, mas, principalmente, que põem em risco a vida de nossos policiais, que têm que reduzir a velocidade das viaturas, tornando-os alvos fáceis para a bandidagem e isso não vamos permitir”, declarou o comandante-geral da PM. A retirada dos quebra-molas irregulares não ficará restrita ao complexo do Nordeste de Amaralina. “A determinação do secretário de Segurança Pública (Maurício Barbosa) é que todos sejam retirados. Essa operação vai acontecer, por exemplo, no bairro de Tancredo Neves e na região do subúrbio”, disse o comandante.   A operação será também em outros bairros, diz comandante-geral da PM  (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Ainda sobre o complexo, o comandante-geral disse que o setor de inteligência da PM mapeou os quebra-molas da região. “Verificamos tudo. Fizemos uma relação deles e consultamos a prefeitura, que sinalizou os irregulares. Por fim, apuramos, através de denúncia, quais as lombadas colocadas pelo tráfico, por exemplo, estão em curvas e em locais onde nunca houve registro de acidentes”, explicou o comandante. Todos esses quebra-molas não respeitam as dimensões estabelecidas pelo Contran. São mais altos que a altura máxima e mais estreitos que a largura mínima, danificam até carros em baixa velocidade. “Estamos com viaturas com vários problemas mecânicos, o que de certa forma prejudica a ação rápida da polícia”, declarou o coronel Xavier, que também acompanhava a operação. Além disso, essas lombadas não autorizadas não observam as exigências feitas pela lei em relação ao fluxo máximo de veículos, movimentação de pedestres e distância mínima da esquina e também não são precedidas de sinalização vertical para alertar o motorista de sua existência. O comandante da Risp Atlântico citou situações que não estão relacionadas ao tráfico, mas que também prejudicam a ação da polícia. “Existem ruas que o carro passa com o retrovisor ralando na parede. Fruto do crescimento desordenado”, pontuou Xavier. Retirada Era por volta das 7h quando uma retroescavadeira da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) deu início à retiradas dos quebra-molas irregulares. A primeira ação aconteceu na localidade do Areal, após o final de linha de Santa Cruz. A localidade é conhecida por intensos confrontos entre policiais e traficantes. Algumas lombadas arrancadas estavam numa bifurcação da Rua 7 de agosto. Em uma das vias, o quebra-molas estava paralelo a um beco.  “Toda vez que uma viatura passa por aqui, tem sempre alguém à espreita no beco que dispara contra a guarnição, que é obrigada a reduzir por causa da lombada. Eles atiram e correm”, disse um policial militar da 40ª Companhia Independente (Nordeste de Amaralina), que estava na operação. Já na outra via da bifurcação, um muro com as siglas “CV” e “TD 2”, que fazem a alusão à aliança entre o Comando Vermelho e o Comando da Paz, apresenta mais 20 perfurações de tiros, ao lado de dois quebra-molas colocados a menos de 40 metros um do outro numa ladeira.  “Esses tiros na parede são dos inúmeros confrontos das guarnições com os bandidos, que têm que reduzir para passar”, disse outro policial da unidade.  Rua palco de constantes confrontos entre policiais e traficantes (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)  Ainda no Areal, a retroescavadeira retirou quatro quebra-molas na Rua João do Vinho, conhecida como Ladeira do Barro. Eles estavam num espaço de 30 metros de distância um do outro. Uma das lombadas tinha na sua estrutura, além de asfalto, vigas de concreto. “Eles usam de tudo para dificultar o acesso da polícia”, disse o coronel Xavier.Apoio Parte da população apoiou a ação da polícia. “ A gente já não aguenta mais. É preciso dar um basta. Esses bandidos mandam e desmandam aqui. E isso tudo aconteceu porque a polícia demorou em dar resposta, mas antes tarde do que nunca”, disse o único morador que concordou em falar com o CORREIO – foram mais de dez tentativas e todos os outros se recusaram a falar sobre o assunto. Apesar de não darem entrevistas, algumas pessoas pareciam não concordar com a retirada dos quebra-molas irregulares, como o caso de uma mulher no Areal, que falava com uma vizinha num tom que era impossível não ouvir. Ambas estavam distantes da tropa.  “E ainda tem gente que apoia isso. Quero ver agora. Eles (polícia) vão entrar de vez”, disse. Abordada pelo CORREIO, a mulher entrou em casa e fechou a porta. 

Topotáticas Não bastassem os quebra-molas construídos de maneira irregular, a Polícia Militar (PM) também enfrenta outro desafio: a geografia do bairro. Major Valdino, Comandante da 40ª Companhia Independente da Policia Militar (CIPM), no Nordeste de Amaralina, conta que quando vão avaliar o policiamento de uma região, vários detalhes são levados em conta como estudos culturais e aspectos topográficos por exemplo. Entre as maiores dificuldades encontradas está o crescimento urbano desordenado. “O Nordeste é um exemplo muito plural desse aspecto”, diz.

“Quando a gente encontra uma área com um projeto urbanístico próprio, ruas largas, quarteirões definidos, edificações construídas com a licença de organizações competentes, facilita”, explica o major. “Já, quando a gente vem pra uma comunidade que crescer desordenadamente, principalmente entre vales, a gente encontra mais dificuldade, principalmente nas áreas mais internas”, acrescenta. 

Esses elementos, informa o major, vão desde ruas muito estreias até a falta de iluminação. “Tem vielas, edificações construídas de maneira desordenada, tem micro becos que são cobertos por uma laje emendada, e aí você tem um tipo de túnel sem iluminação adequada que serve de esconderijo para bandidos”, revela. Além disso, complementa Major Valdino, a região também conta com uma “quantidade excessiva de quebra-molas. Às vezes não é uma barricada, mas tem um muro que se estende até parte da via e segue como abrigo, esquinas mal feitas que servem como esconderijo”. 

Todas essas particularidades topográficas se somam às necessidades de segurança durante as operações. “Se alguém liga e fala de uma vítima de espancamento pelo tráfico, até chegarmos ao local, temos que ter condições de segurança mínima para nós, para as pessoas que não tem nada a ver com a ocorrência e para a vítima”, fala. 

E é aí que entram as topotáticas. Segundo o major, todos esses elementos topográficos e geográficos são levados em consideração na elaboração das táticas da corporação. “A gente anda muito a pé, em patrulha de incursão, porque o carro não tem acesso. E a gente não pode ir de moto, porque, às vezes, a gente começa em uma ladeira que termina em uma escadaria”, exemplifica.

As geografia desordenada do bairro não prejudica somente as ações da polícia. Major Vanildo conta que serviços como o atendimento de ambulâncias, por exemplo, também sofrem com esse fator e precisam do apoio da PM. “Tem locais que a maca não entra, então tem que usar a padiola, que é uma maca de lona, e nós ajudamos pra conseguirem buscar alguém que passou mal”, diz. 

O militar ressalta que, apesar dessas dificuldades, a polícia buscar estar sempre ao alcance da comunidade. “A PM é a instituição que sempre chega primeiro, chovendo ou fazendo sol”, afirma. Além disso, ele revela que a corporação, além da patrulha e das bases de segurança, tem feito um trabalho social na localidade. “Temos um cursinho preparatório pro Enem, aula de judô. Promovemos cursos de barbeiro, de cinema, tem o projeto Jovem Aprendiz Militar”, pontua. 

Neste período de pandemia, o major lembra que a corporação também distribuiu alimentos e materiais de higiene para a comunidade do Nordeste de Amaralina. “O papel da PM, através da 40ª CIPM, é levar segurança ao cidadão”, completa.