Sumiço de sementes avaliadas em R$2,4 milhões vira caso de polícia no oeste da Bahia

Caso está sendo investigado pela polícia

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 2 de dezembro de 2019 às 10:51

- Atualizado há um ano

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Há pouco mais de duas semanas o suposto sumiço de 2.040 toneladas de sementes forrageiras (de capim), avaliadas em cerca de R$ 2,4 milhões, tem agitado a região Oeste da Bahia - principal produtora de grãos do estado - e tomado conta dos grupos de conversas, sobretudo no WhatsApp e nas redes sociais, onde foram espalhadas diversas notícias falsas dando conta de um roubo milionário.

De verdade na informação, apenas que o assunto virou caso de polícia, que começou investigando o suposto furto das sementes, no dia 2 de novembro de 2019, na Fazenda Santa Paula, de 2.279 hectares, na zona rural de Jaborandi, mas agora averigua apenas se houve o crime de apropriação indébita.

De um lado, está a empresa Sementes Mineirão, responsável por produzir as sementes e que tem como sócio-administrador o empresário Orlando Carlos Martins; do outro, a Fazenda Santa Paula, pertencente a Paulo Roberto Marques de Souza.

Há dois anos, a Sementes Mineirão arrendou a fazenda de Paulo Roberto para produzir as sementes e em troca pagar 11 sacas de soja por hectare. O contrato passou a vigorar na safra 2016/2017 e tinha prazo de término na safra 2020/2021.

Na safra 2017/2018, contudo, os pagamentos não foram realizados, o que fez Paulo Roberto acionar a Sementes Mineirão na 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Coribe, que abrange Jaborandi.

A ação judicial objetivou a rescisão contratual do arrendamento da fazenda, por via judicial, e reaver a posse da mesma, o que foi concedido pelo juiz João Batista Alcântara Filho, em decisão do dia 4 de outubro de 2019.

O magistrado reconheceu nesta primeira decisão que a Sementes Mineirão devia a Paulo Roberto R$ 1.936.761,73, correspondente ao não pagamento de 25.069 sacas de soja. A Sementes Mineirão também reconhece no processo que não cumpriu o acordo.

A reintegração de posse foi cumprida, mas a dívida não foi paga e os bens da Sementes Mineirão (maquinários diversos e sementes) continuaram na Fazenda Santa Paula.

Em 17 de outubro de 2019, o mesmo juiz deu outra decisão favorável a Paulo Roberto, que pediu atualização da dívida, pois o valor que tinha sido colocado no início do processo era de há mais de um ano.

Com a inclusão de multas, 50 mil sacas de soja, juros, correção monetária e honorários, a dívida foi a R$ 11.265.954,92, valor reconhecido pelo juiz João Batista Alcântara Filho como devido a Fazenda Santa Paula pela Sementes Mineirão.

O magistrado determinou ainda que os bens da Sementes Mineirão que estão na fazenda e foram relacionados pelo oficial de Justiça no dia da reintegração de posse ficassem sob o poder da Fazenda Santa Paula, como fiel depositário, até que a dívida fosse paga.

Sumiço O imbróglio seguia sem novidade, até que no feriado de Finados (2 de novembro), funcionários da Sementes Mineirão viram um movimento de caminhões e carretas na Fazenda Santa Paula. 

Por volta das 21h, o gerente geral da Sementes Mineirão, Charles Aristeu Fuhr, diz ter visto nove caminhões e três carretas saírem do local, e ele desconfiou que estivessem carregadas de sementes forrageiras, já ensacadas.

No dia seguinte, Charles Aristeu Fuhr prestou queixa de furto das sementes na Delegacia de Santa Maria da Vitória, sede da 26ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Corpin), que abrange a cidade de Jaborandi.

Ele disse que a carga “foi retirada sem autorização e sem notas fiscais”. As sementes foram parar em Formoso (MG), num galpão do empresário Talisson Muhl, dono da empresa Safrasul, que atua no mesmo ramo da Sementes Mineirão.

Tallison Muhl disse que foi procurado por um advogado de Paulo Roberto “para armazenar as sementes, no intuito de preservá-las, haja vista que nas condições que estavam armazenadas corriam o risco de perecer, o que prejudicaria o Sr. Paulo, na qualidade de fiel depositário”.

“As sementes estão aqui desde 3 de novembro, não estou cobrando nada por isso, foi apenas um favor que fiz a um amigo. Não foi vendida, nem sua posse transferida, nada. Já estamos em contato com a polícia e informamos que estamos com a sementes. Quem quiser, pode vir aqui ver”, disse.

Muhl, que enviou à reportagem fotos das sementes armazenadas em sacas em seu galpão, afirmou que sua empresa “nunca fez nada que desabonasse a sua conduta ética e transparente, que trabalha em prol do fomento do agronegócio brasileiro e em busca do aprimoramento do setor”.

Assim como o empresário Paulo Roberto, Muhl será ouvido na semana que vem pelo delegado da Polícia Civil de Jaborandi, Leyvison Rodrigues Silva, responsável pelas investigações.

No dia 5 de novembro, o juiz João Batista Alcântara Filho, deu outra decisão a favor da Fazenda Santa Paula, determinando que a dívida de R$ 11.265.954,92 seja paga pela Sementes Mineirão em 48 horas.

Escreveu também o juiz que é “dever do exequente [Paulo Roberto], na qualidade de depositário fiel, zelar pelos bens que a ele foram dados em guarda, podendo, inclusive, transportá-los, caso seja necessário”.

“O depositário fiel, conforme a decisão, não pode vender, alienar ou transferir para outra pessoa os bens da Sementes Mineirão, sob pena de ser incurso no crime de apropriação indébita. Estamos investigando se isso ocorreu. O que temos visto, por enquanto, é que não houve roubo ou furto de sementes”, disse o delegado. “E essa dívida entre eles é uma questão civil que não temos nada a ver”.

Quanto à carga de sementes estar em poder do empresário Talisson Mihl, que não faz parte do processo que envolve a Fazenda Santa Paula e a Sementes Mineirão, o delegado disse que “só haveria problema se fosse comprovada a venda, mas somente estar num local que é de propriedade da Safrasul não tem problema. Se ocorrer algo com a carga, quem vai responder é a Fazenda Santa Paula, que é o fiel depositário”.

Advogado de defesa de Paulo Roberto, Naim Bittar disse que seu cliente está em viagem e que “tudo será esclarecido na semana que vem perante o delegado”. Sobre as sementes, ele disse que “a quantidade de 2.040 toneladas foi estimada pelos funcionários da Sementes Mineirão ao oficial de Justiça, mas não tinha nenhum documento que comprovasse que era essa quantia mesmo, eu estava lá nesse momento”.

“Meu cliente não fez nada de errado, é apenas a parte que está esperando receber uma dívida que não foi paga de um acordo que não foi cumprido, conforme a própria Sementes Mineirão reconhece no processo”, declarou.

Disputas anteriores Paulo Roberto Marques de Souza e a Sementes Mineirão já vinham discutindo pagamentos de dívidas do arrendamento em processo anterior, que tramita na 3ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais e Conflitos Arbitrais de Brasília desde 24 de abril de 2017.

No processo, Paulo Roberto foi acionado pelo banco LAAD Américas NV por conta de uma dívida cujo valor total não foi informado nos autos judiciais a que a reportagem teve acesso.

Ao saber do contrato de arrendamento da Fazenda Santa Paula e a Sementes Mineirão, os advogados do banco convenceram a Justiça a determinar que a dívida da Sementes Mineirão para com Paulo Roberto fosse para paga ao LAAD. A Sementes Mineirão entrou no processo como “interessada”.

Em 6 de dezembro de 2017, a juíza federal Tatiane Iykie Assao Garcia determinou que a Sementes Mineirão depositasse em juízo, no prazo de 5 dias, “a parcela vencida no dia 30.11.2017, referente ao contrato de arrendamento mercantil mantido com os executados [Paulo Roberto e a esposa], no importe de R$ 752.070, sob pena de responder cível e criminalmente pela desobediência”.

Em outra decisão, de 20 de setembro de 2019, dada pela juíza Jackeline Cordeiro de Oliveira, o valor acordado para pagamento pela Sementes Mineirão foi de R$ 1.779.899, o que deveria ser feito em 48 horas.

Em 25 de setembro de 2019, mais uma decisão, desta vez da juíza federal Tatiane Iykie Assao Garcia, que escreveu que a “Sementes Mineirão aduziu não ter condições de cumprir a decisão por falta de fluxo em caixa”, e citou diversos acordos de pagamento não cumpridos.

A Sementes Mineirão “deveria depositar, em Juízo, as parcelas do contrato de arrendamento que seriam devidas aos executados Paulo Roberto Marques de Souza e Eunice Barbosa de Andrade, o que, contudo, não fez”, observou a magistrada.

“Desta forma, foi imposta multa devido a ato atentatório à dignidade da justiça em 15% sobre o valor inadimplido à época, referente à parcela de 30/04/2018, o qual resultou em outra obrigação”, continuou. “Como esse prazo transcorreu em 24/09/2019, imponho a multa no valor de R$ 355.979,80 à terceira interessada Diossed Agronegócios Ltda [Sementes Mineirão]”.

A advogada Bruna Teixeira, que defende a Sementes Mineirão, informou que foram realizados pagamentos diretamente a Paulo Roberto e a advogados do mesmo. “Os pagamentos foram feitos até fevereiro deste ano, era cerca de R$ 20 mil por mês, às vezes mais, outras vezes menos”, ela disse.

Sobre a queixa de furto das sementes, ela disse que “voltou à delegacia para corrigir” e que “a investigação é de apropriação indébita com a qualificadora de a pessoa ser depositário fiel”. A advogada não comentou sobre se haverá pagamento dos R$ 11.265.954,92 a Paulo Roberto. O banco LAAD também aguarda os recebimentos.