Superbaianos: Em Salvador, há 44 estudantes superdotados em escolas públicas

Pesquisas de especialistas na área apontam que entre 1% a 3% da população mundial é de superdotados, ou seja, com habilidades acima da média

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  • Thais Borges

Publicado em 24 de junho de 2017 às 05:03

- Atualizado há um ano

Desde que o estudante Marlon Kin Pin Gin Pereira dos Santos, 17 anos, era bem novinho, a família dele sabia que o menino era um pouco diferente de outras crianças da sua idade. “Sempre tive facilidade com números e letras, mas a surpresa maior para minha mãe foi que eu comecei a ler bem cedo, a partir dos meus 2 anos”, lembra Marlon, hoje no 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual Raphael Serravalle. 

A “facilidade” com os números chegou a outros níveis, ainda na pré-adolescência. Aos 11 anos, teve o primeiro diploma de proficiência - em Inglês -, pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). Anos depois, conquistou diplomas de proficiência em Francês e Filosofia, todos por instituições estrangeiras, incluindo a Academia de Paris. Ficou surpreso? 

Pois bem. Marlon é um superdotado - ou um adolescente com “altas habilidades”, como acontece com 1% a 3% da população mundial, segundo especialistas da área. Ele é um dos 20 estudantes da rede estadual de ensino que recebem acompanhamento individual específico para potencializar essas habilidades. 

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Ele e os outros estudantes estão sob a tutela da professora Dartilene Pires de Andrade, que tem pesquisa de mestrado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) sobre altas habilidades e superdotação. Integrante da rede estadual, ela, hoje, orienta os 20 estudantes no contraturno de suas aulas no Raphael Serravale, colégio que fica na Pituba.  Marlon quer ser piloto da Força Aérea Brasileira (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Existem diversos conceitos de inteligência. O que mais se tem falado ultimamente é ampliação do conceito de superdotação diferente daquele conceito de Lógica, Matemática e Linguística. Todos nós viemos aqui com um propósito, um trabalho primordial de fazer esse menino ou essa menina descobrir qual é o propósito de vida dele ou dela”, diz. Um QI a partir de 130 já aponta para um superdotado; 151 é quando alguém é 'altamente' superdotado.

Na rede municipal, 24 alunos já foram identificados com altas habilidades e superdotação - desses, 22 são do ensino fundamental I e dois estão no ensino fundamental II (veja mais abaixo). ‘Não imaginavam’ Espanhol e filho de mãe brasileira, Marlon morou no país ibérico e na França, com uma passagem pelo Brasil, na infância. Só voltou definitivamente às terras tupiniquins em 2015, mas já é meio baiano e tem até cidadania. Entende seis línguas: é fluente em espanhol, francês, português e inglês e compreende bem italiano e alemão.

No contraturno das aulas no Serravalle, é acompanhado pela professora Dartilene e ministra oficinas de Engenharia da Computação e de Francês no mesmo colégio. Apesar de se chamar “o nerd da sala”, ele nem sabia bem o que significava ser um “superdotado”: “Pretendo ser piloto de transporte da Força Aérea Brasileira, mas também vou fazer Enem, quero passar pelo menos em qualquer Engenharia na Universidade de São Paulo. O que eu não quero é parar de estudar”.

Como Marlon, a estudante Andressa Santos, 17, também é acompanhada no Raphael Serravalle desde o ano passado. E, assim como ele, a garota diz que não imaginava que pudesse ter esse diagnóstico.

“Já tinha ouvido falar de pessoas com QI (quociente de inteligência) elevado, mas nunca imaginei que eu fosse uma dessas pessoas. Minhas notas são boas e sempre gostei de participar das aulas, mas achava que minhas notas fossem resultado apenas do interesse que tenho no estudo”, diz.

Muito interessada em religiões, Andressa aproveita para aprofundar conhecimentos sobre o tema. Mas, nos últimos tempos, começou a gostar de Física Quântica e Astrologia.

“Eu não vejo diferença entre eu e o colega do lado. Acho que todo mundo tem capacidade de estudar, de fazer o que quiser. Mas é notável que, em relação a amigos meus, eu estudo mais, me interesso mais, e me preocupo mais. Mas eu sempre fui assim, muito curiosa, voltada para responsabilidade, aquela coisa de querer descobrir algo”, afirma Andressa, que ainda não sabe se quer Direito ou Medicina.

Mitos e desafios A depender dos interesses do aluno, a professora Dartilene costuma montar um programa de atendimento individual.

“Mas o simples fato de a gente dizer para o menino que ele tem habilidade acima da média não garante o sucesso dele na vida lá fora, porque a gente encontra muitos mitos e desafios. As escolas têm muitos desafios para identificar esses alunos, mas a gente tenta fazer o que pode. Infelizmente, dizer e certificar que ele tem habilidade não garante um sucesso”, lamenta.

Como no resto do Brasil, a saga dos superdotados é difícil na Bahia. Na rede estadual, só o Raphael Serravalle conta com acompanhamento. O Núcleo de Altas Habilidades, que também deveria atender escolas da rede e até municipais que solicitarem parceria, está temporariamente sem funcionar, já que a titular está de licença.

De acordo com a Coordenadoria de Educação Especial da Secretaria Estadual da Educação (SEC), 50 professores estão sendo capacitados para o acompanhamento de alunos com altas habilidades. O curso deve terminar no segundo semestre.

Superdotados usam salas multifuncionais na rede municipal Na rede municipal de ensino, pelo menos 24 alunos já foram diagnosticados com superdotação ou altas habilidades. Desses, 22 são estudantes do ensino fundamental I e dois são do ensino fundamental II. 

De acordo com a supervisora educacional da Coordenadoria de Inclusão e Transversalidade da Diretoria Pedagógica da Secretaria Municipal da Educação (Smed), Teresa de Holanda, essas crianças são atendidas em salas multifuncionais localizadas em 47 escolas da rede. 

“Essa sala de recurso fica dentro da própria escola e atende os alunos da educação especial no turno oposto. Então, ela abrange tanto os alunos com deficiência quanto os alunos com altas habilidades”, explica. 

Só que, em vez de complementar os assuntos que o aluno com deficiência aprende nas aulas regulares, as atividades com os superdotados nas salas multifuncionais servem para “suplementar” o aprendizado, nas palavras da própria Teresa. 

“Vamos procurar ver qual é a habilidade (da criança), para que a escola possa oferecer mais atividades, seja com softwares e tecnologias ou até se articular com outras áreas para ter um apoio maior para esse aluno”. Uma das parcerias possíveis é justamente com a Escola Parque, onde funciona o Núcleo de Altas Habilidades do estado, mas que está sem tutoria nos últimos meses.

Outra possibilidade é buscar parcerias com instituições de ensino superior - para atividades ligadas à Engenharia, por exemplo. “Mas se a criança tem uma habilidade para pintura, a gente pode articular com Belas Artes, por exemplo, para encontrar algum programa no qual esse aluno possa ter aulas”. 

No mínimo, cada aluno deve encontrar seu professor duas vezes por semana - sempre com duração de uma hora. Mas esse encontro pode ser individual ou em grupo, a depender da atividade. Segundo ela, o professor das aulas regulares geralmente é o primeiro a notar que a criança tem altas habilidades. Daí, após o contato com a secretaria, o aluno passa a ter aulas específicas. 

Nas duas Escolabs inauguradas no ano passado pela prefeitura, na Boca do Rio e no Subúrbio, existem salas específicas para o atendimento de superdotados. Segundo Teresa, essas salas também já contam com um professor específico para a educação especial. 

“Mas, como não temos registro de nenhum caso de superdotados nas escolas atendidas pelas Escolabs, o acompanhamento ainda não está sendo feito lá”. 

As Escolabs são centros de educação integral que funcionam de forma paralela às escolas municipais do entorno. Lá, alunos dessas escolas são atendidos no contraturno das aulas regulares e contam com impressoras 3D, tablets, fantasias e até praça de arvorismo. O projeto é uma parceria com o Google Edu e foi iniciado no ano passado. A terceira deve ser inaugurada ainda este ano.