Suspeito de empurrar namorada de prédio diz que ela usava remédios controlados

Médico foi preso em flagrante por suspeita de tentativa de feminicídio e permanece custodiado

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  • Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2020 às 20:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Google Maps e Redes Sociais)

Preso por suspeita de tentativa de feminicídio, o médico Rodolfo Lucas Cordeiro depôs à polícia dizendo que a namorada, a também médica Sáttia Lorena Aleixo, de 27 anos, tinha ideias suicidas, tomava remédios controlados e há quatro meses passou a ter surtos de ciúmes e crises de ansiedade. Internada em estado grave, a médica caiu do 5º andar de um prédio no bairro de Armação, em Salvador, na madrugada de domingo para segunda-feira (20).

O companheiro foi detido suspeito de tê-la empurrado do edifício onde moravam. Ele nega o crime.

O depoimento do médico foi registrado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), do bairro do Engenho Velho de Brotas, onde a ocorrência foi registrada, e foi obtido pela TV Bahia. No relato feito à delegada, Rodolfo disse que, depois de uma discussão com Sáttia naquela madrugada, a médica foi para o quarto do apartamento e ficou "pendurada do lado de fora da janela, segurando com as mãos na borda da janela".

Ainda segundo o namorado, ele tentou resgatá-la, mas “infelizmente não conseguiu segurar", disse. Ao ser perguntado se ele jogou a companheira para fora da janela ou da varanda, ele respondeu que "nunca faria isso". Rodolfo relatou que conheceu Sáttia Lorena há um ano e que moravam juntos há seis meses. 

Ele disse também que nos surtos de ciúmes mencionados, ela o agredia fisicamente com mordidas, socos e tapas e que já havia ameaçado se jogar da janela e da varanda. A polícia também lhe perguntou por qual motivo ele nunca comunicou à família de Sáttia sobre a depressão dela e Rodolfo mencionou que foi por pedido da companheira.

Os familiares da vítima não têm certeza sobre a versão do companheiro e vem pedindo o esclarecimento dos fatos. Os parentes também contrataram um advogado para acompanhar o caso. Ao CORREIO, o advogado Maurício Vasconcelos, que os defende, informou que ainda não teve acesso ao inquérito e que se posicionará assim que tiver conhecimento da sequência dos acontecimentos. 

Relembre

Nesta terça-feira (21), o médico Rodolfo Cordeiro Lucas, teve a prisão em flagrante convertida para prisão preventiva pela Justiça. Por enquanto, ele permanece custodiado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Brotas, em Salvador. Já Sáttia está em estado grave no Hospital Geral do Estado (HGE), onde fez cirurgias na face e foi entubada em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

“Ela teve duas perfurações no rosto, teve todos os ossos da face e os dentes quebrados e luxações no corpo todo. O estado de saúde dela é grave, mas vem reagindo às medicações”, declarou o primo de Sáttia, o advogado Anderson Moreira, 26, que, desde o episódio, vem sendo o porta-voz da família.  

Ao saber da decisão da Justiça por manter Rodolfo preso, Anderson declarou: “Isso é uma vitória”. Na manhã desta terça-feira (21), a família divulgou uma nota pública de esclarecimento agradecendo às pessoas pelas orações e doações de sangue, a imprensa e a sociedade em geral. No comunicado, a família diz que todos estão em estado de choque e que às 16h o advogado da família dará uma coletiva. O local ainda não foi informado.

Durante todo o dia, o CORREIO procurou o advogado do médico, Gammil Föppel, para comentar a decisão da juíza e o depoimento dado à polícia, mas não recebeu retorno da defesa.

Preventiva A decisão por manter o médico preso foi da juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes, da Vara de Audiência de Custódia de Salvador, que atendeu no mesmo dia a representação da delegada da Deam, Bianca Torres. O CORREIO teve acesso ao documento.

A delegada alegou que “trata-se de uma vítima jovem, com 27 anos de idade, fragilizada, internada em estado grave, correndo risco de morrer e sem ninguém que possa falar por ela”

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) também requereu a conversão da prisão em flagrante em preventiva, “em face das circunstâncias do caso”. 

No documento, a juíza justifica a decisão dizendo que, “em fase das circunstâncias dos autos, que leva ao perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, não vislumbro que as medidas cautelares alternativas à prisão se revelam suficientes para conter as suas condutas criminosas”. 

Ainda na decretação da prisão preventiva, a juíza disse que o médico, em seu interrogatório, “nada revelou de concreto os motivos da ‘suposta tentativa de suicídio da vítima’, demonstrando uma narrativa desconexa, evasiva e sem conteúdo, que serão reveladas posteriormente, quando da instauração da ação penal”.

Sem justificativas A magistrada destaca que a testemunha apresentada pela defesa não trouxe subsídio para a comprovação que a vítima por “um simples ato de desequilíbrio”, atentou contra a própria vida. 

A juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes apontou que o interrogatório do médico está “recheado de faltas de justificativas e relatos sobre a dinâmica do casal nos dias dos fatos, podendo ter trazido algo substancial, se a mesma já tentara contra a vida anteriormente. Ademais, como médico e apaixonado que afirmou em seu interrogatório pela vítima, nada fez para evitar as ideações suicidas da mesma, inerte ficou até ocorrer o fato”. 

Por fim, a juíza relatou que o médico “a todo momento tenta desqualificar a vítima, alegando ser uma pessoa desequilibrada". Por isso, ela considera pertinente a permanência de sua prisão, pela garantia da ordem pública. Para ela, há um "perigo revelado, neste momento, com a sua soltura, que poderá trazer prejuízo para a coleta de outras provas”. 

Abusivo  A delegada que está à frente do caso, Bianca Torres, disse ao CORREIO que nesta terça-feira (21) pretende ouvir testemunhas, como o porteiro do prédio, a primeira pessoa a ver Sáttia no chão. Quando a Polícia Militar chegou local, ele relatou que o casal havia brigado instantes antes de a médica cair do 5º andar do prédio. A delegada disse ainda que vai ouvir parentes de Sáttia e que já foi feita perícia no apartamento. Além disso, já foram solicitadas as imagens das câmeras do prédio.

Numa conversa com o CORREIO, o primo de Sáttia, o advogado Anderson Moreira, disse que a família teve o conhecimento de que a briga teria sido motivada porque a médica descobriu que o namorado é casado. “Foi o que chegou para nós, de que a discussão era porque Sáttia ficou sabendo que ele era casado. Mas, por enquanto, é só uma especulação”, disse ele. A delegada Bianca Torres disse que esta informação não chegou até ela.

Sáttia e Rodolfo estavam juntos há sete meses e, segundo parentes dela, a médica vivia um relacionamento conturbado. “Ela estava numa relação tóxica, abusiva. Ele controlava ela em tudo. Fez ela deletar o perfil do Instagram, mexia direto no WhatsApp dela, tinha um ciúme doentio. Qual pessoa hoje em dia não está nas redes sociais? Ela não podia porque ele não queira. Cansava de ir ao trabalho dela para escoltá-la. Não deixava ela sair sozinha, só com ele”, contou Anderson.

O primo da médica disse que várias vezes ela terminou, mas voltava atrás porque ele dizia que ia mudar. “Era sempre assim. Ele chegava chorando e ela perdoava. Certa vez, ela me disse que tirou tudo dela da casa e foi morar com a mãe e ele foi atrás e garantiu que ia mudar”, relatou Anderson. Os pais de Sáttia moram em Senhor do Bonfim, no Centro-Norte da Bahia, mas vieram para Salvador para acompanhar o estado de saúde de filha. O casal tem uma outra filha.

Perguntado se Sáttia teria algum motivo que a levasse à tentativa de um suicídio, Anderson disse que não. “Jamais. Por toda a conduta dela, por amar à vida, por salvar vidas, por ser uma pessoa inteligente, ela não faria isso. Nós não estamos acusando ele de nada, apenas queremos o esclarecimento dos fatos”, finalizou. 

De acordo com relato de um amigo de infância ao CORREIO, ela também precisou de procedimentos cirúrgicos porque teria batido o rosto no chão. 

Ainda segundo a fonte, Sáttia havia apagado as redes sociais durante o atual relacionamento e o último contato que este amigo teve com ela foi em janeiro. "Olha, a gente acha que nunca vai acontecer perto da gente. Ela é moça muito inteligente, só trabalhava em UTI, é difícil imaginar uma situação dessas", disse.

De acordo com o currículo Lattes, Sáttia trabalha como plantonista de clínicas médicas e o vínculo profissional mais recente era com o Hospital Salvador, no bairro da Federação.

Doação de sangue A família iniciou uma campanha para doação de sangue, de qualquer tipo, em nome da médica, que é do grupo sanguíneo O-, tipo raro. As doações podem ser feitas no Hemoba, próximo ao próprio HGE, de segunda a sexta-feira, das 12h30 às 18h30.