Suspeito de envolvimento na morte de servidor público se entrega à polícia

Apontado pela polícia como coautor, Luciano Pinho da Silva nega o crime

Publicado em 22 de agosto de 2018 às 11:29

- Atualizado há um ano

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Apontado pela Polícia Civil como co-autor do assassinato do servidor público e ex-assessor parlamentar Michel Batista Santana de Sá, 35 anos, o motorista rodoviário Luciano Pinho da Silva, 35, se entregou na noite de terça-feira (21) na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV). A informação foi confirmada nesta quarta-feira (22) pela Polícia Civil.

De acordo com informações do Departamento de Crimes contra o Patrimônio (DCCP), responsável pela investigação, Luciano foi ouvido e sua prisão tem validade de 30 dias, podendo ser prorrogada. Em depoimento ao titular da DRFRV, Luciano negou ter praticado os crimes. Ele foi levado para o Complexo Prisional da Mata Escura, em Salvador.  Ontem, a Polícia Civil havia divulgado as fotos de dois suspeitos de terem roubado e matado o ex-assessor no dia 16 deste mês. Gabriel Bispo dos Santos, 22, que negociou a compra do carro de Michel, ainda segue sendo procurado pela polícia.

Gabriel e Luciano tiveram os mandados de prisão temporária solicitados à Justiça. Além de ter sido baleada, a vítima foi espancadada e torturada - e teve os testículos destruídos.  Luciano estava sendo procurado pela polícia, mas se entregou  (Foto: Divulgação/Polícia Civil) O advogado de Luciano, Joel Mendes, afirmou ao CORREIO que esteve com o cliente na manhã desta quarta-feira (22). "Tive uma conversa breve com ele, a princípio. Ele estava a caminho da custódia, pouco antes do meio-dia. A alegação de Luciano é de que ele sequer conhece Gabriel. Afirma que que pode provar que estava trabalhando no dia 16, de 8h às 18h", disse.

Ainda conforme o responsável pela defesa do rapaz, Luciano contou que a polícia chegou até ele porque o carro de Gabriel dirigia no dia do crime estava em seu nome. "Ele disse que vendeu esse carro, um HB20, há dois anos, para uma outra pessoa. O veículo já passou por outras duas pessoas antes de chegar no outro suspeito", pontuou o advogado, acrescentando que está tentando a folha de ponto do dia 16, junto à Prime Viagens & Turismo Ltda, onde seu cliente diz trabalhar como morotista."Infelizmente, é um processo um tanto burocrático. Estamos correndo atrás porque a versão dele me parece bem consistente. Por hora, ele está preso mediante um pedido de prisão para averiguação que tem validade de 30 dias, prorrogável por mais 30", explicou Joel.

Segundo ele, o pedido de prisão do cliente é legal e justificável. "A prisão tá dentro da legalidade. Ele está preso temporariamente porque a Justiça entendeu que algum indício leva a ele, cabe a nós provar o contrário e buscar o documento [folha de ponto] até o final da investigação. Pelo que vi na representação da polícia, ele só tem um registro criminal, como vítima do roubo de uma motocicleta".

Joel Mendes comentou com a reportagem que falou com uma advogada da Prime Viagens & Turismo por telefone. "Ela disse que Luciano é um motorista diarista, responsável por fazer transfers de turismo com as vans da empresa, na região do Litoral Norte, mas não tenho a informação do tempo que ele presta esse serviço"."A empresa disse que não vai se manifestar publicamente, mas me adiantou que ele prestava serviços. Eles vão me passar uma declaração que sirva para embasar a versão que ele apresenta", complementou o advogado.Procurada pelo CORREIO, a Polícia Civil não esclareceu, no entanto, o que embasou o pedido de prisão de Luciano ou qual seria sua participação no crime. A reportagem tentou contato com o titular da DRFRV, delegado Nelis Araújo, mas não obteve retorno.

A assessoria da polícia afirmou que não recebeu detalhes da investigação e, portanto, não poderia dar maiores informações sobre o depoimento ou circunstâncias da participação do suspeito.

A reportagem tentou contato com a Prime Viagens & Turismo Ltda mas também não teve êxito.

Já o advogado de Gabriel, Hudson Dantas, esteve na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), na segunda-feira (20), e informou ao titular da unidade, delegado José Nelis de Araújo, que o cliente se apresentaria no mesmo dia, mas ele não compareceu até o momento. 

As investigações da DRFRV concluíram que Gabriel foi o autor do latrocínio (roubo seguido de morte) e Luciano participou com coautor. Conforme informações da polícia, há um ano, Gabriel foi preso por tráfico de drogas em Santo Amaro, no Recôncavo baiano. O advogado dele disse ao CORREIO, no entanto, que o cliente foi conduzido à delegacia, onde passou uma noite, por "consumir uma pequena quantidade de droga".  Gabriel ainda segue procurado (Foto: Divulgação/Polícia Civil) O veículo da vítima foi encontrado no mesmo dia do crime, no Shopping Bela Vista, bairro do Cabula. Em menos de 24 horas, os policiais identificaram os acusados. Além de outros elementos para investigação, como o depoimento de testemunhas, imagens de câmeras do shopping onde Gabriel e Michel se encontraram foram analisadas.

Michel trabalhava como assessor na diretoria da Companhia de Processamento de Dados da Bahia (Prodeb).

Autor confesso O advogado de Gabriel, Uddson Dantas, confirmou que seu cliente espancou e matou a vítima, mas disse não saber as circunstâncias.

No pedido de prisão temporária, acatado pela juíza Maria Angelica Alves Matos, a DRFRV, que está à frente das investigações, menciona entre os “fortes indícios de autoria” as fotos que identificam o autor e o depoimento da esposa da vítima.

O fato de Gabriel e Luciano não terem endereço fixo também sustentou o pedido de prisão temporária, válido por 30 dias.

Imagens divulgadas no sábado (18) mostram Gabriel no Salvador Shopping, com camisa social azul. No momento, ele estava com a vítima (que estaria rendida, segundo a família) e fez compras no próprio shopping com o cartão de Michel. 

Venda do carro Na quinta-feira (16), Michel saiu de casa acompanhado da esposa. Eles foram até o Salvador Shopping, almoçaram e encontraram Gabriel.

As informações foram passadas ao CORREIO pelo pai adotivo de Michel, o suplente de vereador Arnando Lessa e pelo advogado da família da vítima, Reinaldo Santana Júnior. De acordo com Lessa, era por volta de 14h quando Gabriel encontrou Michel, ainda acompanhado da mulher. "Minha nora chegou a ver ele no shopping, sim. Ela não demorou muito após almoçar. Eles foram até o estacionamento, onde tiraram os pertences do carro de Michel, que já estaria vendido, e pôs no carro dela. Se despediu dele e foi para casa. Ele retornou com Gabriel, ainda tinham coisas para conversar sobre o pagamento".O CORREIO teve acesso ao Documento Único de Transferência (DUT), que atesta a transferência da posse do carro da vítima para o suposto assassino, já com firma reconhecida. Documento atesta transferência da propriedade do veículo feita por Michel para Gabriel (Foto: CORREIO/Reprodução) Segundo Arnando Lessa, Michel havia anunciado o carro por R$ 73 mil, no site de compras OLX, há cerca de dez dias."Ele [Michel] chegou a encontrar com o assassino dentro da própria casa, onde ele [Gabriel] viu os três carros, sendo que um era da esposa. Para mim, foi isso o que fez crescer a vontade dele de cometer esse roubo. Michel confiava nele, tanto que o carro já estava transferido", explicou Lessa.Anúncio clonado e depósitos A versão é confirmada pelo advogado de defesa de Gabriel,  Dantas. Embora afirme que o cliente matou Michel, o advogado diz que o depósito foi feito, de fato, e que o cliente é que sofreu um golpe. 

Ao CORREIO, Udson mostrou um comprovante de depósito no valor de R$ 59.500, em nome de Gabriel, destinado à conta de uma mulher - Jéssica da Silva Mattos. O documento, com data do dia 16, mesma quinta-feira, informa que a transação foi feita por volta de 13h13.

Segundo Udson, Jéssica seria esposa do 'verdadeiro estelionatário'. "Meu cliente [Gabriel] também sofreu um golpe. Ele negociava com Michel e com o cara [um suposto estelionatário que teria clonado o anúncio de Michel], sem saber que eles não tinham relação". 

Conforme o advogado de defesa do suspeito, o cliente recebeu uma mensagem do estelionatário, que se dizia primo de Michel, pedindo para que o depósito fosse feito na conta de sua esposa. "É essa Jéssica. Não sabemos se ela existe, mas está aí, o depósito foi feito. Eles foram em uma agência dentro do shopping e depositaram", contou, sem explicar, no entanto, como Michel não teria questionado a conta de uma terceira pessoa.

Transferência de valor que seria referente a veículo feita em nome de uma terceira pessoa (Foto: CORREIO/Reprodução) O horário também não condiz com as informações dadas ao CORREIO pela família de Michel. "Meu filho não esteve em agência nenhuma com ele. Ele simplesmente mostrou o comprovante de uma Transferência Eletrônica Disponível (TED), que constava, inclusive, o nome do meu filho com um erro. Michel enviou para o irmão, que é gerente de um banco, e ele o alertou de que a conta não existia", afirmou Arnando Lessa à reportagem. Veja a imagem abaixo. Falsa comprovação de transferência bancária, com nome de Michel errado, foi enviada pela vítima ao irmão, que o alertou (Foto: CORREIO/Reprodução) Para a família, Michel sequer viu o comprovante em nome de Jéssica (mais acima). De acordo com o advogado da família da vítima, Reinaldo Santana Jr., o comprovante apresentado por  Dantas, em defesa de Gabriel, foi previamente pensado como álibi. 

"Nós checamos e esse comprovante é real, essa transferência [em nome de Jéssica], de fato, foi feita. Mas esse dinheiro [R$59.000,00] não tem nada a ver com a negociação dele com Michel, é um comprovante que ele deve ter feito no mesmo dia já pensando em reforçar sua versão falsa de que sofreu um golpe. Michel só teve acesso ao TED. Tanto que mandou para o irmão e ofereceu uma carona para Gabriel ir à delegacia denunciar o suposto golpe que teria sofrido", afirmou ao CORREIO.

Já Dantas reitera a versão em que Gabriel afirma ter sido a vítima. "Sinceramente, eu acredito que meu cliente matou porque viu que tinha perdido o dinheiro, pediu a Michel, que também não tinha, então ele matou", afirmou, sem saber explicar a origem da arma. O corpo de Michel foi encontrado com seis tiros.

Por conta própria Arnando Lessa revelou que o fato do filho não ter retornado para casa às 21h, horário que havia combinado com a esposa em seu último contato, por volta de 16h48, fez com que a família cogitasse um sequestro.

"Esse foi o horário que ele ligou para a esposa e falou sobre o problema do dinheiro não ter entrado na conta dele e sobre o cara ter sofrido um golpe. Em seguida, às 16h48, ele ligou para mim e contou também sobre a questão, além de me pedir orientação de para onde ele deveria levar o rapaz, que ele [Michel] se referia como vítima. Eu orientei ele a ligar a um delegado amigo da nossa família. Foi o último contato que ele fez, às 17h, e essa pessoa disse a qual delegacia o rapaz deveria prestar queixa", lembra o pai.

"Eu acredito que ele foi induzido a dizer que voltaria às 21h. Seria o tempo suficiente para Gabriel realizar as compras no próprio shopping. Possivelmente, quando falou conosco, meu filho já estava sob ameaça", continuou. Pai adotivo da vítima, Lessa acredita que Michel foi morto por mais de uma pessoa (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) "Não havia motivo para demorar tanto. Além do mais, minha nora disse que Gabriel era estranho, nunca a encarava bem, mesmo depois de alguns contatos. Então, eu fui sozinho no shopping, na noite de quinta-feira mesmo. Fui lá, exigi imagens, queria saber o que tinha acontecido, mas ninguém me disse nada. Eles disseram que não sabiam", lembra Lessa.

À meia-noite, o pai de Michel e a esposa tiveram acesso ao e-mail do ex-assessor parlamentar. "Encontramos os avisos das compras dos celulares iPhones e aí a gente entendeu que, de fato, se tratava de um sequestro com consequência em extorsão. Quando ligou pra gente, ele já devia estar sob ameaças. Ele chegou a se exaltar com a mulher, disse: 'eu já disse que depois eu explico, chego mais tarde'. É um comportamento estranho, porque ele era sempre muito tranquilo. Teve um comportamento diferente do habitual", considera.

Inconformado, o pai esteve na loja onde foi feita a compra de dois iPhones [às 19h30 de quinta-feira] para solicitar imagens. "Não quiseram me passar e negaram a venda dos celulares, sendo que eu tinha a comprovação", completou. O assassino fez compras em um supermercado na região da Paralela, na manhã da sexta-feira (17).

Segundo Lessa, Michel foi assassinado às 21h30 de quinta-feira. "Eu estive na Paralela, na região onde o corpo dele foi encontrado; eu ouvi de pessoas que relataram terem ouvido os tiros neste horário. O estado de rigidez do corpo dele também indica isso".

Michel era o filho mais velho de uma família de quatro irmãos e deixa esposa e um filho de 10 meses.