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Agência Brasil
Publicado em 9 de novembro de 2017 às 15:32
- Atualizado há 2 anos
Suspenso temporariamente no dia 4 de julho para busca de esclarecimentos sobre legalidade de provas e validade de escutas telefônicas, o processo criminal envolvendo a tragédia de Mariana ainda não retomou o seu curso normal. Enquanto o rompimento da barragem da mineradora Samarco completou dois anos nesta semana, a paralisação da ação que tramita na Justiça Federal já supera quatro meses. Os denunciados respondem em liberdade.>
O processo havia sido suspenso por decisão do juiz Jacques Ferreira, determinando que fossem analisadas as alegações das defesas do ex-presidente da mineradora Samarco, Ricardo Vescovi, e do diretor-geral de Operações da empresa, Kleber Terra, dois dos 22 réus. Seus advogados pediam a anulação de toda a ação devido à suposta ilegalidade das provas, argumentando que escutas telefônicas usadas no processo teriam sido feitas fora do período determinado judicialmente.>
Eles também sustentaram que quando a Samarco foi intimada a apresentar cópias das mensagens instantâneas e dos e-mails enviados e recebidos pelos executivos entre 1º e 30 de outubro de 2015, a mineradora forneceu dados não solicitados, relativos aos anos de 2011 a 2014. A defesa de Ricardo Vescovi argumentou que esses arquivos, entregues pela Samarco, não poderiam ter sido objeto de análise policial e considerados na denúncia e que houve desrespeito à privacidade dos acusados.>
Ao suspender o processo no dia 4 de julho, o juiz Jacques Ferreira havia concedido dez dias para que as operadoras telefônicas Tim, Oi, Claro e Telefônica [que responde no Brasil pela marca Vivo] apresentassem informações detalhadas sobre as escutas. Passados mais de dois meses, no dia 18 de setembro, um novo despacho do magistrado estabeleceu uma multa diária de R$50 mil caso a Telefônica não atendesse ao pedido em 48 horas. Naquela ocasião, as demais operadoras já haviam entregado os dados solicitados.>
MPF pede retomada do processo>
Em 11 de outubro, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ao juízo um requerimento de retomada urgente do processo, no qual afirma que, “após minucioso levantamento, não foi constatada a utilização de monitoramento telefônico feito sem ordem judicial”.>
De acordo com o MPF, agentes da Polícia Federal informaram que nenhuma ligação foi utilizada fora dos períodos de 15 dias de interceptações respaldadas judicialmente. “Os réus Ricardo Vescovi e Kleber Terra não foram capazes apontar nem sequer um diálogo transcrito como prova que tenha sido interceptado sem autorização judicial”, acrescenta o requerimento.>
Sobre os e-mails fornecidos pela Samarco, o MPF sustentou que os diálogos dizem respeito aos correios eletrônicos corporativos onde havia mensagens de cunho estritamente profissional, o que descaracterizaria a invasão de privacidade. “A obtenção das informações utilizadas como prova na denúncia não decorreu de ato do Estado, mas de ato espontâneo de particular”, registra o requerimento, refutando a tese de abuso na conduta dos investigadores.>
Apesar do pedido do MPF, não houve desde então nova movimentação nos autos do processo. A Agência Brasil buscou explicações com a Justiça Federal, mas não obteve retorno. As defesas de Ricardo Vescovi e de Kleber Terra também não se manifestaram sobre o assunto.>
O ritmo de tramitação do processo gera descontentamento entre as vítimas da tragédia. No dia 22 de agosto, após manifestação, um grupo conseguiu ser recebido pelo juiz Jacques Ferreira. Na ocasião, o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), que atua ao lado das famílias afetadas, lamentou suspensão da ação e se disse descrente com o Poder Judiciário, que estaria atuando para favorecer as mineradoras. “Com todas as contradições ambientais que o mundo está enfrentando, é inaceitável que vá passar impune o maior desastre ambiental da história do Brasil”, afirmou Joseli Andrioli, membro da coordenação nacional do MAB.>
Réus>
A tragédia de Mariana ocorreu no dia 5 de novembro de 2015 em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco. Na ocasião, foram liberados mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que provocaram devastação da vegetação nativa, poluição da Bacia do Rio Doce e destruição de comunidades. Dezenove pessoas morreram.>
Em novembro do ano passado, a Justiça Federal aceitou denúncia criminal apresentada pelo MPF e transformou em réus os 22 acusados pelo rompimento da barragem e quatro empresas: a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billinton, e a VogBR, responsável pelo laudo que garantia a estabilidade da estrutura.>
Além de Ricardo Vescovi, outros funcionários da Samarco também respondem ao processo, entre eles o ex-diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz Terra, e três gerentes. Onze integrantes do Conselho de Administração da mineradora, que incluem ainda representantes da Vale e da BHP Billiton, também são acusados.>
Dos 22 réus, 21 são julgados pelos crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual, que ocorre quando se tem a intenção ou assume o risco de matar. Por sua vez, o engenheiro Samuel Loures, que trabalhava na empresa VogBR, responde por emissão de laudo enganoso.>
Caso os réus sejam condenados, eles podem pegar até 54 anos de prisão. Já as penas para as quatro empresas podem incluir multas, interdições temporárias, proibição de celebrar contratos com o Poder Público e prestação de serviços comunitários, tais como custear programas de órgãos e entidades ambientais e executar de obras em áreas degradadas.>
Reparação ambiental>
Esse é apenas um dos processos judiciais envolvendo a tragédia. Uma outra ação movida pelo MPF, por exemplo, é voltada para a reparação ambiental e estima os prejuízos em R$155 bilhões. Os procuradores federais contestam o acordo realizado entre as mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, cujos investimentos previstos para recuperar o meio ambiente afetado são da ordem de R$20 bilhões. Este acordo vem sendo colocado em prática, mas ainda não foi homologado pela Justiça. Por outro lado, a ação em que o MPF calcula os danos em R$155 bilhões está suspensa no momento para uma nova tentativa de diálogo entre as partes.>