Taninos contra covid e outras fake news dos vinhos

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  • Paula Theotonio

Publicado em 6 de fevereiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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É de se lamentar muito a crise comunicacional que estamos vivendo. E o mundo dos vinhos não ficou fora da era da desinformação, principalmente após o início da pandemia do novo coronavírus. Hoje o assunto da coluna são as principais fake news que ganharam os noticiários especializados. Algumas, inclusive, não intencionais; causadas por  má interpretação ou apuração irregular de dados científicos. 

Em meados de abril de 2020, circulou por todo o mundo a primeira notícia falsa de que beber vinho ajuda no combate à covid-19. Tudo graças a um comunicado da Federação de Enologia da Espanha, o qual:

Indicava que as substâncias do vinho impediam a sobrevivência do coronavírus; Alegava que o consumo moderado de vinho pode contribuir para uma melhor higiene da cavidade bucal e da faringe; o que seria uma proteção, pois, em caso de infecção, “o vírus comumente se hospeda nesses locais”. 

Foi a virologista Sonia Zuñiga, pesquisadora do Centro Nacional de Biotecnologia de Madrid, quem desmentiu os argumentos do informe ao Chequeado — site que verifica notícias falsas na Espanha. Primeiro ela esclareceu que, realmente, o microrganismo não sobrevive na bebida — mas é devido à ausência de células de mamíferos.

Sonia também explicou que o grau alcoólico dos vinhos não é desinfetante; lembrou que o vírus também entra pelo nariz e que o contágio é intercelular; ou seja, não fica livre nas superfícies das mucosas que entram em contato com o álcool.

Antes de ser devidamente refutado, o manifesto foi irresponsavelmente referendado por diversas associações e federações no Velho Mundo e muitos de nós, na ânsia por uma cura minimamente prazerosa contra o SARS-CoV2, o interpretamos da maneira que mais nos convinha. 

Estudos preliminares tratados como verdades absolutas

Não pense que parou por aí. Em meio a essa discussão trazida pelo órgão espanhol, foi levantado um estudo realizado pela Universidade da Califórnia e Universidade Nacional Chung Hsing em 2017. O artigo científico indicou que o resveratrol — encontrado em algumas frutas, oleaginosas e uvas tintas — impediu a replicação in-vitro do MERS-CoV (vírus “primo” do SARS-CoV2) e prolongou a vida de células infectadas. 

Promissor, mas não conclusivo, o resultado chegou a causar algumas interpretações demasiadamente otimistas sobre a eficácia do vinho contra essa família de microorganismos. 

Corta para janeiro de 2021. Em diversos sites e perfis em redes sociais, vemos comunicadores celebrando os resultados de um outro estudo taiwanês, publicado em dezembro de 2020 no American Journal of Cancer Research. 

A pesquisa indica que os taninos, presentes também em uvas, frutas vermelhas, bananas e frutas cítricas, inibiram a ação de duas enzimas essenciais para a infecção pelo cepa do novo coronavírus em ambiente in-vitro, fora de organismos vivos.

Outro resultado animador, mas também não definitivo. Conforme pontuou o médico cardiologista e sommelier Fernando Figuinha, não houve testes em humanos e também não foi indicada a quantidade necessária destes compostos para que construamos uma barreira contra o vírus.

O mais engraçado é que o estudo só cita vinho na discussão final, ao alegar que os taninos dão textura aos vinhos tintos e são encontrados em grande concentração nessas bebidas, com quantidades que dependem da variedade em questão.

Eu entendo: seria LINDO se uma taça de vinho fosse tão eficaz quanto uma vacina. Mas a verdade é que não existem estudos profundos e duradouros que realmente COMPROVEM a eficácia dos compostos do vinho contra o Sars-Cov-2. 

Vinho substitui academia?

Outra notícia falsa que vive circulando na internet, desta vez sem associação com a covid-19, é que uma taça de vinho equivale a uma hora na academia. 

Na verdade, o estudo da Universidade de Alberta indicou que o resveratrol pode melhorar a performance na prática de exercícios, inclusive trazendo melhores resultados para pessoas com mobilidade reduzida. Mas a quantidade da bebida para obter estes resultados, segundo o pesquisador John Dyck, teria que ser algo entre 100 e 1.000 garrafas por dia! Dá pra você?

Vinho faz bem à saúde, mas vamos com calma!

O que sabemos hoje é que o vinho é repleto de compostos que, comprovadamente, fazem bem à saúde. O resveratrol, inclusive, é um polifenol com reconhecidos poderes antioxidantes, anti-inflamatórios, cardioprotetores, antienvelhecimento e anticancerígenos. 

Há muitos outros componentes benéficos. Algumas antocianidinas presentes na bebida de Baco protegem contra a degeneração celular. O ácido ferúlico é um poderoso antioxidante. A rutina e os bioflavonóides potencializam a ação da vitamina C; e a quercetina, por sua vez, é um reconhecido antiviral. Na taça também tem oligossacarídeos, que auxiliam no bom funcionamento do intestino. 

Como já abordei nesta matéria sobre imunidade, vinho e coronavírus, não é recomendável ingerir suplementações sem indicação médica ou de usar esses benefícios da bebida como desculpa para cometer excessos. Pelo contrário: exageros atrapalham todo e qualquer benefício que brancos, rosés e tintos possam trazer.

“[...] O que sabemos é que, quando consumida em excesso, a bebida alcoólica diminui a atividade de diversas células do sistema imunológico. Exemplo: os monócitos, que destroem determinados microorganismos, diminuem ou perdem sua atividade; e o interferon, substância que impede a replicação viral e ativa outras células de defesa, tem sua produção prejudicada. Isso contribui para facilitar diversas infecções”, explicou-me o coordenador do Serviço de Imunologia do Hupes/UFBA, Paulo Machado, em entrevista para a coluna. 

Paulo me contou, ainda, que a resposta imune é algo extremamente complexo, que envolve substâncias produzidas por células de todo o corpo, fatores genéticos, ambientais, alimentares e hábitos que impactam a saúde como um todo. Não existe uma receita de bolo para reforçá-la. Não há comprovação definitiva na literatura de que a suplementação específica de determinadas substâncias, como Vitamina D, C ou resveratrol vá construir uma barreira protetora para sua saúde. Embora haja poucas evidências, elas podem até ajudar, mas não são determinantes.

E agora?

Bom senso é a palavra-chave. Nesta coluna, o nutricionista, sommelier e professor universitário Anderson Carvalho declarou que para obter os benefícios do vinho, uma pessoa saudável pode consumir até duas taças de vinho por dia (300 ml), de três a quatro vezes por semana. Ou uma tacinha de 150 ml por dia.

É importante ressaltar que essa sensatez é esperada não somente na dosagem da bebida, mas em todos os aspectos da vida. Além de beber com moderação, aposte numa boa alimentação, engaje-se em alguma prática de exercícios físicos, durma bem, lave as mãos e use máscara ao sair de casa. É um bom começo!