'Temia ter de lavar o cabelo e voltar à realidade do pixaim'

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2019 às 04:40

- Atualizado há um ano

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Durante a maior parte da minha vida eu me senti confortável com a denominação de “ parda”. Tive privilégios socioeconômicos tive acesso a espaços cujo tratamento raramente seria direcionado a uma pessoa negra. Pelo menos negra de verdade, sabe?Pele escura, nariz largo, gengiva protuberante, os traços estereotipados a imagem que temos no imaginário social. Mas, não posso negar que, com o passar dos anos e o ganho de maturidade, eu notava sim, uma diferença. Por mais morena, parda, meio termo, café com leite, mulata e todas as outras pseudo classificações em que eu tentasse me encaixar, eu não me sentia igual ao resto. E por que? Porque eu não era interpretada da mesma forma. Por mais incluída que eu estivesse em determinado espaço, eu não sentia a mesma autoconfiança que as minhas amigas da pré-escola e do Ensino Fundamental sentiam. Para eu me sentir bem comigo mesma, ainda que na mais tenra idade, era um esforço homérico. Eram horas em salões de cabeleireiro tendo o couro puxado e queimado com mil parafernálias diferentes, com os olhos ardendo e garganta fechando por conta dos produtos químicos aplicados em uma menina de seis anos que mal sabia o que estava fazendo lá dentro. Mal sabia, mas quando saia era só felicidade. Jogava o cabelo liso para lá e para cá como uma vitória, e temia o dia de ter que lavá-lo e retornar a realidade. (Foto: Florian Boccia/ Divulgação) A realidade do cabelo duro, bombril, pixaim, de empregada, como eles diziam. A realidade que me fazia morrer de vergonha de ir pra escola e suportar toda aquela dor nos salões com um sentimento de gratidão apenas por pensar no quão satisfatório seria o resultado. A questão aqui não é que pessoas brancas estejam isentas da opressão de padrões estéticos. Mas é preciso que entendamos que até mesmo este universo é subdivido. Que determinados tipos de exigências são exclusivos a dados grupos de pessoas. E que se engana quem acha que o racismo só age diretamente naquela imagem pronta que já temos do que é ser negro no Brasil. Pra mim esse desfile foi mais uma vitória conquistada com o suor do meu esforço e foi um prazer representar várias meninas que passam pelo que já passei na vida .#afrofashionday2019 #euvenci

*Vanessa Amorim é modelo e participou pela primeira vez do Afro Fashion Day em 2019. Texto publicado originalmente no Instagram.