Tempo de revolução: de Lua Xavier ao levante de candidaturas negras em Salvador

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Publicado em 8 de agosto de 2019 às 09:25

- Atualizado há um ano

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Luana Xavier, Taliria Petrone e Vilma Reis: mulheres negras na luta (fotos de divulgação) “Animai-vos Povo Bahiense que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais”. Essa foi uma das mensagens que tomaram e mobilizaram Salvador na manhã de 12 de agosto de 1798. Foram diversas as chamadas populares, por meio de panfletos, cartazes e demais escritos, alertando e convidando a sociedade para uma das maiores revoluções da história brasileira: a Revolta dos Búzios (também conhecida como Conjuração Baiana e Revolta dos Alfaiates).

Há 221 anos, a manifestação impulsionada por negros e negras escravizados que lutavam pelo direito de serem livres, abria os caminhos para que pessoas como eu, estivessem aqui hoje, recontando a trajetória dos meus, e não através dos olhares dos novos Ciprianos Baratas (os brancos de elite, pesquisadores) – com todo meu respeito à memória desse apoiador da causa.

De lá pra cá, muita coisa mudou, outras, se reconfiguraram. A crise de fome que acometeu a população pobre e negra no final de século XVIII não é a mesma, mas, os custos para alimentação continuam sendo altos em comparação com o valor do salário mínimo. A violência, em variadas formas, segue sendo a principal ferramenta de desumanização dos corpos negros. As religiões de matriz africana continuam atacadas e discriminadas. E os portugueses? Esses não estão mais nos grandes cargos públicos, mas a elite branca – e descendente - segue nestes serviços ganhando benefícios sem saber o que são as realidades das comunidades menos favorecidas.

Chega a dar uma desesperança, né? Mas, como disseram nossos heróis e heroínas: “Animai-vos!”. Faz pouco mais de 130 anos da abolição inconclusa e temos bons exemplos de luta do passado e da atualidade. E cada um de nós pode fazer uma nova revolução! Mas, desta vez, os homens não irão para a forca na Praça da Piedade e as mulheres negras não serão invisibilizadas, como as heroínas Luiza Francisca D’Araújo, Lucrécia Maria Gercent, Domingas Maria do Nascimento, Ana Romana e Vicência, ocultadas da memória coletiva da Revoltas dos Búzios – tema de atividade potente realizada nesta semana no evento “Mulheres do Mundo: Vida, Luta e Resistência”, da Associação Cultural de Capoeira Mananga.

Mulheres estas como a atriz Lua Xavier, que trago ao texto pela sua bravura nesta semana. Ela postou nas suas mídias sociais um vídeo sobre um caso de intolerância religiosa que teria partido, segundo declarou, do cantor Xanddy, vocalista do Harmonia do Samba. Ele teria evitado falar a palavra candomblé, no trecho de uma canção. Ontem, também foi publicado um vídeo das cantoras Simone e Simaria que, supostamente, também teriam tido esse mesmo comportamento ao se negarem falar o nome da orixá Yemanjá durante um show. Fato ainda mais interessante pelos três cantores acusados serem da Bahia. Estado em sua maioria negra e em que o sincretismo religioso é parte da cultura. E, ao mesmo tempo, triste, pois situações como estas só nos apontam à reflexão de como a falta de respeito à diversidade religiosa no Brasil anda de mãos dadas às questões raciais [como o racismo] e demais estigmas. E por isso parabenizo a atriz pela coragem, pois posicionar-se é um ato político. E utilizar a visibilidade para isso, é louvável.

Nesse mesmo sentido, ressalto aqui a importância do posicionamento das mulheres negras na linha de frente de todos os níveis de batalha. Salvador vem sendo tomada nos últimos meses por uma onda negra impulsionada pelos movimentos de mulheres negras para a disputa eleitoral de 2020 para a prefeitura e câmara municipal. Um real debate político civilizatório em que o apartheid social (in)visível tem de ser exposto e combatido. Discussões como esta e outras serão debatidas na noite desta quinta-feira (8), no auditório do IFBA (Instituto Federal da Bahia), no Barbalho, através da ação coletiva de mulheres negras Fórum Marielles de Salvador, que levará a deputada federal Taliria Petrone para dialogar sobre estratégias para interromper o racismo e o sexismo na política.

Ainda dentro da articulação de militantes e ativistas referências da luta antirracista, surgem nomes potentes de candidaturas à vereança na cidade, como: Naira Gomes, antropóloga, que anualmente mobiliza com outras mulheres a Marcha do Empoderamento Crespo, levando milhares de jovens negros ao debate da estética e de seus corpos como potências de consciência e transformação social; Laina Crisóstomo, advogada e uma das lideranças da ação voluntária Tamo Juntas, que coloca o machado de Xangô na balança da justiça cega e luta para garantir assistência jurídica aos que mais precisam nas comunidades; Thiffany Odara, pedagoga, que, a partir da perspectiva interseccional, atua fortemente na pauta dos direitos da população LGBTQI+ nesse país onde mais se mata pessoas trans. Elas não são apenas sementes de Marielle Franco, são das ancestrais que, através delas, seguem na quebra das correntes e dos grilhões simbólicos de uma herança colonial.

Quanto à ocupação da prefeitura, a socióloga Vilma Reis tem surgido como a grande aposta dos movimentos sociais, sobretudo do movimento de mulheres negras, que lançou a candidatura da ativista no 2 de Julho, Dia de Independência da Bahia, saindo na dianteira de outros candidatos negros. Por meio do slogan “Agora é Ela”, as mulheres negras da cidade se inspiram no feito da cidade de Chicago, nos Estados Unidos, que elegeu Lori Lightfoot, como primeira prefeita negra.

Outras candidaturas negras foram apontadas e especuladas até o momento: Olivia Santana, Vovô do Ilê Aiyê, Silvio Humberto, Moisés Rocha, Valmir Assunção, entre outros. Às 18h30 desta sexta-feira (9), será realizado pelo Fórum de Entidades Negras, com apoio da Bancada do Feijão, no Centro de Cultura da Câmara, no Pelourinho, o seminário “Por Que Queremos Ela – Salvador Cidade Negra”, com a presença dos possíveis candidatos.

Independente das disputas eleitorais, espero que a base da nossa nova revolução seja a união. Não podemos nos esquecer que a Revolta dos Búzios não foi vitoriosa por causa de um companheiro de luta, que após ser pego, entregou os demais. Como bem nos disse a filósofa Sueli Carneiro: “entre a esquerda e a direita, nós continuamos sendo pretos”. E esse é o maior de todos os ensinamentos.

Animai-vos Povo Bahiense! É tempo da efetiva abolição.

Ubuntu.