Teoria da Salvador quebrada

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  • Da Redação

Publicado em 18 de abril de 2022 às 05:00

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A teoria das janelas quebradas, surgida na década de 1980, sugere que se não repararmos janelas quebradas de um prédio, a tendência é que joguem mais pedras, quebrem mais janelas, invadam o prédio, assim como o acúmulo de lixo leva a que as pessoas joguem mais lixo no local.

Salvador é uma cidade modelo para tal teoria, e é um sucesso como exemplo.

Moro no Garcia, bairro popular, mas central da cidade. Minha casa fica ao lado de uma invasão, numa ladeira que é o principal caminho de carros e ônibus, com uma encosta cheia de mato; reduto de lixo e ratos.

Pouco tempo atrás, consegui o contato do responsável pelas políticas para o setor, e, surpresa positiva, ele veio pessoalmente fazer uma visita ao local. Sugeri que plantássemos buganvílias na encosta. Planta que, no solo, requer pouco cuidado, e que floresce o ano inteiro. Com um mínimo de paisagismo, a encosta (todas as encostas da cidade, na verdade) ficaria linda, colorida, e as plantas cumpririam o papel de retenção da terra, embelezando o local.

O responsável da prefeitura não só adorou a ideia, como pensou em plantar mais árvores, falamos em recuperação das calçadas, e ele me disse que falaria com a Limpurb para pensar alguma estrutura para que o lixo passasse a não ser mais jogado nos postes. Sim, os pontos de coleta de nosso lixo são os postes, que ficam no chão, escorrendo e emporcalhando a calçada e o asfalto, atraindo ratos, ratazanas e baratas, em qualquer bairro da cidade.

Pode parecer que não, mas minha intenção era urbanizar a ladeira de minha casa para servir de exemplo, e contaminar a prefeitura no sentido de ter uma cidade mais arborizada, limpa, saudável e segura. Não era apenas resolver “meu” problema. Começando por um lugar de mais visibilidade, poder-se-ia pensar uma política continuada de intervenção urbanística.

Passou-se um ano. Passaram-se dois anos. O responsável sempre me respondia com alguma desculpa; era época de chuva, era época de sol, era época de neve, de vulcão, de invasão alienígena, e nunca que chegava o momento da intervenção ser feita. Mudou-se secretário, os problemas continuaram.

Recentemente, desci a ladeira para ir a uma loja, a pé. O matagal havia invadido a calçada, em diversos lugares. Calçada arrebentada, suja, fedida, sacos de lixo por todo canto. Andar por Salvador parece estar num daqueles joguinhos de obstáculos.

Sempre haverá vândalos e gente porca. Você pode ver gente mijando na rua e jogando lixo em Genebra ou em Itabuna. Mas quanto mais limpa, uma cidade, mais dá vontade de mantê-la limpa. Quanto mais flores e árvores, mais queremos suas cores e sombras.

A gente se acostumou a jogar lixo no chão. A andar por ruas mal iluminadas, fedidas, áridas e cheias de buracos. Nossa desesperança leva a uma ideia de que não há solução.

Custava a prefeitura cuidar dos espaços possíveis de plantio embelezando a cidade? Custava ter uma estrutura padrão para se armazenar o lixo a ser recolhido? Olha que nem estou falando em coleta seletiva; urgente e mais distante e utópica ainda.

Não adianta reformar praças, se no caminho até elas termos que driblar buracos, lixo, sol na moleira, ou escuridão insegura. A sanha por obras majestosas, que atraem voto e visibilidade, camuflam uma cidade carente do básico.

Não se anda mais de 500 metros sem se topar com lixo, calçada destruída e falta de arborização. E ficamos todos nós a buscar a última janela, sabe-se lá se para jogar uma pedra, ou para se apegar à lembrança da cidade que poderíamos ter.