Testemunha de um tempo

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  • Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2020 às 05:37

- Atualizado há um ano

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Depois de agitar o mundo do jornalismo com um depoimento cheio de meias verdades em Minha Razão de Viver, declaração de amor ao Última Hora, jornal que chegou a vender em seus dias mais gloriosos mais de 200 mil exemplares, a figura do bessarabiano Samuel Wainer (1910-1980), responsável por algumas das maiores revoluções já ocorridas na comunicação brasileira, torna a atrair atenção.

Samuel Wainer – O Homem que Estava Lá (Cia das Letras, 576 páginas), da jornalista mineira Karla Monteiro, preenche o vazio que a falta de um trabalho como esse representava para o estudo da história brasileira recente. A movimentada vida de Wainer, controversa até mesmo quanto à data – e por muito tempo país – do seu nascimento, é o romanesco testemunho de um tempo. De família judia que veio em fuga para o Brasil, o jovem comerciante de utensílios que se maravilhou ao entrar pela primeira vez numa redação, mais tarde se tornaria amigo de pelo menos três presidentes.

Foi numa entrevista concedida a Samuel Wainer que Getúlio Vargas encetou seu retorno à política, para o governo do qual “só sairia morto” e que de fato terminou oficialmente na noite de 24 de agosto de 1954, com o seu suicídio, que o Última Hora noticiou com sentimento de luto – foi o único veículo da grande imprensa que apoiou Vargas e manteve-se fiel ao presidente eleito.

O casamento com Danuza Leão, que o deixou para assumir um romance com o boêmio Antônio Maria, funcionário de Wainer; sua viagem como único jornalista da América Latina a cobrir os julgamentos de Nuremberg; as relações com grandes personalidades da imprensa, da política e das artes: os colegas de profissão Roberto Marinho e Assis Chateaubriand – este seu patrão e, mais tarde, concorrente; as lendárias inimizades, como Carlos Lacerda, a quem deu o histórico apelido de “Corvo”; transações com empresários e intelectuais; o exílio vivido durante a ditadura; a derrocada do Última Hora e a modesta condição de empregado de outro jornal; todos esses aspectos são sobriamente tratados no livro que acerta ao equilibrar um respeitável trabalho de pesquisa com a sensibilidade de retratar as sutilezas e extravagâncias desse grande espírito cujo objetivo principal era a comunicação. E Samuel Wainer não mediu esforços. Foi o primeiro dono de jornal a dar aos profissionais da imprensa a dignidade de uma boa remuneração. Trouxe artistas estrangeiros, reuniu os melhores em atividade no país e deu ao impresso diário a qualidade de obra de arte. Isso não impedia que seu conteúdo fosse acessível, atraindo grande quantidade de leitores.

Para realizar tamanhas ousadias Wainer mais de uma vez recorreu a expedientes não tão nobres quanto seus intentos. Um exame minucioso da história nos mostrará que isso é mais comum do que se supõe. Espíritos audaciosos e conquistadores dificilmente conseguiriam, sem ardis, ser o que foram, embora frequentemente se faça crer que não. Mas há biografias que redimem certas personalidades diante de um povo e selam seu lugar na conjuntura de um tempo. Assim ocorre com O Homem que Estava Lá. Samuel Wainer foi o homem que teve por quase meio século as maiores notícias de um país em suas mãos.

Luís Conceição é escritor