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Da Redação
Publicado em 31 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Vivido e experiente eu seria besta quadrada se não fosse politicamente ateu – [mas não faço apologia desse ateísmo, o proselitismo é abominável]. Não ponho a minha mão no fogo, nem com luvas de amianto, pela hombridade de nenhum integrante dos três poderes pátrios, e de seus asseclas e apaniguados. Honrosas exceções: a deputada federal Luiza Erundina e mais quatro ou cinco parlamentares que ela me recomendar. 2. Odeio, execro, e excomungo aberrações de poder tipo nazismo, franquismo, salazarismo, fascismo e todos os simulacros toscos dessa praga que ainda teima em existir – África e Ásia estão infestadas desses re gimes execráveis e o silêncio criminoso, e pragmático, por parte da ‘comunidade’ internacional é obsceno. [Sonho de consumo: adolf hitler, francisco franco, oliveira salazar e benito mussolini – todos em letras minúsculas, por favor – e seus clones daqui, ali e alhures queimando no fogo do inferno ad infinitum].
Testemunha ocular da história, eu tinha 10 anos de idade quando o golpe militar – ufanista, às escancaras, e sangrento, ocultado por draconiana censura, se deu – e eu lia tudo, nos tons ‘patrióticos’ que marcavam a linha editorial da revista O Cruzeiro. Na minha cabeça de menino esperto aquilo parecia mera papagaiada para americano ver. Na escola surgiu novidade odiosa: no começo das manhãs de quinta-feira – vestidos com a solene farda reserva, calça cáqui, camisa de manga comprida cáqui, boina cáqui, gravata cáqui e sapatos vulcabrás bem engraxados – nos enfileirávamos em pelotões, inflávamos nos sos peitos juvenis e cantávamos o hino à bandeira e o hino nacional.
Aos 15 anos – quando me mudei para esta Salvadores – virei comunista de primeira hora aos 18, e caí de boca no movimento estudantil – obstinado na luta contra a ditadura militar, que perseguia, prendia, arrebentava, torturava e matava sem pejo brasileiros que discordavam do que nos obrigavam a engolir. Éramos aguerridos militantes. [Nunca fui preso, nem torturado, mas familiares de amigos queridos foram mortos na guerrilha do Araguaia e colegas presos e torturados. Milicos à paisana nos seguiam e nos fotografavam nos lugares mais improváveis]
Lembro passeata que o meu HD registra como ‘batalha do Tororó’. Ao entrarmos, milhares de estudantes, no bairro do mesmo nome, na zona central desta Salvadores, caímos em armadilha: a pêeme nos acuou – parte na Avenida Joana Angélica; parte na rua José Duarte. Imprensados, não faltaram cabeças para tantos cassetetes. Apanhamos, fomos presos ou – mais sortudos feito eu – abrigados pelos moradores da rua que, piedosamente, nos abriram portas e nos esconderam.
Também me atrevi a criar grupo de teatro popular, formado por mais de trinta ‘atores’: o lendário Amador Amadeu. Objetivo: ‘conscientizar’ moradores das favelas da periferia que a miséria absoluta na qual viviam não era obra da divina providência. Fracassamos. A barra pesou cada vez mais. A ponto de a pêefe proibir a apresentação da ‘criação coletiva’ Gran Circo Rayto de Sol no salão paroquial de igreja do bairro do I-A-P-I.
Exigiram apresentação apenas para os censores. Topamos. Espertos, ao mesmo tempo convidamos moradores do bairro e colegas da universidade. Rolou bate-boca e troca de sopapos entre a polícia e plateia. Sobrou pra mim, o líder daquela corja brechtiana maravilhosa. Fui intimado a depor na pêefe, no bairro do Comércio, no dia seguinte. Fui por que não tinha jeito. O medo se apossou de mim, me apavorava, e eu me perguntava: - E se me enfiarem rato no ânus como fizeram com fulano e sicrano?
Devo deduzir, alguém ‘lá em cima’ me ama. Sequer fiquei detido. Liberaram-me depois de horas de interrogatório. O que me perguntaram ou o que fizeram comigo neste ínterim? Nunca tive a mais remota ideia. Não consigo traçar qualquer esboço do luizartur que me interrogou. Teria sido mesmo luizartur? Blecaute total. Nunca lembrei nada – mas, com certeza, algo me assustou muito.
[Preciso confessar: sinto vergonha de ser brasileiro neste momento brasileiro]. [Procuro país para alugar, por preço módico. Propostas in box]. [Antes que me esqueça, ditaduras de direita e ditaduras de esquerda são ovos da mesma serpente].