'Tinha muita gente fazendo turismo na pandemia na Ilha', diz prefeito de Vera Cruz

Marcus Vinícius Gil deu entrevista ao colunista Rafael Freitas; confira

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Publicado em 23 de julho de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

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Marcus Vinícius Gil, prefeito de Vera Cruz está em primeiro mandato (Foto: Divulgação) Localizado na Ilha de Itaparica e dentro da Região Metropolitana de Salvador (RMS), o município de Vera Cruz tem 191 casos confirmados de coronavírus, com 136 pessoas já curadas - mais de 70% do total. A cidade tem 441 casos por 100 mil habitantes, uma das menores taxas da RMS.

O prefeito Marcus Vinicius diz que o município conseguiu controlar o avanço da pandemia graças a uma série de medidas. Ele diz, contudo, que evitou a “canetada” adotada em outros municípios e apostou em ações mais práticas visando o incentivo às pessoas para que cumprissem o isolamento. O município é um dos poucos da região e entorno que não estão com toque de recolher. Para isso, ele diz que a cidade fez doações de cestas básicas e prorrogou o pagamento dos impostos municipais, dentre outras medidas.

Sobre o ferryboat, o prefeito diz que chegou a solicitar ao governo do estado um maior controle, para priorizar os moradores da Ilha, mas não teve sucesso. Com isso, o fluxo de pessoas seguiu grande. “Tinha muita gente fazendo turismo interno na pandemia, principalmente com os comércios fechados na capital, isso para Salvador foi positivo, mas para a Ilha e para a Linha Verde foi negativo, porque as pessoas saíram, não é?”, afirmou em entrevista ao CORREIO. Confira a seguir:Quem é: Marcus Vinicius Marques Gil tem 37 anos e está em seu primeiro mandato de prefeito de Vera Cruz. Natural de Vera Cruz, ele é advogado e ocupava o cargo de procurador do município de Itaparica antes de assumir a prefeitura da cidade vizinha. Em 2016, ele conquistou a vitória em sua primeira eleição - o prefeito nunca havia disputado cargos eletivos.Vera Cruz tem 191 casos com 136 curados, ou seja, a maior parte já está recuperada. Como está a situação hoje? O senhor acha que já está controlado ou ainda há um certo risco?

Não podemos desconsiderar que a gente está situado no epicentro do coronavírus na Bahia, a Região Metropolitana de Salvador (RMS), que é o segundo maior aglomerado urbano do Nordeste inteiro, então nessa situação, por a gente ter um contato direto e diário com a capital, com os ferries e as lanchas, não dá para dizer que a gente tem a situação controlada, porque temos o fluxo indo e voltando da capital todos os dias. Mas, internamente, na cidade, as medidas queadotamos nos deixaram, desde o início da pandemia, até esses quatro meses, com o menor índice de casos confirmados em relação à população. Menor até que as cidades menores do que a nossa na Região Metropolitana. Todas as cidades menores que Vera Cruz tem mais casos do que Vera Cruz. Nós estamos na última posição na Região Metropolitana em relação ao número de casos. Acredito que as medidas internas adotadas na cidade permitiram o controle no avanço da pandemia, mas não dá para dizer que está sob controle, principalmente pela região em que estamos situados e pelo transporte intermunicipal, os ferries e as lanchas não terem parado e estarem em trânsito com fluxo direto pela capital.

Que medidas o senhor destaca como importantes nesse trabalho?

Desde o início da pandemia eu verifiquei com a equipe que não daria para a gente resolver na canetada, só com lockdown, toque de recolher, decretos normativos. A gente percebeu que isso não ia funcionar. Então fomos para outra vertente e criamos programas de incentivo à população para que ela não fosse para as ruas. Em vez de fazer a canetada do decreto, começamos a fazer programas de incentivo. Para você ter uma ideia, logo em março quando o coronavírus chegou, a gente paralisou logo as aulas, mas a gente começou a criar leis de incentivo para toda a população que sobrevive diretamente do fluxo das ruas: os ambulantes, os feirantes, os mototaxistas, os transportes alternativos, os artesãos, os vendedores, todas as pessoas que fazem o movimento nas ruas. A gente criou um programa municipal chamado Benefício Eventual Municipal, o BEM. Esse programa por três meses dava comida na mesa, dava cesta básica. Então, durante três meses esse programa vinha para dizer: ‘olha, você que sobrevive das ruas, não vá tanto nas ruas porque a prefeitura vai dar alimentação’. Então quando a gente fez isso, a gente desestimulou as pessoas de irem para as ruas, para se cadastrarem e receberem o benefício. Eu acho que isso foi mais bacana do que a gente estar decretando, fechando, porque a gente viu que não funciona. 

Neste sentido, quais ações foram realizadas?

A gente criou um programa também para dar cesta básica para todos os alunos da rede. Cesta básica mesmo, são 20kg de alimento por aluno. Só essa semana aqui em Vera Cruz vamos dar 10 mil cestas básicas. São 3 mil do BEM, o programa municipal, e mais 7 mil da rede, para os alunos. Então a gente criou uma lei municipal postergando todos os tributos de alvará, de taxa de funcionamento, de IPTU. Criamos uma lei puxando tudo para a frente para as pessoas terem tranquilidade, não precisarem correr para trabalhar para pagar os impostos municipais agora. Então, assim, a gente flexibilizou impostos, postergou vencimentos, fez lei de alimentação. Com tudo isso aí eu acho que a gente encontrou um caminho diferente do que todas as outras cidades. Toda a Região Metropolitana tem várias semanas em toque de recolher. Só Vera Cruz não está em toque de recolher. E Vera Cruz está acumulando índice de isolamento social maior do que todas as cidades com toque de recolher, porque a gente, em vez de partir para a canetada, adotou diversas medidas de estímulo à população para que ela não saísse. Isso deu bastante resultado aqui para que a gente tivesse esse controle de casos.

O ferry normalmente tem uma circulação muito grande. Como o senhor de certa forma controlou o fluxo de pessoas que iriam para Vera Cruz?

A gente fez um pleito ao governo do estado, porque o transporte é intermunicipal então não podemos nem fiscalizar nem regulamentar. Só o governo do estado pode fazer isso. Então a gente fez um pleito ao governo do estado que destacasse uma prioridade no ferryboat para moradores, para inibir mais o fluxo de vinda de turismo. Tinha muita gente fazendo turismo interno na pandemia, principalmente com os comércios fechados na capital, isso para Salvador foi positivo, mas para a ilha e para a Linha Verde foi negativo, porque as pessoas saíram, não é? Não ficaram paradas em Salvador em isolamento. Então a gente pediu ao governo que fizesse uma prioridade aos moradores, mas infelizmente não foi feito. O que o governo fez foi uma restrição de fim de semana, sábado e domingo, e isso conseguiu evitar um pouco o fluxo de pessoas no fim de semana, mas como o comércio da capital está fechado, as pessoas podem sair qualquer dia, os comerciantes, lojistas, funcionários, estavam saindo. E como a Rodoviária de Salvador estava fechada, o ferry virou uma porta de saída de Salvador. Então a gente não conseguiu controlar o fluxo de chegada do ferry e da lancha.

Diante disso, o que foi feito para reduzir o impacto desta movimentação?

O que a gente fez foi medir temperatura, colocar cabine de desinfecção na chegada e controle de temperatura porque o paciente que chega acima de 37.8ºC já faz a triagem e segue para um posto de testagem só para viajante que a prefeitura instalou. Então quem chega e tem febre é testado contra coronavírus na hora na cidade. Então com isso a gente conseguiu fazer uma triagem, apesar da gente saber que têm os assintomáticos, para a gente conseguir fazer uma triagem dos viajantes que chegam pela lancha - porque o Ferry chega na cidade de Itaparica, não Vera Cruz - e a gente acha que conseguiu um bom resultado. Infelizmente, a gente hoje não tem uma prioridade para quem é morador da Ilha para acessar o ferry. Essa é uma pauta que eu estou brigando no governo que seria, acho, o fator principal porque inibiria quem vem de fora. Eles verem que tem prioridade para morador, uma fila específica para morador, eu acho que daria uma segurada a mais. Na prática, o pessoal que está vindo para a ilha está lotando o ferry e até o próprio morador da ilha está tendo dificuldade de pegar o ferry, as lanchas. Então isso é um fluxo que infelizmente a gente não conseguiu inibir porque a gente precisa dessas medidas do governo e a prioridade para mim é destinar um percentual nas embarcações para os moradores da Ilha.

Qual o impacto que a cidade já sente na economia?

Primeiro em relação às verbas que vêm de fora, porque a economia do município também gira em torno das receitas estaduais e das receitas federais. Então a queda do Fundo de Participação dos Municípios, o FPM, foi muito forte, a queda dos repasses estaduais como o ICMS, que é o repasse pela circulação das mercadorias, foi muito forte, então a gente tem uma queda já das receitas constitucionais que o município recebe dos outros entes. Isso caiu muito. A receita interna de Vera Cruz ela cai por dificuldade das pessoas de fazerem pagamentos, mas aqui graças a Deus a gente não teve problema com o comércio. O comércio da cidade a gente manteve funcionando, então não teve demissão em massa, não teve quebra de empresas, então esse cenário em Vera Cruz a gente não teve. Então a gente teve muito mais perdas em relação aos recursos externos que a gente recebe pela grande queda de arrecadação estadual e federal.

Qual foi o impacto no turismo?

O turismo parou porque desde março a gente proibiu o acesso de ônibus de turismo na cidade, a gente fechou as praias, as barracas de praia, de março a julho. Nosso turismo é um turismo de sol e praia, então quando a gente fez essa inibição, esse turismo que circula na cidade, parou. A gente teve uma perda nas pousadas, na rede hoteleira muito forte nesse sentido.

O senhor tem uma previsão de quando se poderá retomar as atividades do turismo?

Eu acredito que a última coisa a voltar vai ser o turismo, porque se você observar, até as aulas estão paradas. O turismo, o lazer, os eventos eu acredito que vão ser os últimos a voltar. Então para os próximos meses, eu acredito que para setembro a gente deve ter uma retomada das aulas, essa que é uma atividade essencial para a gente tentar não perder esse ano letivo, fazer uma nova divisão. Mas essa questão do turismo, desse fluxo mesmo da questão do turismo de sol que a gente tem aqui, eu acredito que, em uma visão esperançosa, com a gente conseguindo ter a vacina no final do ano, é que a gente vai conseguir pensar em um aquecimento desse setor, do setor turístico, do setor hoteleiro, mas eu acho que sem a vacina vai ficar difícil a gente fazer uma previsão nesse sentido.

Qual é a estrutura que o município tem para atender aos pacientes? Tem leito de UTI?

Não, a Ilha de Itaparica, que é composta por dois municípios, Vera Cruz e Itaparica, nunca teve leito de UTI. Em Vera Cruz, quando a pandemia começou, nós montamos leitos com respiradores porque temos uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Então nós temos quatro leitos com respiradores para a gente pelo menos estabilizar esse paciente na Ilha, para fazer a regulação dele. Nós temos como retaguarda aí na Região Metropolitana, a cidade de Salvador, então a gente regula para o Espanhol, para o Ernesto Simões. Então a gente tem hoje na Ilha uma estrutura de estabilização de paciente. Vera Cruz tem os leitos municipais com respiradores e posteriormente o governo do estado instalou no Hospital Geral de Itaparica, que é geral e atende à Ilha, um centro de coronavírus, para receber paciente também, mas não tem UTI. É para estabilizar e transferir. E Vera Cruz está abrindo agora um gripário, que é para receber casos de coronavírus e síndromes gripais, também com leito de estabilização com respirador. E nós temos aqui UTI Móvel, que é ambulância avançada, mas que é para fazer traslado também. A estrutura que a Prefeitura de Vera Cruz tem sao os leitos com respiradores, mais gripários e ambulância avançada com UTI. 

Como está a expectativa do senhor para a Ponte Itaparica-Salvador?

Eu acredito que, pelo porte do investimento, como tudo foi afetado pela pandemia do coronavírus, tudo foi postergado, acho que a ponte faz parte desse cenário. É um recorte dentro desse retrato amplo. Na minha visão, baixando a poeira agora no final do ano, tenho a perspectiva de que o contrato será assinado e que dará continuidade aos estudos, porque a empresa tem um ano para dar continuidade aos estudos, quatro para construir e são 35 anos para a concessão, então são 30 para explorar. Eu acredito que o contrato vai ser prorrogado, eu estou sempre em contato com Marcos Cavalcanti, da Seinfra, a empresa vem tirando dúvidas sobre o solo do município, mandou fazer o levantamento aerotopográfico. Eles têm tido iniciativas e trabalhos preliminares aqui na Ilha que dão a entender realmente que o contrato virá a ser assinado.