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Paulo Leandro
Publicado em 21 de abril de 2021 às 05:00
- Atualizado há um ano
Quais os limites e amplitudes do nosso conhecimento? Como podemos conviver melhor? E que é o belo? São estas as três perguntas em aberto, felizmente sem expectativa de respostas conclusivas, mantendo acesa a chama da busca incessante.
A terceira pergunta, sobre a definição de beleza, ou sua essência, aquilo sem a qual a coisa não seria bela, coube a Eduardo reacender, em sua obra-prima esculpida ou pintada, no gol da vitória sobre o corajoso Altos do Piauí, pela Copa do Nordeste.
Eduardo nos deu aula de como a futilidade fornece a aura, proposta por Benjamin, pois seu gol valeu a mesma quantidade (um) em relação a um tento qualquer, marcado de canela, impedimento, em roubalheira do VAR ou acréscimos exagerados de tempo. No entanto, experimente você, rever o lance, o cálculo envolvendo matemática, física e lógica, num simples olhar do jovem talento; perceba a mira e como ele passa o giz no taco da perna e, valendo-se dos conceitos de resistência, força e atrito, toca com mestria.
Eis a importância do fútil, e por isso, futilbol é diferente de “futebol”, pois o golaço de placa vale o mesmo em relação a qualquer tento marcado por um grosso ou perna-de-pau, mas este lance de Eduardo basta a si mesmo e nos conduz a outro mundo.
Trata-se do mundo da estética, derivada da aisthesis grega, donde a aistetiké, conceito traduzido por Baumgarten, já na modernidade, o qual, arrisco, sob pena de perturbação dos mais estudiosos, transportar (metáfora) para o quadrilátero verde da bola.
Os idiotas da objetividade hão de desvalorar o gol de Eduardo, abençoado pela décima musa, a do futilbol, invisível a dicionários de mitologia. Afirmariam estes néscios não importar como o gol é feito, mas sim, machiavelliano-parreiramente, se foi feito.
Para este numeroso grupo, todo gol é belo, basta a bola transpor a linha fatal, no entanto, volte, reveja o gol de Eduardo no YouTube e verifique se estas pessoas têm mesmo razões para esta crença.
Seria o belo, necessariamente útil, assim como a panela de barro, mais adequada para cozinhar, enquanto a de ouro, aparentemente de maior beleza, por seu brilho resplandecente, não teria a mesma propriedade para o preparo de um bom ensopado?
Eduardo tornou-se um terceiro interlocutor no diálogo entre Sócrates e Hípias, editado por Platão com o nome de Hípias Maior, produzindo, assim, um triálogo para investigar a consistência do belo, como identificá-lo no mundo sensível e qual sua definição.
Os séculos vão passar e este gol de Eduardo permanecerá em reinvenção constante nos inconscientes de quantos percebam a delicadeza do artista, permitindo-se ao detalhe de sequer balançar a rede, bastando triscá-la para cair sobre o chão do arqueiro do Piauí.
Não sei como seria o trâmite para conceder a Eduardo o título de doutor honoris causa pela Escola de Belas Artes, mas estou convicto de nos tornarmos pessoas melhores e com outra disposição para a vida quando reprisamos o gol pela memória.
Autêntica, única, a beleza na arte de Eduardo faz recordar o quanto o futilbol já nos fez curtir e compartilhar lances assim, sem os quais o jogo não teria cativado tantos seguidores, pois as pinturas com a bola nos fazem pairar acima dos reles mortais.
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade