Trabalho remunerado e dentro do horário

Expediente com novas mídias precisa ser dosados para que infrações não sejam cometidas por desconhecimento

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 7 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo Pessoal

Celular, computador, aplicativos, mensagens e o mundo do trabalho saiu do espaço dos escritórios e organizações e invadiu as 24 horas do dia. Tudo requer resposta rápida e soluções imediatas. No entanto, o que fazer para não permitir que a tecnologia desrespeite os direitos trabalhistas, sobretudo, no que diz respeito a não extrapolar horas trabalhadas e ao direito de ser remunerado pelo trabalho feito?

Para o advogado José Cândido, quando o assunto é o Whatsapp, por exemplo, é preciso tomar muito cuidado com o que se fala e como se usa o aplicativo que virou uma forma mais rápida e imediata de comunicação que o e-mail. “Existem condenações em que as conversas de Whatsapp são entendidas como trabalho. Seja hora extra ou sobrejornada. Em outras palavras, para o judiciário, o aplicativo, em alguns casos, pode ser considerado como meio de prova caso não haja outro meio”, diz.

Especialista em Direito Processual Civil, Cândido faz questão de esclarecer que as situações de sobreaviso são aquelas em que o colaborador fica à disposição do empregador, mesmo que esse funcionário esteja em casa, mas se houver a exigência de estar de prontidão para atender a qualquer necessidade, é considerado o sobreaviso.

No plantão, o funcionário encontra-se, normalmente, nas dependências do trabalho, atuando em horário considerado especial. Geralmente, esses expedientes são de 12 e 24 horas.

Todas as vezes que o trabalho se estende para além do que foi contratado, existe uma situação de hora extra. “Por exemplo, se alguém é contratado para trabalhar das 08:00h às 17:00h. Todo o labor após as 17:00h é considerado extra”, explica o advogado.

Ele faz questão de ressaltar que, antes de acionar o trabalhador fora do horário de trabalho, é sempre interessante verificar a real necessidade dessa atuação. “Ao solicitar qualquer carga de trabalho adicional, é importante cuidar para que os intervalos intrajornada e interjornada não sejam suprimidos com a realização das horas extras”, alerta, chamando atenção para que as extras não ultrapassem 2 horas diárias e não se tornem uma habitualidade. “É fundamental que haja o controle da jornada de trabalho, especialmente se ela se amplia e seus devidos pagamentos no momento de quitar a remuneração”, alerta.

O presidente da seccional baiana da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Wladimir Martins, salienta que o advento da tecnologia deixa as situações de abuso e as de urgência numa linha muito tênue. “As pessoas ficam muito tempo conectadas e isso parece deixar todo mundo de sobreaviso, mas defendo que o bom senso precisa ser usado sempre, evitando que essa ferramenta se torne uma armadilha para gestores e para os colaboradores”, complementa. 

Ele ressalta que em organizações com uma relação saudável de trabalho, dificilmente uma ligação ou mensagem fora do horário de trabalho será vista como algo ruim ou excessivo, mas que gestores precisam atentar para a construção desse ambiente saudáveis. “Em caso de dúvidas sobre essas questões, vale consultar os departamentos de recursos humanos. Por vezes, uma boa conversa ajuda a resolver questões que não estejam bem claras, evitando problemas para todos”, pontua. 

Apesar desses serem tempos onde a concorrência é acirrada e o emprego um artigo raro, o advogado chama atenção para o fato de que todo e qualquer trabalho deve ser remunerado. “Além disso, é importante que os intervalos de descanso dentro da jornada e entre os dias de trabalho sejam respeitados. O trabalhador não é obrigado a realizar trabalho fora do que o contrato determina”, salienta. Ele ressalta que em casos de disputa na justiça, é fundamental que o trabalhador seja sempre fiel aos acontecimentos e que apresente o máximo de provas possível.

Relato - Fábio Vidal"Não eram seis da manhã quando o whatsapp sinalizou a chegada da primeira mensagem. Àquela hora, imaginei que talvez fosse algo sério, relacionado à família. Felizmente era só uma cliente querendo saber se poderia reservar um quilo de linguiça defumada. Numa outra situação, recebemos uma ligação de um chef italiano renomado que, apesar de conhecer muito da cozinha, desconhecia o tempo de preparo de uma pancceta e do presunto de parma, achando que é possível disponibilizar esse tipo de produto em poucos dias. Não satisfeito em mandar mensagem de áudio e texto, começou a acreditar que se pressionasse em momentos distintos conseguiria sucesso no seu intento. Desde que começamos nosso negócio, há quatro anos, não tem dia santo, feriado, madrugada que não recebamos mensagens ou ligações solicitando um outro produto ou  informação, sendo que todas essas orientações são disponibilizadas para os nossos clientes  nas redes sociais.  No nosso perfil nas redes sociais, inclusive, consta o horário de funcionamento, mas algumas pessoas insistem em desconsiderar essa e outras informações, achando que uma loja, por ser virtual, precisa estar em funcionamento 24 horas. Confesso que, por sermos empreendedores, essa é sempre uma questão complicada, pois a tecnologia parece que fez com que as pessoas criassem uma noção de urgência que desrespeita horários e a perspectiva de que as pessoas possuem outras dimensões de vida, como a familiar. É claro que temos muito prazer em atender a todos, mas, como em qualquer situação, acredito que precisamos respeitar limites e que as comodidades da tecnologia terminou fazendo com que as pessoas criem um desrespeito ao tempo do trabalho e ao tempo de descanso. No nosso caso, não adianta se desculpar pelo horário se a cobrança desrespeita o horário de funcionamento do negócio ou o tempo que cada produto leva para ser preparado. Acredito que uma atenção ao horário comercial e àquelas normas de convivência ajudariam às relações de trabalho."

Sem extrapolar 

Plantões Os plantões se caracterizam com a presença do colaborador nas dependências da organização, trabalhando em horário considerado especial. Normalmente, os plantões são de 12 e/ou 24 horas.

Sobreaviso Há sobreaviso quando o colaborador se mantem à disposição do empregador, mesmo que ele esteja em casa ou fora das dependências do trabalho

Hora extra Todo tempo que extrapola o tempo de trabalho estipulado pelo contrato é considerado hora extra. Ao contratante, vale observar que as horas extras são eventualidades e não devem passar de duas horas além daquelas definidas no contrato de trabalho

Celular Mensagens de whatsapp exigindo ações relacionadas ao trabalho podem ser consideradas provas de trabalho extra em questões judiciais, por isso mesmo, o uso deve ser feito com pacimônia e cuidado

Ambiente saudável Os especialistas alertam quem em ambientes saudáveis de trabalho, eventuais ligações e mensagens são encaradas de modo tranquilo, como uma ferramenta de trabalho, no entanto, é importante que esse espaço seja construído com diálogo, empatia e, sobretudo, com bom senso 

Horas adicionais Embora horas adicionais de trabalho possam ser requisitadas, é preciso que haja racionalidade nas solicitações, evitando que esse seja um expediente comum na vida da organização 

Apoio e dúvidas Vale salientar que quaisquer dúvidas ou conflito que envolva o contrato de trabalho e o exercício de horas adicionais ao trabalho pode ter o departamento de recursos humanos como mediador. De qualquer forma, a orientação é que essas questões sejam conversadas e acordadas, evitando problemas futuros, tanto para o contratante quanto para o contratado. Vale salientar também que é fundamental que o períodos de intra e interjornada sejam respeitados, possibilitando que o trabalhador tenha o descanso necessário antes de voltar ao trabalho.