'Trataram como cachorro', desabafa mãe de bebê morto no Hospital de Candeias

Vídeo mostra corpo sendo preparado para o funeral ao lado de lata de lixo

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 10 de junho de 2020 às 18:56

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução/TV Bahia

Reprodução/TV Bahia “É uma situação revoltante. Ela entregou o corpo na minha mão”, disse Luis Henrique, 26 anos, pai do bebê Nauan Henrique. “Trataram como se fosse um cachorro”, interrompeu a mãe, ainda enlutada e revoltada com a situação vivida. Nauan não chegou a ter sequer um dia de vida. Ele nasceu morto, no Hospital Municipal Ouro Negro, em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, na madrugada da terça-feira (9), e foi o protagonista de um vídeo que circulou nas redes sociais.

As imagens mostram o pai e o avô do bebê no lado de fora do hospital, com um agente da funerária Pafir, preparando o corpo que foi sepultado logo depois, às 15h desta terça (9), no Cemitério Municipal de Candeias. O episódio aconteceu perto de container de lixo e foi filmado pelo vereador da cidade, Arnaldo Araújo (MDB), conhecido como Arnaldo do Ponto Econômico. 

“Eu estava na câmara de vereadores, no meu gabinete, quando recebi uma denúncia da situação desagradável que estava acontecendo. O hospital fica em frente à câmara de vereadores. O corpo estava no fundo do hospital, que não teve nem o cuidado de fechar o portão que dava acesso ao local”, disse Arnaldo.  

No vídeo gravado, e também ao CORREIO, os familiares afirmaram que a situação ocorreu após uma enfermeira do hospital negar o pedido da família, da preparação do corpo ser feita em algum espaço da unidade. “No local onde normalmente acontece, eles disseram que tinham dois corpos de coronavírus e, se entrássemos, iríamos ser contaminados”, afirmou o pai da criança. 

Em nota, a prefeitura de Candeias repudiou o episódio. “A secretária de Saúde Soraia Cabral, tão logo tomou conhecimento do fato, abriu uma sindicância para apurar o ocorrido e identificar todos os envolvidos”, diz trecho do documento. Os funcionários envolvidos foram afastados até que seja identificado o responsável, para aplicação de medidas cabíveis, que podem resultar até em demissão.  

A prefeitura também notificou a empresa responsável pelo serviço funerário, a Pafir, para se pronunciar sobre a conduta do funcionário. “A gente já afastou o colaborador, até que tudo seja esclarecido. Nunca passamos por essa situação nos 20 anos de existência da empresa”, disse Roberto Fagundes, gerente geral da Pafir.  

A funerária atua em Candeias há três anos, mas só recentemente foi feita uma parceria com o município para a preparação dos corpos de famílias de baixa renda. A empresa também atua em outras cidades baianas, como Irecê e Camaçari. 

“Poderia ter nascido vivo”  Mãe de dois outros filhos que também nasceram mortos, Érica Xavier foi informada de que Nauan Henrique poderia ter sobrevivido caso o parto fosse uma cesária feita de forma prematura. “Eles disseram que o hospital não faz cesária e que eu precisava ir para Salvador realizar o procedimento lá, só que eu não tenho carro. O bebê poderia ter nascido vivo”, lamentou a mãe do menino.  

Érica deu entrada no Hospital Ouro Negro por volta das 22h da segunda-feira com quadro forte de dor. Ela estava prestes a entrar no nono mês da gravidez. “O trabalho de parto só iniciou quando eu manifestei vontade de ir ao banheiro e eles perceberam que isso poderia ser o bebê saindo”, disse. O parto normal foi finalizado às 2h da manhã.   

O pai de Nauan disse que a médica explicou que a causa da morte do bebê foi a diabetes da mãe. “O açúcar passou para o bebê, que ficou sem oxigênio”, disse Arnaldo. Entrada principal do Hospital Ouro Negro (Foto: Bruno Wendel/arquivo CORREIO) A Prefeitura de Candeias disse que seria necessário realizar revisão de prontuário antes de concluir se o bebê poderia ser salvo ou não ante a conduta da equipe.  “Quando há necessidade de uma cesariana, o hospital realiza. Quando há intercorrências de maior complexidade, como a necessidade de UTI neonatal, por exemplo, utilizamos o fluxo regulatório e o transporte sanitário é realizado pela própria unidade, que inclusive dispõe de UTI móvel”, explica a nota da prefeitura. Inconformada, a família agora pretende fazer uma denúncia ao Ministério Público, para que o caso seja apurado. "Até mesmo para que isso não volte a se repetir”, garantiu o vereador que filmou a ação, Arnaldo Araújo.

Ele, que também é o prefeito da comissão legislativa de fiscalização da prevenção e combate ao coronavírus em Candeias, denunciou uma irregularidade que supostamente acontece na unidade. “A maternidade onde as mulheres vão dar à luz fica do lado de onde o pessoal com coronavírus fica. Quem está com a doença passa na frente da maternidade. Essa denúncia já foi feita anteriormente, na plenária da câmara de vereadores”, disse.   Sobre a denúncia, a Prefeitura disse que a informação do vereador “não procede, pois os dois setores possuem entradas independentes, não havendo cruzamento de fluxo”.

Lockdown   De acordo com o mais recente Boletim Epidemiológico publicado pelo município, que possui cerca de 90 mil habitantes, Candeias tinha registrado 315 casos confirmados de coronavírus, com 13 óbitos. Esta semana, a prefeitura inclusive decidiu decretar o lockdown, ou bloqueio total de suas atividades. A medida entre em vigor nesta quinta-feira (11). 

A medida tem prazo de cinco dias e objetiva diminuir a disseminação do novo coronavírus. De acordo com a prefeitura, as atividades não essenciais serão interrompidas e vias na região de comércio serão fechadas nesse período.  “Também estarão fechados todos os supermercados do centro comercial da cidade, sendo permitido apenas o funcionamento na modalidade delivery. Os supermercados poderão disponibilizar números de contato para receber compras de forma online, sendo expressamente proibida a retirada no local”, disse a prefeitura. O índice de isolamento social registrado foi de 37% nesta terça-feira (09/06), quando o número ideal apresentado por especialistas é de 70% e o desejado pelo município é o de 60%.  

A cidade já possui 256 pacientes curados e outros 10 que aguardam resultados. Os casos na cidade estão divididos em 24 bairros. O mais afetado é o do Santo Antônio, com 49 casos confirmados.

Confira a lista completa dos casos nos bairros:   Santo Antônio - 49  Centro – 36  Malembá - 32  Nova Candeias – 25  Sarandi – 24  Triângulo - 20  Pitanga – 18  Ouro Negro – 16  Urbis I – 15  Caroba – 15  Areia – 13  Santa Clara – 11  Nova Brasília - 8  São Francisco – 8  Caboto – 4  Canta Galo - 4  Urbis II – 3  Pindoba – 3  Dom Avelar – 3  Passé - 3  Menino Jesus - 2  Mangabeira – 1  Posto Sanca – 1  Fazenda Mamão - 1 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.