Travestis são agredidas e forçadas a abandonar ponto de trabalho na orla de Itapuã

Os casos aconteceram na Avenida Otávio Mangabeira

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  • Bruno Wendel

Publicado em 3 de fevereiro de 2022 às 05:15

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Acervo pessoal

As marcas na coxa direita vão além da dor física. “É revoltante! Ele vive nos perseguindo com barra de ferro, faca, pedaço de pau, até com arma de fogo. Isso tem que acabar!”, desabafou a travesti Arielly Michely Santos da Silva, 29 anos, vítima de agressão na orla de Itapuã, nessa terça-feira (1).

Ela acusa um homem, que seria um militar da Aeronáutica, autor das violências contra profissionais do sexo – pelo menos oito travestis foram atacadas entre novembro do ano passado e essa terça, no local. Em novembro, seis travestis relataram agressões pela mesma pessoa.

Os casos aconteceram na Avenida Otávio Mangabeira, entre as Ruas Albacoroa e a Beijupirá – no trecho de 550 metros, há condomínios e casas onde residem militares da Marinha e da Aeronáutica.“Ele [o suspeito] alega que estamos fazendo programa em área militar, mas não. Estamos na calçada, que é pública. Além do mais, não tem nenhuma casa com porta para a orla, e os condomínios têm muros de cerca de 2 metros”, disse Arielly. A maioria dos casos foi registrada na 12ª Delegacia (Itapuã). A Polícia Civil  informou que “as vítimas foram ouvidas na unidade policial, bem como o homem indicado por elas como suspeito das ações. O procedimento foi concluído e encaminhado ao Ministério Público. Detalhes não podem ser divulgados, porque o inquérito é um documento sigiloso”. A reportagem tentou localizar o acusado, sem sucesso. A Aeronáutica também não retornou.

Procurado, o Ministério Público disse que está acompanhando a situação por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos com Atribuição em Defesa da População LGBTQIA+. “O MP acompanha o inquérito policial instaurado para apurar o primeiro episódio relatado e está analisando informações coletadas sobre os fatos mais recentes, para adoção das medidas cabíveis", informa a nota.

Ataque Arielly relatou que estava em seu posto de trabalho, próximo a um ponto de ônibus, sentido Itapuã/Boca do Rio, quando foi surpreendida pelo suposto oficial, que estava com uma barra de ferro. “Eu estava sozinha quando ele chegou com a barra de ferro. Ele disse que ali não era lugar de prostituição, que na hora se referiu a mim no gênero masculino, mas disse para que me tratasse como mulher, que o nome é Arielly. Ele então saiu. Depois ele voltou e partiu pra cima de mim com a barra de ferro. Na hora corri, mas ele conseguiu me atingir na perna”, contou ela, que pretende registrar boletim de ocorrência na 12ª Delegacia.   Arielly disse que esta não foi a primeira vez que o acusado a atacou. “A primeira vez foi há uma semana. Sem dizer nada, ele veio me esmurrar e protegi o meu rosto usando os braços”, relatou.

Ainda na noite de terça (1), o mesmo homem atacou outra travesti a poucos metros onde estava Ariellly. “Ela conversava com um rapaz, que estava no carro, quando ele se aproximou expulsando o cliente. A nossa amiga questionou ele e levou um tapa no rosto”, relatou a também travesti Taila Santos, 21. Avenida Otávio Mangabeira (Foto: Bruno Wendel) A travesti e agente comunitária de saúde, Ranela Márcia, 50, relatou que no último dia 28, foi impedida de realizar as ações de prevenção do projeto ‘Prep Trans’, que tem como objetivo estimular a adesão da população trans ao tratamento da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e ampliar a informação sobre o HIV/Aids, sífilis e hepatites virais. “Quando eu e outras duas colegas nos aproximamos, as travestis disseram que estavam apavoradas, pois estavam sendo perseguidas por este homem que é da Aeronáutica”, disse ela. 

Instantes depois, Ranela disse que o acusado apareceu e o clima ficou tenso entre ele e as travestis. “Ele parecia estar armado, pelo formato da camisa”, relatou Ranela.

A Polícia Militar foi acionada, e a guarnição de nº 9.1523 chegou ao local. Em seguida, uma outra equipe da PM também apareceu. “Só que um dos policiais que chegou na última viatura estava do lado do agressor. Disse que quando estiver fazendo uma ronda na orla, que vai descer o pau nelas e quem do projeto estiver”, contou ela, que já informou a situação à 12ª Delegacia. 

Sobre as denúncias, a PM informou que “no que tange o comportamento de um integrante da corporação na ocasião, a Polícia Militar orienta a importância da denúncia, que pode ser realizada pela Ouvidoria da PM”.

O Grupo Gay da Bahia (Gapa) comentou os casos. “Elas estão na rua, que é pública, pois todos têm direito de ir e vir no espaço público. Ninguém pode privatizar o espaço público ou cobrar multa por alguém trabalhar como informal na rua. As denunciantes têm gravação de celulares das ocorrências”, declarou o diretor do Gapa, Marcelo Cerqueira. Ele disse que a entidade vai denunciar o caso à Aeronáutica, à Marinha e aos Ministérios Públicos Estadual e Federal.

Recorde negativo A Bahia saiu da terceira para a segunda posição no ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis em 2021. O dado é do relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado no último dia 28. Treze ocorrências de mortes violentas foram registradas no período.   Mesmo avançando para a segunda posição, o cenário é menos pior em relação ao ano anterior, já que uma redução de 32% também foi confirmada. O levantamento da Antra é feito de forma quantitativa, porque o Brasil não produz dados demográficos a respeito da população trans. Assim como nos anos de 2017 e 2018, a Bahia fica atrás apenas de São Paulo. 

De acordo com o relatório, em todo país, pelo menos 140 vítimas destes grupos foram assassinadas. Do total, 135 eram travestis/mulheres trans, que correspondem a 96% dos casos. As outras cinco eram homens trans. 

A maioria das pessoas trans vítimas de assassinato em 2021 tinha entre 18 e 29 anos: 53% delas, o que indica a morte prematura de jovens. Em 28% dos registros, as idades variavam entre 30 e 39 anos. Além disso, a Antra contabilizou um caso de pessoa trans assinada em 2021 com mais de 60 anos. Em relação à raça e etnia, 81% são pessoas pretas ou pardas, 18% brancas e 1% indígenas.