Trigo é a nova aposta do Oeste da Bahia; produção pode quadruplicar

Produção de grão pode quadruplicar nos próximos anos

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 12 de outubro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Cultura se adaptou bem em áreas irrigadas por Foto: Marca Studio Criativo

Há cinco anos, a produção de trigo na Bahia ocupava uma área  500 hectares (hc), que rendiam 3 mil toneladas anuais. Em 2019, a área plantada e a produção foram multiplicadas por 10 vezes, mas o estado ainda está distante de atingir o seu potencial para a matéria-prima básica do pão nosso de cada dia. Um estudo da Embrapa indica que a Bahia tem condições de sair dos atuais 5 mil hc para 20 mil hc nos próximos anos com o uso de tecnologias de manejo e de variedades atuais, principalmente na região Oeste. 

Um indicativo de que este potencial deve começar a se tornar realidade em breve é a instalação de um moinho para o beneficiamento do trigo no município de Luís Eduardo Magalhães. As dificuldades de comercializaram da produção sempre foram o grande gargalo para o desenvolvimento da cultura na região. A favor da cultura estão os preços no mercado, as condições do terreno e os benefícios que o trigo representa na rotação do plantio com o milho e a soja. 

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O avanço do trigo no Oeste deve contribuir na busca da autossuficiência do Brasil em relação ao cereal. Atualmente, pouco mais da metade das cerca de 12,5 milhões de toneladas do produto que são consumidas anualmente no país são produzidas nacionalmente. O Oeste baiano já é responsável por grande parte da produção nacional de grãos como soja e milho, e de fibras como o algodão. 

Na região, o trigo é plantado em sistema irrigado e atua quebrando ciclos de pragas e doenças, além de reduzir a infestação de plantas daninhas e de deixar, após a colheita, uma palhada de boa qualidade. Já o trigo em sistema de sequeiro, apesar de ser pontualmente testado por alguns produtores, praticamente não é cultivado devido ao maior risco, segundo informações da Embrapa. 

A empresa responsável pela construção da estrutura para o beneficiamento do trigo baiano é a Moinho Mercosul, de Campo Mourão, no Paraná. A reportagem tentou contato com a empresa, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. De acordo com informações da Secretaria da Agricultura (Seagri) e da Associação de Produtores e Irrigantes da Bahia (Aiba), a implantação da unidade de produção no município de Luís Eduardo Magalhães está bem adiantada e deve ser concluída ainda este ano. 

Atualmente, os moinhos mais próximos de Luís Eduardo Magalhães estão no Distrito Federal, a 550 km, e em Salvador, a 960 km, o que encarece o frete. 

Há cerca de cinco anos, o empresário João Ramos, presidente do Grupo Limiar, chegou a estudar a possibilidade de construir um moinho na região. O investimento previsto era em torno de R$ 80 milhões. Porém o projeto foi suspenso pois ele conta que não sentiu segurança em relação à oferta da matéria-prima. “Normalmente os moinhos são montados próximos aos portos para permitir trazer o produto de qualquer lugar do mundo e como os preços oscilam bastante é importante ter essa flexibilidade”, avalia João Ramos. 

“A Bahia hoje é deficitária nesta área. Só nós aqui gastamos entre 35 e 40 toneladas de farinha de trigo por dia. Agora, você imagina todo o estado da Bahia. Estamos falando de milhares de toneladas”, exemplifica. “É muito dinheiro que vai embora da Bahia porque o trigo vem de fora. O Brasil como um todo é deficitário nessa área”. 

Ainda que o projeto de construir um moinho na região Oeste tenha ficado distante, Ramos continua atento à produção na região. “Com a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), para nós a construção de um moinho em Ilhéus se torna uma opção bem interessante pela possibilidade de aproveitar o trigo da Bahia e o porto da região”, avalia. 

Eduardo Rodrigues, superintendente da Política de Agronegócios da Secretaria da Agricultura do Estado da Bahia (Seagri), lembra que o trigo chegou a ser utilizado como rotação em plantações de batatas até 2008, porém sempre em uma área plantada relativamente pequena. A partir de 2015, o plantio foi retomado e numa proporção maior. “Essa cultura é importante. Ela pode não ser muito rentável se comparada com algodão e soja, mas não apenas ajuda o produtor a rentabilizar mais a terra”, explica Rodrigues. 

Este ano está prevista a produção de 18 mil toneladas de trigo, mas Rodrigues projeta que o início da operação do moinho deve levar a produção no Oeste a outro patamar. “A estimativa de produção da safra este ano de 18 mil toneladas de trigo, mas com o moinho, a tendência é que a produção aumente muito. O grande problema hoje é a comercialização, pois os portos são muito distantes e o frete encarece a produção”, diz. “A gente ainda não se destacou muito por conta da questão logística”. 

O assessor de agronegócios Luiz Stahlke, membro do Conselho Técnico da Associação de Produtores e Irrigantes da Bahia (Aiba), conta que a região Oeste da Bahia chegou a registrar um pico de produção há alguns anos, mas houve uma redução no ritmo justamente por conta das dificuldades no processo de comercialização. “O trigo vai muito bem nos nossos solos, porém na hora de vender o produtor enfrenta dificuldades. É por isso que há uma expectativa em relação à chegada do moinho”, explica. 

Segundo ele, o empreendimento terá capacidade para absolver a produção atual da região e ainda vai precisar levar trigo produzido em outras áreas para se viabilizar. “Com certeza é um estímulo porque o produtor vai ver que terá como escoar a produção aqui mesmo na região. Além disso, haverá o incentivo da assessoria técnica e a oferta de variedades”, complementa. “Qualidade o nosso trigo tem. A produtividade da região é excelente, ninguém tem dúvidas de que é viável produzir aqui”. 

Opção para o produtor  Osvino Fábio Ricardi, proprietário da Fazenda Savana, em Riachão das Neves (BA), acredita no aumento da área plantada de trigo no Oeste da Bahia nos próximos anos. “A tendência é de aumento porque a área com agricultura irrigada está aumentando e o trigo é uma opção para a rotação de culturas. Não é a cultura mais rentável, mas é rápida e tranquila”, afirma, destacando a qualidade do grão colhido na região. 

Em 2020, foram plantados 1.625 hectares de trigo na propriedade. “Este ano, a realidade climática foi mais favorável”, observa. A expectativa do produtor é colher 6 ton/ha (ou 100 sc/ha) na atual safra, superando as 5,8 ton/ha (ou 96,66 sc/ha) obtidas em 2019. 

Para o próximo ano, ele espera plantar entre 800 e 1.200 hectares, conforme o planejamento de rotação de culturas estabelecido pela fazenda. “Muitos produtores tiveram sucesso este ano e há o interesse em continuar plantando”, comenta, lembrando que, como o ciclo da cultura na região varia de 90 a 110 dias, o rendimento médio fica em torno de 1 sc/ha/dia. 

Ele avalia que o maior desafio para a expansão da cultura passa pelo investimento em variedades mais produtivas e pela oferta de financiamento. 

Consultor em trigo na fazenda, o engenheiro agrônomo Pedro Matana Jr. conta que o primeiro plantio do cereal na propriedade ocorreu na safra de 2010, em uma área de algodão com soja e milho em rotação sob pivô de irrigação. Ele explica que a opção por plantar na área, que apresentava boa fertilidade, se deveu à presença de nematoides, um tipo de praga. “Avaliamos táticas de controle químico e biológico e decidimos colocar uma planta nova. Hoje, sabemos que o trigo tem baixo fator de reprodução de nematoides, de acordo com avaliações”, diz. 

Ele lembra que a elevada produtividade média obtida naquele ano, de 7,5 ton/ha (ou 125 sc/ha), estimulou vizinhos a plantarem o trigo nas safras seguintes. “Nós mesmos não continuamos plantando porque o preço do algodão ficou mais atrativo, mas ficamos com a boa lembrança do trigo”.

Tanto que, em 2015, a fazenda voltou a plantar o cereal, realizando, inclusive, um dia de campo para demonstrar a viabilidade na região. Segundo Matana, diversos produtores passaram a cultivá-lo, mesmo que em áreas pequenas e não em todos anos. “O maior estímulo não é o financeiro. Geralmente, são grandes produtores com algum problema agronômico, já que o trigo, no mínimo, aumenta a diversidade de plantas na área. E outros ainda não o cultivam porque ainda não há moinhos em operação na região”, explica. 

O consultor, que também visita trigais em outras propriedades da região, observa que nem todos os produtores foram bem sucedidos com a cultura, por terem tomado decisões de manejo de forma reativa, sem planejamento. Por isso, ele atenta para a necessidade de compreensão das especificidades de manejo da cultura para o Cerrado baiano. “Muitos produtores conhecem o trigo do Sul, mas ainda não entenderam que aqui tanto a estratégia de manejo como as ameaças são diferentes. Você trabalha com outra adubação, outra população de plantas, regulador de crescimento etc.”, explica. 

Ao longo dos últimos 10 anos, o consultor tem observado que, se por um lado há uma sazonalidade de produtividade na região, por outro há a segurança de se produzir um trigo de qualidade pão ou melhorador. “Podemos colher, na média, o mesmo que no Sul do País, mas tudo de grãos melhoradores”.

Matana ressalta a quebra do paradigma de que o trigo seria uma cultura exclusiva de clima frio, citando a primeira colheita de trigo no Ceará este ano. A produtividade média foi de 3,6 ton/ha (ou 60 sc/ha), considerada surpreendente pelos pesquisadores. Nesse sentido, ele aposta no potencial de expansão da cultura no Nordeste, como a região central da Bahia e o Piauí.

Alta produtividade A produtividade média conseguida no Oeste é de 5,66 ton/ha (ou 94,4 sc/ha), bem superior à média nacional de 2,9 ton/ha (ou 48,3 sc/ha). “Mas há produtores que chegam a produzir 7 ton/ha (116,6 sc/ha) seguindo as recomendações de manejo e plantando variedades mais modernas”, aponta o pesquisador Julio Albrecht, da Embrapa Cerrados (DF). 

“A região tem um clima bastante favorável ao desenvolvimento do trigo tropical, tem produtores bastante qualificados, o sistema de produção irrigado necessita do trigo para fazer a rotação de cultura e nas avaliações que fizemos, vimos uma produtividade alta, com qualidade excelente para panificação”, destaca. 

Ele lembra que a Embrapa atua com o trigo na região desde meados da década de 1980, com o plantio de ensaios de valor de cultivo e uso (VCU) em áreas de produtores. Exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), os ensaios de VCU são realizados para comprovar, em condições de cultivo, o valor agronômico de linhagens candidatas a cultivares, segundo normas elaboradas pelo próprio Ministério. 

A Embrapa tem atualmente conduzido e avaliado experimentos com novas variedades e linhagens de trigo na região. As variedades também são avaliadas pelos produtores em campos experimentais e lavouras comerciais, observando as recomendações de manejo prescritas pela pesquisa científica. “Na medida em que fomos lançando novas variedades, a área cultivada foi aumentando, sobretudo de 2005 para cá”, diz Albrecht. 

As condições climáticas e geográficas favoráveis ao cultivo do trigo irrigado no Oeste baiano são semelhantes às do Brasil Central (Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais), local onde foram selecionadas as cultivares da Embrapa para o Bioma Cerrado. Temperaturas elevadas durante o dia e amenas à noite, dias com alta luminosidade e altitudes que variam de 600 a 1.000 metros são fatores que influenciam positivamente na produtividade e na qualidade industrial dos grãos, considerada uma das melhores do mundo. 

As recomendações de plantio, de manejo e de controle de pragas e doenças da cultura para a região se assemelham às preconizadas para o Brasil Central, sendo também a brusone a doença mais recorrente. “Com os mesmos cuidados preventivos e recomendações, os produtores têm conseguido escapar da doença ou minimizar os seus efeitos”, afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados. 

Segundo Cleber Soares, diretor de Inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a tropicalização do trigo, por meio do processo de inovação, é um exemplo claro da importância da pesquisa e da inovação na agropecuária. 

“O trigo, que é uma cultura originalmente de clima temperado, que há décadas passadas era produzido quase exclusivamente na região Sul do Brasil, hoje graças à inovação agropecuária brasileira é possível cultivar no cerrado brasileiro, inclusive no Nordeste e em parte da região da caatinga”, ressalta. “Isso mostra, a exemplo de outras culturas como a soja, que com inovação é possível expandir a produção agropecuária e, sobretudo, ofertar mais alimento na mesa do consumidor e do cidadão brasileiro”, diz o diretor, lembrando a recente colheita de trigo no estado do Ceará. 

Para Soares, a expansão do cultivo poderá tornar o Brasil um grande produtor mundial do produto. “A nossa perspectiva é de que, com o avanço do trigo tropical na região do Cerrado e no Nordeste Brasileiro, esperamos em um horizonte de tempo de curto prazo, quem sabe até em dois anos deixarmos de importar trigo e, por que não, pensarmos até em exportar trigo para o mundo”, afirma o diretor do Mapa. 

Celso Moretti, presidente da Embrapa, diz que, depois de “tropicalizar” diversos tipos de plantas e animais nas últimas décadas, o Brasil agora trabalha para a “tropicalização” do trigo.