Trump tentou autogolpe para permanecer no poder

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  • Da Redação

Publicado em 19 de janeiro de 2021 às 14:53

- Atualizado há um ano

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O mundo assistiu atônito ao ataque ao Congresso norte-americano por hordas de violentos apoiadores do presidente Donald Trump. Horas antes, o próprio presidente havia se dirigido à multidão e incitou a que marchassem em direção ao Capitólio para pressionar os congressistas e o vice-presidente Mike Pence a mudarem o resultado eleitoral.

O processo eleitoral nos Estados Unidos é complexo: os eleitores votam em cada estado; o vencedor leva os delegados que são distribuídos proporcionalmente à população; em seguida os delegados se reúnem para representar seus estados em convenção nacional e, por fim, as cédulas eleitorais desses delegados são contadas e oficializadas pelo Congresso, em sessão presidida pelo vice-presidente da República.

Formalmente, é o Congresso que determina se os delegados são válidos e o vice-presidente declara o nome do presidente eleito. Portanto, em tese, seria possível ignorar o resultado das urnas, decretar alguns delegados como ilegítimos e mudar, no Congresso, o vencedor das eleições. Mas a tradição bicentenária da democracia americana é a de garantir que a vontade dos eleitores seja respeitada.

Donald Trump tentou quebrar essa tradição democrática. O plano tinha diversas etapas. Primeiro, era preciso manter a alegação de fraude massiva e suficiente para alterar o resultado das eleições, mesmo sem apresentar quaisquer provas. A equipe de advogados do presidente alegou fraudes e judicializou o processo eleitoral em estados que foram determinantes, como Geórgia, Pennsylvania, Michigan, Wisconsin, Nevada e Arizona. Em dois desses estados, Nevada e Geórgia, as próprias autoridades eleitorais eram do partido Republicano e negaram qualquer fraude significativa no pleito. Com o peso da autoridade presidencial, Trump telefonou e pressionou as autoridades eleitorais dos estados que definiram a vitória de Joe Biden. O caso da Geórgia foi alarmante. Na ligação, Trump exigiu que “encontrem 11.780 votos” para ele.

Trump foi apenas parcialmente mal sucedido nesses esforços. Se não conseguiu virar os delegados, foi exitoso em desacreditar a legitimidade do principal processo de formação da maioria política em uma democracia: as eleições periódicas, livres e justas. Pesquisa Reuters/Ipsos de 17 de novembro indicou que 52% dos eleitores republicanos acreditam que a eleição foi fraudada e que Trump é o verdadeiro vencedor. Essa crença coletiva de metade do eleitorado trumpista foi fundamental para que nesta quarta, 06 de janeiro, uma multidão estivesse presente em Washington para protestar contra a certificação da vitória de Biden. Presente no comício, Trump incitou a multidão a ir ao Congresso nacional. O Capitólio apresentava pouquíssima proteção policial em uma sessão com presença de todos os parlamentares e do vice-presidente. Um fato estranho, se comparada a massiva presença policial nos dias dos protestos do Black Lives Matter e se levamos em conta que os protestos contra a certificação estavam anunciados e convocados em redes sociais. Há eventos imprevisíveis na política. O ataque ao Congresso não era um deles.  

O objetivo final de Trump era que senadores objetassem a certificação em seus respectivos estados, um procedimento previsto nas regras em caso de flagrante fraude ou substantiva dúvida. Doze senadores formaram uma facção no partido Republicano com esse objetivo, mantendo-se leais aos planos do presidente. Entre eles, o pré-candidato em 2016, Ted Cruz (Texas) e Kelly Loeffler, recém-derrotada na sua tentativa de reeleição na Geórgia. A multidão do lado de fora do Congresso deveria servir para dar legitimidade ao tapetão e encorajar senadores e o vice-presidente a permanecerem fiéis ao plano.

A violenta invasão dos extremistas foi o ponto de reviravolta. Loeffler desistiu de objetar ao delegado da Geórgia. O vice-presidente Mike Pence condenou a violência e o ataque à democracia. Após declaração do presidente eleito Joe Biden pedindo uma manifestação do presidente, Trump pediu paz e que os invasores se retirassem do Congresso. Twitter e Facebook deletaram posts e suspenderam o perfil pessoal do presidente para reduzir o alcance de suas incitações ao caos. Um emergencial consenso bipartidário se formou em defesa da constituição, do império da lei e da democracia. Trump ficou isolado.

Quando um presidente democrática e constitucionalmente eleito tenta permanecer no poder por meios alheios ao espírito da constituição, com recurso à violência, assédio aos demais poderes da república e a subversão da vontade popular expressa nas urnas, só há um nome para isso: autogolpe. O fujimorazo de Trump falhou, mas deixou mortos pelo caminho alguns indivíduos e a crença de que a democracia americana é o farol do Ocidente.

Com pesquisa de Victoria Fares, internacionalista pela Universidade Salvador.

* Felippe Silva Ramos, 35, é professor de Relações Internacionais da Universidade Salvador (Unifacs), doutorando em Sociologia na New School for Social Research de Nova York e especialista em crises políticas e constitucionais.