Tudo sobre a operação da PF que apura venda de sentenças no TRT-BA

Veja passo a passo de esquema e conheça os 7 alvos principais da PF em Salvador

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 12 de setembro de 2019 às 17:34

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Instalada no edifício de número 121 localizado na Rua Bela Vista do Cabral, em Nazaré, Centro de Salvador,  sede do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA), é o refúgio onde empregados e patrões buscam amparo na Justiça Trabalhista. Nessa quarta-feira (11), porém, virou alvo da Polícia Federal (PF) por suspeita de abrigar  esquema criminoso de venda de decisões judiciais, operado por desembargadores e advogados baianos.

Nas primeiras horas da manhã, cerca de 50 delegados e agentes da PF, além de procuradores do Ministério Público Federal (MPF) responsáveis pela Operação Injusta Causa, iniciaram o cumprimento de 11 mandados de busca e apreensão em gabinetes de quatro desembargadores no TRT-BA e escritórios de três advogados investigados por suposta prática de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.  Investigadores recolhem documentos de gabinetes de desembargadores na sede do TRT-BA, em Salvador (Foto: Marina Silva/CORREIO) Na corte, os alvos da Injusta Causa foram os desembargadores Maria Adna Aguiar do Nascimento, ex-presidente do TRT-BA, Norberto Frerichs, Esequias Pereira de Oliveira e Washington Gutemberg Pires Ribeiro. Já a lista de advogados sob cerco da operação é composta por Antônio Henrique Aguiar, irmão e Maria Adna, João Gonçalves Franco Filho e Adriano Muricy Nossa. Todos os sete também tiveram os endereços residenciais vasculhados pela PF.

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Pelo menos cinco malotes foram recolhidos por agentes federais na sede do TRT-BA. Segundo o MPF, as buscas e apreensões tiveram como objetivo reunir documentos, arquivos digitais, computadores, celulares e smartphones para comprovar o recebimento de vantagens financeiras indevidas, indícios de decisões judiciais combinadas, ocultação de bens e associação entre os investigados. As ações, requeridas pelo vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, foram autorizadas pelo ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para não chamar a atenção, agentes chegaram de paletó e gravata, vestidos como os advogados que habitualmente frequentam o fórum. A identificação de que se tratavam de policiais só foi possível após a saída dos malotes, que exibiam a etiqueta da PF. Poucos tinham os distintivos aparente. Outra tática para evitar chamar atenção para a operação foi o uso de veículos sem a logomarca da Federal.

Origem A Operação Injusta Causa seria resultado de uma Reclamação Disciplinar feita contra seis desembargadores baianos do TRT-BA à Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ). Posteriormente, a denúncia deu início a investigações do MPF, cujos procuradores detectaram indícios da atuação de um grupo de desembargadores que, em conjunto com advogados, estaria negociando acórdãos e decisões na Corte Trabalhista.

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Há suspeitas de que os valores pagos a título de honorários para advogados envolvidos no esquema tivessem sido rateados entre os integrantes da suposta organização criminosa, incluindo magistrados e servidores públicos. O MPF pediu ainda ao STJ a expedição de mandados de busca e apreensão contra outra desembargadora do tribunal, uma juíza do trabalho e um advogado, mas a solicitação foi negada pelo ministro Raul Araújo. Foto: Marina Silva/CORREIO Funcionamento De acordo os investigadores da Injusta Causa, o esquema era liderado por Antônio Henrique Aguiar. Irmão da ex-presidente do TRT-BA, o advogado seria o responsável por captar pessoas físicas e jurídicas interessadas em obter decisões favoráveis nos julgamentos do tribunal, sobretudo na Quinta Turma, colegiado onde os desembargadores sob suspeita atuam ou atuavam.

No pedido ao STJ, o MPF faz um passo a passo sobre como o esquema era operado: “O relator apresenta seu voto em desfavor do interesse de uma das partes e, na sequência, pede adiamento do julgamento por 15 dias. Nesse prazo, a parte que está em desvantagem no julgamento  é assediada pelo advogado Antônio Henrique Aguiar".

Em seguida, detalha o MPF, “o advogado relata que pode reverter o voto e conseguir um acordo favorável. Quando a parte aceita, o relator muda seu voto e a parte ‘contratante’ consegue uma decisão favorável ou é apresentado voto divergente por outro desembargador, que é seguido pela maioria. Quando há a negativa (...), o relator ratifica o voto e a parte assediada perde o processo”. Foto: Marina Silva/CORREIO Todo o “serviço”, apontam os investigadores, era realizado mediante pagamento de propina. A informação foi confirmada em depoimentos feitos por advogados procurados pelos integrantes do esquema, muitos dos quais, se negaram a se envolver na negociata ilegal.

Procurado, o STJ disse que a Operação Injusta Causa deve correr em segredo de Justiça, motivo pelo qual não repassaria informações. Já a PGR alegou que, como a ação visa obter provas, não haverá outras manifestações do MPF no momento. A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região (Anamatra5) e o CNJ também foram contactados pelo CORREIO, mas não comentaram o caso. As defesas dos investigados não foram encontradas pela reportagem até o fechamento desta edição.

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Os sete alvos principais da ação da PF em SalvadorMaria Adna Aguiar do Nascimento - Desembargadora e ex-presidente do TRT-BA, foi apontada como uma das suspeitas de integrar o esquema de venda de decisões, de acordo com denúncia do MPF.  Norberto Frerichs - Também desembargador da corte, é citado pelos investigadores da Injusta Causa como autor de decisões posteriormente modificadas para favorecer interessados em processos trabalhistas, mediante pagamento de propina. Esequias Pereira de Oliveira - Terceiro desembargador na lista de investigados pelo MPF, é citado como integrante do esquema em depoimentos prestados ao MPF por advogados assediados por operadores da suposta venda de decisões judiciais no tribunal.   Washington Gutemberg Pires Ribeiro - Outro alvo dos mandados de busca e apreensão cumpridos ontem, o desembargador também foi citado por suspeita de combinar decisões favoráveis a pessoas que teriam pago propina ao grupo, de acordo com o MPF.   Antônio Henrique de Aguiar Cardoso - Irmão de Maria Adna, é apontado como nome central do esquema no TRT-BA desbaratado pela Operação Injusta Causa. De acordo com a denúncia da Procuradoria, cabia a ele a tarefa de buscar parte de processos para propor decisões favoráveis ou reverter votos contrários em julgamentos da corte, mediante pagamento de propina ao grupo.  João Gonçalves Franco Filho - Ex-assessor de Maria Adna, então presidente do TRT, o advogado representava pelo menos uma grande empresa com causa de alto valor em tramitação na Corte.  Adriano Muricy da Silva Nossa - Advogado e parceiro de Henrique Aguiar, Muricy foi descrito pela atuação formal em processos de interesse do principal operador do esquema ilegal, que agia como um tipo de lobista junto à cúpula do tribunal trabalhista na Bahia. ***

Suspeita era tida como exemplo de vida Alvo da Operação Injusta Causa, a desembargadora Maria Adna Aguiar do Nascimento chegou ao topo do Tribunal regional do Trabalho da 5ª Região como um símbolo de superação pessoal e profissional. Natural de Acajutiba, cidade do Nordeste do estado, Maria Adna foi acometida de poliomielite aos dois anos. 

Mesmo com a limitação, formou-se em Direito pela Ufba em 1974. Ainda na universidade federal, se especializou  em Direito Processual Civil e em Direitos Humanos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 1995, tornou-se procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho na Bahia.

Em 2001, se tornou desembargadora do TRT-BA, por meio da vaga reservada pelo Quinto Constitucional a integrantes do Ministério Público. Ali,  foi conciliadora do Juizado de Conciliação de 2ª Instância, presidente da Seção Especializada em Dissídios Coletivos e vice-presidente no biênio 2009/2011. 

Em 2014, foi convocada para exercer o cargo de desembargadora auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).  No ano seguinte, foi eleita para presidir o TRT-BA no biênio 2015/2017. Na cerimônia de posse, fez um discurso emocionado sobre sua trajetória de vida e superaçao de barreiras.

“Todo aquele que tem uma dificuldade, seja qual for, pode sim, vencer os obstáculos, sejam os internos que ninguém percebe, sejam aqueles que a vida, no seu curso, nos impõe”, disse Maria Adna, que foi aplaudida de pé pelo público presente à solenidade.

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Passo a passo do esquemaDecisão desfavorável - Um desembargador, como relator de determinada ação, apresentava voto desfavorável a uma das partes e, em seguida, pedia adiamento do processo durante 15 dias Brecha para o assédio - Durante o período do adiamento, a parte que estava em desvantagem no processo é procurada pessoalmente por Antônio Henrique de Aguiar Cardoso Oferta de ajuda - O advogado, então, informava à parte que tinha como reverter o voto desfavorável e conseguir um acórdão que o beneficiasse no porcesso Cobrança feita - Para que agisse em favor do assediado, o advogado exigia, como contrapartida pela ajuda, o pagamento de propina a título de honorários advocatícios. Jogo combinado - Após o fechamento do acordo, afirmou o MPF, desembargadores investigados mudavam repentinamente seus votos nos julgamentos da Corte