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Um oceano portátil

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 27 de novembro de 2022 às 05:30

. Crédito: .

Há um prédio de muitos andares subindo diante da varanda do meu apartamento. De vez em quando, recolho com cuidado o toldo de lona e observo atentamente o andamento das obras. A construção se ergueu bem rápido nos últimos meses. É possível avistar ao longe a movimentação incansável dos operários, miniaturas coloridas de homens, conversando no piso superior, assentando estruturas de ferro.

Aos poucos, dou por certo, perderemos a nesga de mar que foi nosso consolo ao longo da pandemia, especialmente nos primeiros dias de isolamento rigoroso. Olha lá, os cargueiros já estão quase encobertos. Pequenas embarcações também vão sumindo sob nossas vistas. Temo que, muito em breve, a paisagem seja interditada e leve consigo o pôr do sol que tornava qualquer fim de tarde um espetáculo único.

Não raro, interrompemos o jantar só para olhar o céu se tornar cor de rosa, ver o rastilho da lua nova, sentir a luminosidade que aquece o piso frio da sala e joga holofotes nos passarinhos. Entre nossos olhos e a orla, casas humildes se misturam a condomínios de luxo. Madrugada alta, explode o foguetório. Artifícios envolvem o silêncio da noite sem data especial no calendário. Pode ser que seja só o leitor lá fora.

“O dia todo alerta, não tema coisa alguma”, recomendam as moedas, enquanto insisto na paráfrase tola do título do livro do escritor predileto. Outra pessoa, no futuro, buscará a mesma nesga de azul como consolo, recolherá com cuidado um toldo de lona, esticará com esperança um horizonte retangular. E, forjando de memória um oceano portátil, ouvirá tudo que nele é onda, maresia e marulho.

Observo da varanda o andamento das obras do arranha-céu. E é claro que já não há continentes a perder de vista. Nossos bolsos estão repletos de antigos veraneios e da areia fina de um deserto que se encolheu. E é impossível reinventar paisagens que se equilibram nas alturas. Um gigante de concreto se ergue do solo e engole o pequeno mar que eu julgava meu, sem compaixão alguma.