Um olhar para a Baía *

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2019 às 17:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

PLANEJAMENTO O território molhado formado pela Baía de Todos os Santos nunca foi visto de forma adequada. A Kirimure dos Tupinambás a rigor sempre apareceu, camuflada ou oculta, em políticas para o Recôncavo – que também nunca foram exatamente implementadas. Este entorno da metrópole soteropolitana está a demandar um novo olhar. O foco na Baía de Todos os Santos permitirá, de forma singular em nosso país, um modelo de desenvolvimento metropolitano que sugiro chamar de metropolização ambiental.

Não se está tratando de um simples acidente geográfico, mas de um patrimônio natural extraordinário, verdadeira dádiva da natureza, base para a construção de uma nova economia,  alinhada com os modernos e contemporâneos valores da sustentabilidade. Só haverá êxito quando o ponto de vista for invertido: é a Baía de Todos os Santos que vai alavancar o desenvolvimento do Recôncavo, tornando possível criar uma nova dinâmica econômica e social nessa histórica e emblemática região.

Uma única vez a BTS foi o marco de referência para ações governamentais. Refiro-me ao que chamamos então Programa de Saneamento Ambiental da Baía de Todos os Santos, financiado pelo BID, nos anos 1990, que foi executado sob a marca fantasia de Bahia Azul – indevidamente com “h” – e implantou sistemas de esgotamento sanitário em todas as sedes municipais do entorno, inclusive em Salvador e na Ilha de Itaparica. Mais recentemente, surge o Programa de Desenvolvimento do Turismo Baía de Todos os Santos (PRODETUR-BTS), também financiado pelo BID, cujas primeiras ações devem agora se iniciar.

O primeiro desafio do Grupo Kirimure é, portanto, difundir o conceito da Baía de Todos os Santos como uma unidade territorial, em cujo entorno se desenvolveu a civilização do Recôncavo. Cabe, por consequência, demandar ao Poder Público que a Baía de Todos os Santos seja reconhecida como uma nova unidade de planejamento e ganhe um Plano de Desenvolvimento Sustentável, capaz de promover o aproveitamento de suas imensas potencialidades, em benefício da volumosa população que vive no seu entrono.

MEIO AMBIENTE A conservação ambiental da BTS é, naturalmente, a base de toda a proposta, uma vez que este é o ativo a ser valorizado, condição essencial para o aproveitamento socioeconômico da área e suporte para o desenvolvimento do entorno. Patrimônio ambiental de grande importância, Kirimure requer atenção diferenciada e prioritária. Um sistema de monitoramento permanente é indispensável. Mas não basta medir e identificar. É preciso acionar os agentes responsáveis para corrigir os problemas eventualmente existentes, e puni-los exemplarmente, sempre e quando for o caso.

A poluição é evitável. Mas para isto é indispensável manter sempre ativo e vigilante um rigoroso controle ambiental para preservar a nossa “Mais Bela Baía do Mundo”, como fizemos nos anos 1980, a partir do antigo Centro de Recursos Ambientais (CRA), em relação às indústrias pesadas do CIA Norte. Que nos sirva sempre de lição a contaminação por chumbo em Santo Amaro da Purificação, cujas sequelas ainda hoje permanecem. Precisamos atuar e agir, para prevenir e preservar, evitando-se cair na situação de outros ambientes hídricos brasileiros, com onerosos projetos de despoluição que nunca se concluem.

A prioridade para o saneamento básico precisa ser retomada, expandindo-se as redes – para acompanhar o crescimento das cidades – e atender aos chamados “pontos críticos” da EMBASA, que deixam desassistidas justamente as populações mais pobres, porque ocupantes de urbanizações desordenadas. Também o destino final dos resíduos sólidos constitui item que demanda cuidados especiais, de modo geral em todo o país, mas aqui particularmente, para assegurar a preservação da qualidade das águas.

A existência de um plano preventivo contra desastres é essencial, como está a demonstrar o episódio, ainda em curso, do vazamento de petróleo no mar, ocorrido em escala continental. Curioso é que já tivemos, no passado, um Comitê para o controle da poluição por óleo na Baía de Todos os Santos. Urge recompô-lo e reativá-lo. TRANSPORTES A importância histórica dos saveiros – tema do movimento Viva Saveiro – foi ofuscada pelo deslumbramento com o modelo rodoviarista, fazendo com que todos os municípios do entorno da Baía, inclusive Salvador, lhes dessem as costas. Impõe-se rever esse conceito e reverter esse processo.

KIRIMURE Não é o que ocorre. A construção de uma ponte atravessando a Kirimure reflete, uma vez mais, a submissão ao automóvel, em detrimento das pessoas. Já no passado, a implantação do sistema ferry-boat seguiu essa mesma lógica: primeiro os carros! É indispensável fazer a separação entre o transporte de veículos e o de passageiros, dando a este a flexibilidade que lhe é negada, por estar subordinado à rota Salvador – Bom Despacho, única do ferry-boat. A implantação de um moderno sistema autônomo de transporte de passageiros é fundamental para o desenvolvimento da Baía e da Bahia. E para recuperar a primazia do ser humano sobre as suas máquinas.

As “travessias” é que precisam ser valorizadas, como as de Mar Grande–Salvador, Paripe–Ilha de Maré, Ribeira–Plataforma que, sem modernização tecnológica nem gestão empresarial, sobrevivem apesar de tudo. Novas rotas, com equipamentos modernos e frequentes, é que revitalizarão e integrarão todo o entorno da Baía. E elas já existiram. Eu próprio, quando vim do interior para estudar na Capital, fui muitas vezes passageiro do “Maragogipe”, que fazia a linha entre São Roque do Paraguaçu e Salvador. Frequência e qualidade de serviço, mais do que redução do tempo de viagem, esta é a questão a ser resolvida. “O vapor de Cachoeira” precisa voltar a navegar!

ECONOMIA NÁUTICA A economia náutica será capaz de trazer uma nova dinâmica para o antigo Recôncavo, revertendo o longo período de estagnação e decadência. E é possível explorar, em toda sua plenitude, as sinergias entre a Economia Náutica e o Turismo. Portos, terminais, estaleiros – comerciais e turísticos – e a indústria náutica em geral, constituem vocação espontânea, nunca  potencializada.

A BTS detém, inclusive, o privilégio de apresentar extraordinárias condições naturais para abrigar portos de águas profundas, modernos e com capacidade para receber os maiores navios do mundo, sem a necessidade dos onerosos investimentos em infraestruturas off-shore. Mesmo aficionado pelas “linhas de menor resistência”, independente até das conveniências econômicas, ao desenhar o traçado da sua proposta para a ferrovia Transulamericana, como a chamava, o Prof. Vasco Neto, reconheceu a necessidade de chegar com os trilhos até a Baía de Todos os Santos. Esta percepção é tão mais importante agora, no momento que o país parece despertar para a navegação de cabotagem, anunciando a criação da chamada “BR do Mar”.

KIRIMURE Aqui cabe enfatizar, como imprescindível e valioso, o papel e a presença estratégica da Marinha do Brasil. É preciso institucionalizar a Baía de Todos os Santos como Capital da Amazônia Azul – a zona econômica exclusiva do Brasil; é preciso promover o aproveitamento industrial da Base Naval de Aratu, com seu imenso dique seco. E por que não a BTS como sede da futura 2ª Esquadra, um imperativo para o fortalecimento de nossa Marinha?

TURISMO O Turismo constitui a dimensão mais visível da imagem e das oportunidades econômicas da BTS. Está, no entanto, ainda embrionário. Inexistem pontos de conexão que permitam ao turismo se desenvolver. São escassas e ainda recentes as primeiras iniciativas, públicas e privadas, nessa vasta área de 1.233 km². Daí que os poucos passeios hoje existentes são quase todos do tipo bate-e-volta, sempre a partir de Salvador.

Há, contudo, um imenso leque de possibilidades e oportunidades nunca desbravadas, por falta de uma ação integrada, estruturada e ampla, capaz de abrir os horizontes, estimular e atrair os investidores privados: marinas e terminais turísticos, transporte turístico, aproveitamento das ilhas e ilhotas, hotéis e resorts, gastronomia, parques marinhos, esportes aquáticos, e por aí vai...

Pela beleza e encantamento da BTS, somos um destino privilegiado para regatas internacionais e cruzeiros marítimos, assim como para o ecoturismo. Mas aqui, quase tudo ainda está por ser feito. E não só o Poder Público, mas sobretudo a iniciativa privada precisa despertar para esse imenso potencial. Basta ver o impacto positivo que a Bahia Marina trouxe para o sopé da Avenida de Contorno, promovendo a revitalização daquela área; ou o sucesso do trabalho realizado pela Fundação Baía Viva na Ilha dos Frades. 

Na área dos esportes, a travessia a nado Salvador-Itaparica nunca ganhou a dimensão que poderia ter; e a Raia dos Tainheiros foi sendo progressivamente abandonada, desmobilizando os clubes de regatas que a utilizavam. Temos saveiros, escunas e lanchas. Outras grandes baías como a nossa utilizam, mundo afora, para fins turísticos, o serviço de pequenos hidroaviões. Esta é uma alternativa que precisamos explorar, incluindo a reativação do antigo Hidroporto da Ribeira, em Salvador. Imaginem a beleza panorâmica que poderia ser desfrutada!

Prédios históricos, de arquitetura monumental aguardam por aproveitamento, como o Convento de São Francisco do Paraguaçu – destino de antiga romaria marítima – e o Engenho Cajaíba, para citar apenas dois dos inúmeros exemplares inventariados ao longo dos anos 1970, sob a liderança de Paulo Ormindo Azevedo. Sem falar nas cidades históricas de Cachoeira e São Felix, assim como Itaparica, São Francisco do Conde, Maragogipe, Nazaré e Jaguaripe, cujos potenciais continuam inexplorados. 

KIRIMURE E não podemos desprezar nem esquecer a integração turística com a vizinha Baía de Camamu, a terceira maior do país.AQUICULTURA E PESCA A resiliência das marisqueiras aí está a nos sugerir, ainda carente de estudos e pesquisas, a existência de um potencial inexplorado para a aquicultura e a pesca – esta, artesanal e esportiva. Com a aquicultura poderemos – e devemos – atender à necessidade de incorporar socioeconomicamente ao processo de desenvolvimento da BTS as centenas e centenas de famílias que têm na mariscagem a sua subsistência, permitindo-as superar o extrativismo e a pobreza. Aqui há um espaço reservado para a academia, integrada à ação social do Estado e de Prefeituras.INSTITUCIONAL O desenvolvimento da economia náutica, do turismo e da aquicultura, aliados à modernização do transporte de passageiros, constituem as bases para a sustentabilidade econômica da BTS, sem conflito com sua sustentabilidade ambiental, mas, ao contrário, permitindo o desenvolvimento de um saudável modelo de metropolização, que inclusive não está contemplado nos estreitos limites da legislação metropolitana nacional.

Tudo isto só se tornará realidade na medida em que se construa um arranjo institucional capaz de congregar, na defesa dos seus mais legítimos interesses, todos os dezoito municípios do entorno. Impõe-se, neste sentido, a criação do Consórcio Intermunicipal da Baía de Todos os Santos, comportando, adicionalmente, a participação do Estado e da União e aberto à  cooperação técnica e à articulação com as redes internacionais dedicadas ao desenvolvimento de baías.

É preciso – se é que isto é possível – recuperar o tempo perdido, deflagrando, da forma mais rápida, um conjunto de ações estratégicas, com base nos cinco segmentos anteriormente referidos, e que envolvam pelo menos, mas não somente: a elaboração de planos setoriais de curto e médio prazos; a realização de estudos e projetos básicos; o zoneamento da Baía de Todos os Santos; a implantação de infraestruturas para o transporte e o turismo; a mobilização do setor privado; o estabelecimento de uma política de incentivos municipais e estadual; a promoção e o marketing turístico.

Tudo isto convergirá para a transformação da Baía de Todos os Santos no novo eixo do desenvolvimento metropolitano de Salvador.

A Bahia não pode continuar ignorando a sua Baía!

** Waldk Ornélas é advogado, especialista em planejamento urbano-regional.

* Notas para pronunciamento no 1º Congresso Baía de Todos os Santos, Kirimure, Capital da Amazônia Azul – COMARK.