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Um passeio contemplativo por Castelo Branco, reduto do grafite em Salvador

Berço de importantes nomes da arte urbana, região tem murais nas vias e vielas. CORREIO indica o que ver por lá

  • Foto do(a) author(a) Hilza Cordeiro
  • Hilza Cordeiro

Publicado em 8 de janeiro de 2022 às 05:24

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO
. por Foto: Nara Gentil/CORREIO

Ocupando quase cem metros de extensão, o paredão de uma antiga fábrica de cerveja na longa Rua Genaro de Carvalho, em Castelo Branco, é uma galeria a céu aberto. Nesta via e nas vielas do entorno, estão obras de inúmeros grafiteiros e grafiteiras de Salvador, alguns nascidos e criados ali mesmo, como Lee 27, Verme, Furo e TárcioV.

Num passeio por lá, tentamos entender as razões que fizeram o local ser destaque no grafite.

Enquanto esperávamos TárcioV concluir a pintura de uma sereia de duas caudas sob o sol de 30ºC, fomos ouvindo os comentários de moradores. Funcionário de um depósito de materiais de construção, o senhorzinho Cláudio Barros nos mostra outros grafites feitos no portão metálico do local onde trabalha. Ele fecha o portão para que possamos ver a arte inteira.

“Ficou bonito, né não? A gente tem que dar valor aos caras. Ó esses detalhes todos, corzinha por corzinha. Eles passam três, quatro tintas, imagine o trabalho que dá? Aqui, a gente sempre dá valor ao que é do bairro. Tá vendo esse comércio movimentado? Ninguém sai daqui para shopping não”, diz. Mural com artes de Eder Muniz, Arts Oliver, Ronah Carraro e Grego (Foto: Nara Gentil/CORREIO) O mural na entrada do depósito retrata a ligação homem-natureza e é de autoria de Eder Muniz, grafiteiro que cresceu na Vila Canária, bairro colado. Um dos maiores nomes da arte urbana na Bahia, Eder foi o organizador do livro Ruas Salvador, publicado este ano. Da união entre ele e Verme, de Castelo Branco, nasceu a crew Calangos de Rua, coletivo dedicado a levar artes plásticas para as comunidades.

Estas articulações foram importantes para que moradores da área abraçassem os grafiteiros. No bairro, é possível ver que muitos estabelecimentos comerciais dispensam banners e letreiros em suas identidades visuais, preferindo fachadas em grafite: bares, lanchonetes, barbearia, pet shop e ponto de conserto de eletrodomésticos.

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Em conversa por telefone, direto dos EUA, Eder Muniz adianta algumas das causas para o desenvolvimento desta arte ali: Castelo Branco é um bairro central, uma espécie de coração para localidades do miolo da cidade. Ele fica próximo a Porto Seco Pirajá, é industrial, mas também habitacional, com vias importantes e largas, o que resulta em boa quantidade de muros disponíveis para pintar.“É um bairro privilegiado em muros grandes. Diferente de outros locais de Salvador, Castelo Branco tem um movimento de grafite movido por artistas locais”, diz.Um dos precursores do grafite por lá, Josenildo Mendes, o Lee 27, de 42 anos, começou a pintar muro no início da década de 1990, rodava por tudo quanto era canto conhecendo gente, coletava referências, treinava e trazia para o bairro. Só lá para o ano de 1999 é que começou a estudar o grafite como “coisa séria”, a partir das oficinas livres do Museu de Arte Moderna (MAM).

“Naquela época, comprei muita briga com a academia porque não éramos aceitos como artistas plásticos, nos viam como vagabundos. Muita coisa aconteceu até hoje e o grafite não está mais só na rua, aparece em novela, filmes, e está presente nas galerias e bienais de arte”, diz.

Lee orgulha-se de ter sido também um dos pioneiros na africanização do grafite, mostrando a beleza estética e de culto das religiões afro-brasileiras. Poucos metros separam dois painéis de sua autoria, que chamam atenção por lá: na lateral de um mercado, há um grafite de Iansã com um búfalo na cabeça; logo adiante, uma casa com Santa Dulce dos Pobres. Santa Dulce dos Pobres em arte de Lee 27 (Foto: Nara Gentil/CORREIO) A safra mais nova do bairro

Grafiteiros como Lee abriram portas e foram referência para o surgimento de novas safras do bairro. Com a camisa suada e já quase no fim do painel que pintou na Rua Genaro de Carvalho, TárcioV, um dos grafiteiros da última geração que topou nos conduzir por lá, faz uma pausa para beber dois copos de água oferecidos pelo pessoal do boteco em frente. 

A água é dada de graça, em sinal de aprovação, já que os clientes que irão se sentar ali nos próximos dias terão vista para a bela Yemanjá de duas caudas que ele desenhou. Nessa pausa para hidratar, uma mulher passa, elogia o trampo e também resmunga sobre pessoas que colam anúncios em cima da arte.“Quando pintamos de forma voluntária, isso faz as pessoas refletirem sobre a questão do cuidado. São contagiadas a tomar a atitude de cuidar do bairro como sua casa. Vemos isso quando começamos a pintar e as pessoas saem de casa para ver, para varrer a porta da frente. Ela quer colaborar, dar um lanche, pagar um refrigerante”, observa Eder.Ao chegar em casa, depois de nos apresentar os murais da vizinhança, Tárcio conta que cresceu vendo Lee 27 pintar muros de colégios. Estudante de escola adventista, coroinha e mais ligado à turma do futebol, ele desenhava umas coisas, mas não estava exatamente encaixado no hip-hop, apesar da curiosidade. Tinha por volta dos 15 anos quando fez o primeiro grafite, a uns 50 metros de casa, e os resquícios do desenho ainda estão lá: um bonequinho tosco com as mãos para trás porque ele não as sabia desenhar.  Mural com arte de Oliver (Foto: Nara Gentil/CORREIO) O que sobrou da ilustração revela como as paredes de Castelo Branco ajudam a contar as histórias de vida desses meninos, seus percursos, percalços e progressos na arte. Depois do ensino médio, Tárcio decidiu pelo curso de Artes Plásticas na Ufba, onde formou.

Desde então, seu trabalho já apareceu na minissérie O Canto da Sereia, da Globo, em uma camisa usada pelo personagem Só Love, vivido pelo ator João Miguel.

TárcioV foi um dos primeiros grafiteiros baianos a fazer a fachada da loja El Cabriton, na famosa Rua Augusta, em São Paulo. A empresa troca de visual todos os meses há mais de dez anos. Na Copa do Mundo de 2014, ele foi um dos artistas selecionados para o Projeto Grande Área, da Funarte, uma proposta que rendeu um belo mural no Sesc Aquidabã. Muro com artes de Verme e Eder Muniz na Rua I (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO) Mulheres e movimento

Nas duas primeiras décadas do movimento do grafite, a cena de Salvador foi dominada por homens, mas as mulheres chegaram e também marcaram presença em Castelo Branco. Quem apostar numa visita lá, vai ver grafites de Isabela Seifarth e Suelen Andrade (Yebá Bëlo), além de pixos de Luna. 

Em breve, aquela região ganhará a Nova Rodoviária de Salvador, em Águas Claras, uma alteração urbana que resultará em mais movimento. Professor de ilustração da Escola de Artes Plásticas da Ufba, Roddolfo Carvalho analisa que as transformações na cidade têm reflexos diretos na arte e vice-versa. Arte de Suelen Andrade, a Yebá Bëlo, em mural na Rua I (Foto: Reprodução/Instagram: @calangoss) De 1980 para cá, muita coisa aconteceu: a população dobrou, houve crescimento desordenado das construções, explosão tecnológica, vida urbana mais intensa e as artes ganharam expressividade com isso. “Os movimentos passaram a ser maiores e tivemos aumento considerável de estudantes nas universidades vindo das periferias. A cidade começa a enxergar os artistas que fazem o grafite como pessoas capazes de transformar o cenário de Salvador”, avalia.Eder Muniz lamenta que haja um desconhecimento e desinteresse local em promover tours pelo Subúrbio. Com frequência, ele traz pesquisadores estrangeiros curiosos em saber sobre as vivências e produções soteropolitanas. Só em Castelo Branco vivem cerca de 33 mil pessoas, um local mais populoso do que 332 municípios baianos, segundo dados do IBGE, e Eder sabe que os murais pintados neste e em outros bairros também são um pedaço da história urbana de Salvador. Mural com arte de Lee 27 (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO) 6 locais de Salvador para admirar os grafites

1. Ladeira da Preguiça, ligação entre a Cidade Alta e Cidade Baixa 2. Cajazeiras 8, Subúrbio 3. Solar do Unhão, Av. Contorno 4. Museu de Street Art de Salvador (Musas), na Gamboa, Av. Contorno  5. 1ª etapa de Castelo Branco, Subúrbio 6. Orla da Ribeira, Cidade Baixa

13 grafiteiros para seguir nas redes

1. Lee 27 - @ebodetinta 2. Verme - @vermephelis14 3. Neto Furone - @netofurone.tattoo 4. TárcioV - @tarciov  5. Eder Muniz - @calangoss 6. Arts Oliver - @artsoliver  7. Yebá Bëló - @_yebabelo 8. Isabela Seifarth - @belaseifarth 9. Sista Kátia - @sistakatia  10. Quel Silveira - @asartesdequel  11. Andressa Monique - @moniquegraffiti  12. Ananda Santana - @srt.as  13. Octa Lopes - @octa_edro 

5 momentos da arte urbana soteropolitana

Por Eder Muniz - Arquivo CORREIO

Anos 1990 – É quando começa o fomento da pixação em Salvador e isso quer dizer: jovens, de maioria periférica, querendo se expressar em uma sociedade elitista e que os mantém até hoje sem espaço em museus.1996 – Há uma efervescência no cenário, a capital começa a ganhar personagens atrelados à pixação. Cada pixador tinha um mascote que virava a assinatura dele, marca registrada.2000 – Acontece um novo boom, a partir da forte influência da cultura hip hop dos Estados Unidos. Salvador começa a contar sua história: passa a falar de cultura afro, indígena e êxodo rural, tendo referência muralista no grafite.  2007 – Surgimento do Salvador Grafita que originalmente nasce do movimento hip hop da Rede Aiyê. O prefeito João Henrique se apossa da ideia e coloca o programa dentro da Limpurb. Chegam materiais novos e marcas específicas para grafite em Salvador, porque antes tudo era feito com o que pintava geladeira e bicicleta, com poucas cores.  2007 a 2011 – Com pontos positivos e negativos, muito foi feito em Salvador com a oportunidade de pintar viadutos e órgãos públicos pelo Salvador Grafita. O grafite começa a mostrar personalidade na capital baiana: a cultura afro passa a ser mais presente, a cor da pele dos personagens muda, passa a ser preta. Foi o início da consolidação da atual cena afro-indígena.