Uma espécie de brisa metafísica

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  • Kátia Borges

Publicado em 13 de junho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Falar de Lis é sempre imenso, em contraponto ao seu tamanho. Enquanto escrevo essa crônica, um riso tonto insiste em flutuar em meu rosto. Não sei de onde vem, nem desejo o domínio dessa alegria. Se alguém me visse assim, mais feliz sem motivos, diria que é um exagero causado pelo período extenso de confinamento. Um ano e meio, a tristeza e seu extremo, os seres humanos desenvolveram antenas invisíveis.

Tenho tido comportamentos bem estranhos nos últimos dias, por exemplo. Numa madrugada de insônia, fiz até uma playlist com clássicos da axé music. Não me surpreenderia, portanto, se algum médico cravasse esse diagnóstico. Ser um sintoma que prenuncia algum distúrbio, essa potência do mundo num universo em ruínas. Diante de uma realidade que escapa a qualquer narrativa sóbria, Lis.

Um amigo define essa sensação amistosa consigo como sendo uma espécie de brisa metafísica. É como sair sem aviso, no meio da semana, em um passeio pelo centro histórico dessa cidade de tantos séculos, eu defino, os olhos percorrendo raridades, as possibilidades de futuro se movendo diante dos olhos, a prestidigitação de um mágico. O ilusionista abre as mãos e, entre elas, surge um pássaro.

Dizem que aqueles que fazem truques apostam na distração das pessoas, dessas artes que não se aprende na escola. O ilusionista enfia as mãos numa cartola e, de dentro dela, salta um coelho. A essa altura, talvez você se pergunte: do que é mesmo que estamos falando? De Lis, claro. Pequenina, ela se esgueirou para dentro de nossas vidas em uma tarde de terça-feira de março, no segundo ano da pandemia.

Quando olhei pela primeira vez para ela, cabeça de maçã, jeito desconfiado, pensei que Deus tem é arte nas coisas. Aquele foi um mês bem difícil no Brasil, muito embora já tivéssemos vacinas disponíveis desde o finalzinho de 2020. Todos os dias, os jornais enfileiravam, diante de nossos olhos, um número assustador de mortos. Os que escapavam ao vírus tombavam diante dos fuzis.

Eu só havia visto um Chihuahua no cinema, quando entramos por engano na sessão de um filme infantil, que ainda por cima era legendado. Os cãezinhos falantes buscavam um que havia desaparecido ou sido sequestrado. Havia algo muito ingênuo e ridículo naquele jogo. Para mim, o jogo havia sido zerado há tempos. Então começa do zero mesmo, como diz Waly Salomão num poema. A pequena Lis chegando em meio à pandemia, quase falante como no filme, estranhando a casa, a vida, o mundo. E eu fiquei com esse sorriso meio besta que não quer deixar meu rosto.