Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa

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  • Kátia Borges

Publicado em 2 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A verdade é que Gertrude não possuía qualquer vinculação com a famosa poeta estadunidense – seria lindo se tivesse um nome inspirado como esse, concordo. Afinal, “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. No entanto, criatura penosa, Gertrude foi uma galinha simples desde sempre. Ave de estimação, criada livre numa casa sem quintal na Cidade Baixa. Chegou por ali pintinho, desses que se comprava na Feira de Água de Meninos por qualquer centavo ou que se ganhava de brinde.

Brinquedos vivos, dezenas deles morreram nas mãos de crianças, sendo imediatamente substituídos por outros. Uma matança em série. Tão lindos e fofos, os pintinhos coloridos viraram moda. Alguns ficaram cegos, outros sobreviveram doentes, intoxicados pela tinta. Mas ninguém se importava muito com eles, e essa prática cruel prosseguiu durante anos. Ainda prossegue? Não duvido. Descarte de frigoríficos, morreriam de um modo ou outro, argumentavam pragmaticamente.

Pragmaticamente. Seres humanos são um pesadelo de que os animais jamais acordam. Alguns até que nos perdoam a ignorância e se aproximam. Contrariando a lógica dos pintos, Gertrude foi um desses. Experimento da infância, ganhou com isso algum tempo e o usou bem do seu modo. Cresceu lentamente, soube aproveitar cada segundo. Na contramão do desespero, abria suas asas brancas em corridas sem nenhum sentido. Confiante, fez-se notar e, ao contrário de outros bichos, virou um incômodo.

A estranheza da menina (onde se viu criar assim uma galinha?), a bichinha correndo livre pelas ruas do bairro, as reclamações descabidas dos vizinhos. Em algum lugar está escrito – acho que li quase todos os contos de Clarice Lispector – que o destino dessas aves de consumo é sempre breve, e dramático, pois não há espaço para que simplesmente cresçam nesse mundo. E ninguém melhor do que Clarice descreve o que vai em seu íntimo, e o mistério disso tudo. Gertrude não escaparia a esta sina. Não foi comida em nosso almoço de domingo. Apenas desapareceu de repente, levada por um parente para uma pequena cidade do interior da Bahia.