Unidos pela coleta seletiva

Workshop lançou as sementes para um plano de gestão de resíduos sólidos para Salvador em que o cidadão seja parte atuante

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 5 de setembro de 2017 às 15:26

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/CORREIO

Quando a sociedade se une de maneira voluntária para solucionar os problemas cotidianos nas cidades, o resultado certamente determina uma convivência mais harmônica entre os indivíduos e o ambiente ao redor. Unidos, diferentes setores da sociedade civil se colocaram à disposição para discutir e propor saídas para um dos grandes transtornos da dinâmica urbana: a gestão dos resíduos sólidos. Com 25 convidados, o workshop Mapa do Lixo Zero: Conexões inovadoras para engajar o cidadão na coleta seletiva – facilitado pelas consultoras Iracema Marques (SER) e Lucenir Gomes (Fundación Avina) – debateu as responsabilidades de cada setor neste processo, reconhecendo como essencial a necessidade de incentivar a ação individual e familiar nas residências. O evento fez parte da programação do seminário Cidades, no Fórum Agenda Bahia 2017.   Cidadãos, cooperativas, empresas e poder público revelaram interesse em fazer de Salvador uma cidade melhor, conscientes de que a responsabilidade não é de apenas um, mas coletiva e compartilhada. “Nós precisamos olhar toda a cadeia de resíduos, da geração ao descarte adequado, incluindo aí obviamente o catador de material reciclável e criando condições para o cidadão exercer o seu papel de corresponsabilidade nesse processo. Não existe mais isso de jogar fora e o que nós queremos é promover ações para que uma mudança de cultura aconteça”, defende Lucenir.   Neste caminho, é preciso substituir a insustentável lógica do “extrair, transformar e descartar” pela do “reduzir, reutilizar e reciclar”. De acordo com Iracema, quando se fala em resíduos, existe uma certa resistência por parte das pessoas, que costumam criar desculpas como distância, falta de tempo, incômodo com mau cheiro, entre outras. “Ninguém reconhece tão facilmente que é preciso fazer a seleção. É por isso que nós precisamos traçar um perfil desses indivíduos e entender em quais contextos eles estão inseridos”, comentou.  Praticidade x Comodidade

Matheus Mendonça, idealizador do projeto paulista Rua Lixo Zero, acrescenta que é preciso existir praticidade para o cidadão, mas também ressalta que estes têm que ter postura mais ativa. “Concordo em dar facilidade, mas não temos que nos apegar somente a isso. Se não trabalharmos essa lógica de desacomodar, se não levarmos o lixo na porta do condomínio, vamos nos afogar em casa”.

Na residência da cidadã Clara Guimarães, uma das convidadas, a atitude e preocupação com o lixo limitava-se à separação entre o reciclável e o orgânico. “Eu não sabia nada sobre o assunto e comecei a me interessar e pesquisar pelo tema recentemente. Acho que o interesse tem que partir de cada pessoa, mas também acredito que existem poucas fontes que nos incentivam a buscar e entender isso. Eu só fazia o básico, não sabia como a coisa era distribuída fora de casa”, contou ela. Grupo de trabalho vai se reunir novamente para continuar construção de um mapa do "lixo zero" para Salvador  (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)  Mudança de cultura

Neste sentido, para desencadear a esperada mudança de comportamento na nossa relação com o lixo, a professora de Química do Colégio Gregor Mendel, Carolina Amary, acredita que é preciso haver mobilização constante. “Porque a pessoa se interessa e se sensibiliza ali no momento de uma campanha, mas depois vêm outras coisas para se sensibilizar e essa preocupação passa, então é preciso estar sempre mobilizando”, argumentou.   Para Otávio Leme, assessor técnico da Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava (Caec), a sociedade como um todo precisa evoluir o pensamento em relação aos resíduos. “As pessoas estão engatinhando, achando que separar o lixo é uma boa ação, mas é obrigação”, combateu. Como alternativa para um melhor reaproveitamento dos resíduos, o assessor sugeriu que, ao invés de se pagar para enterrar os materiais no aterro – sim, você paga por este serviço numa taxa inclusa no IPTU –, o dinheiro seja destinado a investir na coleta seletiva feita por cooperativas.  Alternativas empresariais

Desmistificando o problema do lixo como uma competência exclusiva da administração pública, Fabiano Mehmeri, coordenador de Desenvolvimento Socioambiental do Grupo JCPM, que administra o Salvador Shopping argumenta que a coleta seletiva é básica e que “hoje, quem não faz a separação do lixo está fora de moda”, brinca. Como um dos maiores geradores de resíduos da cidade, o empreendimento estabeleceu parcerias com duas cooperativas de catadores, sendo uma delas a Caec, para as quais doa todo o material descartado pelos lojistas.   Ainda conforme o coordenador, este ano, o shopping receberá o projeto Teto Verde, uma espécie de jardim no teto do estabelecimento – uma elogiada iniciativa que vem se popularizando entre as empresas de todo o mundo como compensação ao meio ambiente, uma vez que a vegetação melhora a qualidade do ar e diminui os níveis de temperatura. E o lixo tem um papel definitivo nesta ação, já que as composteiras – caixas de armazenamento de material orgânico para produção de adubo – serão abastecidas pelos resíduos da praça de alimentação.   Outro projeto bastante popular é o Vale Luz da Coelba, que prevê descontos na conta de energia a partir da entrega de resíduos sólidos. A própria empresa reconhece que o benefício é voltado para as pessoas de baixa renda e não tem muita adesão da classe média. Kellen Ribas, da Cicla Brasil, argumenta que nem todo mundo se sente engajado recebendo dinheiro e, por isso, é importante “diversificar as soluções para aumentar a quantidade de perfis que se consegue atingir”, analisou.  Outros cenários

Em se tratando de Nordeste, que não é uma região tão industrial como o Sul e Sudeste do país, Iracema Marques ressalta a importância de se estimular o reaproveitamento do lixo por aqui. “Levar o material para o sul tem todo um custo logístico, o que encarece as coisas para nossa região. Então, o nosso desafio aqui no Nordeste é muito maior”, lembrou.   Ainda citando o cenário do lixo em outros locais do mundo, a consultora compara a Alemanha com a capital inglesa, na qual o sistema de fiscalização é rigoroso, com penalidades para quem joga lixo no chão. “Em Londres, se você não anda na linha, toma multa. Já na Alemanha, existe um modelo de recompensa em dinheiro para quem faz o destino certo. Então, temos que nos perguntar: Será que esses modelos se encerram em si mesmos?”, provoca.  Realidade local

Em Salvador, a Limpurb, responsável pela limpeza da cidade, conta com 90 caminhões e 157 roteiros de coleta no sistema porta-a-porta, além de Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). De acordo com Rosa Amália Campos, chefe de planejamento da instituição, por dia, a prefeitura gasta R$ 1 milhão com a coleta geral de lixo, mesmo contando com o apoio de 18 cooperativas da cidade. “Nós queremos ampliar a quantidade dos veículos e colocar mais apoio logístico para as cooperativas. Atualmente, existem quatro caminhões com motorista que são emprestados às cooperativas uma vez por semana para cada uma, mas sabemos que a demanda é maior”, reconheceu.

Ainda segundo Lucenir, a chegada de programas como o Salvador 360 é uma grande oportunidade para a sociedade soteropolitana se engajar em espaços de discussão. “O lixo está também estreitamente ligado à questão de saúde pública, então precisamos entender que quanto mais descarte incorreto, mais gastos públicos com saúde, já que muitas epidemias são provocadas através dele”, disse.

A representante do movimento Canteiros Coletivos, Débora Didonê, compartilha da mesma opinião. “As soluções têm que estar ligadas à ideia de fazer com que as pessoas se sintam parte da gestão da cidade. Se elas querem praças, se precisam de áreas verdes, ao ar livre, vamos incentivar que ajudem a formatar o espaço público”, ponderou.

Soluções

Entre as propostas de intervenção apresentadas, destacaram-se as sugestões de poder aprender com as práticas das cooperativas; criar diversidade de soluções considerando os diferentes perfis e contextos dos indivíduos; fazer ações de comunicação espetaculares, próprias para a inserção na mídia; substituição de aterros por reciclagem; criação de cláusulas contratuais para que empresas implantem gestão ambiental; maior incentivo ao consumo consciente; engajamento familiar e criação de indicadores para acompanhamento dos avanços.

O grupo envolvido no workshop ainda realizará um novo encontro para dar continuidade à busca por soluções para conscientizar e inserir o cidadão cada vez mais na coleta seletiva. Após este encontro, as proposições apresentadas serão compiladas em um plano de trabalho que deverá orientar projetos inovadores para a cidade. 

O Fórum Agenda Bahia 2017 é uma realização do CORREIO, com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; patrocínio da Braskem, Coelba e Odebrecht; e apoio da Revita.