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Projeto Comprova
Publicado em 27 de agosto de 2021 às 18:45
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Vídeo postado pelo médico Roberto Zeballos no Instagram com informações enganosas sobre a pandemia, como a de que as vacinas não têm eficácia contra a variante delta. São enganosas as afirmações do médico Roberto Zeballos em vídeo postado em seu perfil no Instagram em 10 de agosto sobre a covid-19. Já na legenda ele minimiza a importância da variante delta ao escrever que ela “é pouco agressiva”. Identificada no Brasil em maio, ela já matou ao menos 50 pessoas por aqui. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela circula em mais de 111 países e pesquisas mostram que ela tem nível de transmissibilidade cerca de 50% maior do que as variantes anteriores do Sars-CoV-2.>
Ainda sobre a delta, Zeballos também erra ao dizer que as vacinas disponíveis até agora não funcionam contra ela. É verdade que os imunizantes foram desenvolvidos quando a variante ainda não circulava, mas eles são, sim, eficazes contra a delta. “É importante ressaltar que todos os agentes imunizantes disponíveis para aplicação no Brasil são eficazes contra a delta, principalmente nas formas mais graves da doença”, informa o Ministério da Saúde.>
Outra desinformação dita pelo médico no vídeo é a de que crianças não desenvolvem a covid-19 e não a transmitem. Embora transmitam menos do que os adultos, elas transmitem – como informa o Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, elas “podem ser infectadas, podem ficar doentes e podem espalhar o vírus para outras pessoas”.>
Procurado, Zeballos afirmou ter sido “o primeiro brasileiro a entender o mecanismo da doença” e declarou que “não tem sentido você vacinar com uma vacina que não é livre de riscos – todo mundo sabe disso – nas pessoas que já tiveram a doença”, mas, completou que “talvez as pessoas tenham o benefício de ter uma doença mais leve”.>
O Comprova considerou a publicação do médico enganosa porque ele usa dados incorretos ou imprecisos sobre a variante delta e sobre a vacinação.>
Como verificamos? Depois de assistir ao vídeo, o Comprova buscou informações a respeito da variante delta do coronavírus em órgãos reguladores oficiais, como o CDC, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as Américas, o Ministério da Saúde do Brasil, farmacêuticas e institutos produtores de vacina, além da imprensa.>
Para verificar informações sobre a vacinação nos três países citados por Zeballos – Islândia, Itália e Alemanha –, foram consultadas informações sobre a aplicação dos imunizantes na plataforma Our World in Data, mantida por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e ainda nos sites oficiais de governo dos três países.>
Também foram consultados documentos oficiais sobre a aplicação de vacinas em pessoas que já tiveram a covid-19 tanto na Itália quanto na Alemanha. Os ministérios da Saúde dos dois países foram consultados por e-mail.>
Por fim, o Comprova entrou em contato com o médico Roberto Zeballos, autor do vídeo, por WhatsApp. Ele respondeu por áudio.>
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de agosto de 2021.>
Verificação A variante delta No vídeo, Zeballos declara que a delta “é menos agressiva do que a primeira (variante)” e que, por isso, “vai dar para tratar todo mundo em casa”. Ambas as afirmações são enganosas.>
Segundo o CDC, “dados sugerem que a variante delta pode causar doenças mais graves do que as cepas anteriores em pessoas não vacinadas” e que “em dois estudos diferentes do Canadá e da Escócia, os pacientes infectados com essa variante eram mais propensos a serem hospitalizados do que os pacientes infectados com a alfa ou as cepas originais do vírus”.>
O órgão ressalta que, diferentemente das cepas anteriores, que produziam menos vírus em pessoas totalmente vacinadas em relação às não imunizadas, a delta “parece produzir a mesma alta quantidade de vírus” nos dois casos – e, como as outras variantes, a quantidade de vírus da delta diminui mais rapidamente nos pacientes que se vacinaram.>
Em 27 de junho, o Brasil registrou a primeira morte em decorrência dela e, em 20 de julho, o país já registrava cinco óbitos, segundo o Ministério da Saúde – ressaltando que a cepa foi identificada pela primeira vez por aqui em maio. Em 25 de agosto, já eram 50 óbitos, mas o número pode estar subestimado, já que a identificação desta variante depende de sequenciamento genético.>
Sobre a afirmação de que “vai dar para tratar todo mundo em casa”, não é o que mostra documento de 8 de agosto divulgado pela Opas, da OMS. Nele, o órgão informa que “em nível global, se observam vários países com aumento de casos e de hospitalizações, com a emergência da variante de preocupação delta” e que “estudo recente no Reino Unido estimou que o risco de internação hospitalar foi aproximadamente dobrado naqueles com a delta quando comparado à alfa”. E, como escreveu o médico Drauzio Varella na Folha em 30 de junho, “a necessidade de hospitalização está diretamente ligada ao aumento da mortalidade”.>
A variante e a vacina Outra desinformação dita por Zeballos é quando ele questiona por que vacinar com um produto que é “para o primeiro vírus” e relaciona a imunização a enxugar gelo no caso da delta.>
Os imunizantes realmente foram desenvolvidos quando a delta ainda não circulava, mas, diferentemente do que ele diz, a variante não é um segundo vírus, mas, sim, uma mutação do vírus original, como informa reportagem da Folha. Em resposta ao Comprova, o médico disse não ter dito que eram vírus diferentes.>
Já está provado que as vacinas em uso em diversos locais, inclusive no Brasil, são eficazes contra essa variante. De acordo com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, por exemplo, a vacina “é eficaz contra casos graves de covid-19 causados pela delta”.>
Na semana passada, um estudo da Universidade de Oxford, na Inglaterra, concluiu que as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca – que no Brasil tem parceria com a Fiocruz – são eficazes contra a variante delta, embora a proteção tenda a cair com o tempo, como mostrou essa matéria do Estadão.>
Já um estudo feito na África do Sul, com resultados divulgados no início do mês, apontou que a vacina da Janssen, de dose única, reduziu em 71% as internações de pessoas infectadas com a variante delta e diminuiu as mortes em 95%.>
As crianças Como crianças “não evoluem com a doença” e “não são transmissoras”, “não tem sentido vacinar”, desinforma, novamente, Zeballos, no trecho final do vídeo.>
É verdade que os estudos, até agora, indicam que elas transmitem menos, mas transmitem. A pesquisa “A dinâmica da infecção por Sars-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma favela no Rio de Janeiro”, da Fiocruz, da Universidade da Califórnia e da London School of Hygiene and Tropical Medicine, por exemplo, indica que elas mais frequentemente são infectadas por adultos do que atuam como transmissoras.>
Já um outro estudo, publicado no dia 16 na revista científica Journal of the American Medical Association (Jama), revela que bebês de 0 a 3 anos apresentam mais chance de transmitir o Sars-CoV-2 em casa do que adolescentes de 14 a 17 anos.>
Mas, como informa o CDC, elas “podem ser infectadas, podem ficar doentes e podem espalhar o vírus para outras pessoas”.>
Dizer que elas não evoluem com a doença também é uma desinformação perigosa, pois não se pode generalizar. De acordo com documento da Unicef, “crianças de qualquer idade podem ficar doentes com covid-19” e, “embora crianças e adultos apresentem sintomas semelhantes, as crianças geralmente apresentam doenças menos graves do que os adultos”.>
Elas podem, inclusive, e infelizmente, morrer da doença. Segundo o CDC, 271 óbitos entre pessoas de 5 a 17 anos e 120 entre aquelas de 0 a 4 anos foram relatados ao Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos até 7 de julho de 2021.>
Outro dado: levantamento do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 indica que houve mais de 10 mil casos graves da doença e 846 óbitos de crianças de até dois anos no Brasil entre março de 2020 e 11 de julho de 2021 – um terço dos bebês que morreram não tiveram acesso a tratamento adequado.>
Sobre as vacinas, por ora, elas estão sendo aplicadas em adolescentes de 12 a 17 anos em vários países, inclusive no Brasil – o estado de São Paulo, por exemplo, começou a imunizar esta faixa etária neste mês com a Pfizer (cujo uso para menores de idade foi autorizado pela Anvisa).>
Em crianças menores, apenas a China está aplicando. Por lá, estão sendo imunizadas com a Coronavac pessoas a partir de 3 anos, mas não há dados de quantas crianças já receberam as doses.>
No Brasil, a Anvisa negou no dia 18 o aval para o uso da Coronavac em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos – técnicos disseram que faltam dados para confirmar a segurança e eficácia nesta faixa etária, e a decisão pode ser revista.>
Vacinação e novos casos na Islândia No vídeo, Zeballos afirma que a Islândia “vacinou todo mundo” e que 77% dos novos casos no país são em pessoas vacinadas. Embora a Islândia já tenha vacinado um percentual elevado de sua população, não é possível dizer que o país tenha vacinado “todo mundo”.>
Segundo dados da plataforma Our World in Data, a Islândia aplicou pelo menos uma das doses de vacina em 81,24% da população. Os dados foram atualizados no dia 26 de agosto. Também segundo a plataforma, 76,7% dos habitantes do país receberam as duas doses e 4,54% receberam apenas a primeira dose do imunizante.>
Já os dados divulgados diretamente na página do governo da Islândia informam que, até o dia 27 de agosto, 72% de toda a população do país estava completamente vacinada. Quando considerados os habitantes maiores de 12 anos, esse percentual subiu para 84%.>
Sobre a afirmação de que 77% dos novos casos de covid-19 na Islândia são de pessoas vacinadas, ele não informa uma data de referência para esse percentual. No dia 10 de agosto, quando o vídeo foi publicado, 84 novos casos foram registrados no país – 60,7% (51) eram de pessoas totalmente vacinadas, informa um painel estatístico alimentado pelo governo islandês.>
Neste dia, não foram registrados casos em pessoas que tinham recebido apenas a primeira dose da vacina. Pessoas não vacinadas eram 39,2% (33) do total de novos casos neste mesmo dia.>
Considerando todos os novos casos do mês de agosto até o dia 10, o percentual de diagnósticos em pessoas completamente vacinadas foi de 61,8%. Nesse período, o único dia em que a Islândia teve um percentual de 77% de novos casos em pessoas vacinadas foi no dia 1º de agosto (51 dos 66 novos casos).>
Contudo, como o Comprova já mostrou em outra verificação, quando a maioria das pessoas em um determinado lugar já está vacinada, é esperado que a maior parte das infecções ocorra entre este público. Quem explica isso é Muge Cevik, professor clínico de doenças infecciosas e virologia médica na Universidade de St. Andrews.>
Vacinação para quem já teve covid-19 na Itália e Alemanha Ao falar sobre a vacinação de pessoas que já tiveram a doença, Zeballos recomenda que essas pessoas não busquem se vacinar imediatamente e cita os casos da Itália e da Alemanha, afirmando que, nestes dois países, só é recomendada a aplicação de uma dose da vacina para quem já foi infectado pelo coronavírus, entre seis e doze meses após a infecção. Antes disso, o médico afirma que há uma suspeita de que a resposta imunológica “pode estar fazendo mais mal do que bem”.>
De fato, Itália e Alemanha recomendam a aplicação de uma só dose da vacina em pessoas que já tiveram covid-19, mas há uma diferença no prazo recomendado pelos alemães. Além disso, os dois países fazem uma ressalva nessa recomendação para casos de pessoas com imunodeficiência e nenhum deles afirma que a vacina pode ser prejudicial para quem já contraiu a doença.>
A recomendação da Itália por uma única dose para pessoas que já tiveram covid-19 foi atualizada no dia 21 de julho. A informação consta em uma circular assinada pelo diretor-geral de prevenção do Ministério da Saúde italiano, o médico Giovanni Rezza. De acordo com o documento, a dose única deve ser tomada no mínimo seis meses após a infecção e no máximo 12 meses após a cura. O documento segue a mesma linha de outra recomendação feita pelo mesmo Ministério da Saúde no dia 3 de março de 2021, mas com uma alteração nos prazos. O documento anterior dizia que esta dose única deveria ser tomada entre três meses após a infecção e seis meses após a cura.>
Em ambas as recomendações há um adendo: pessoas com imunodeficiência devem seguir normalmente o esquema vacinal e não se aplicam à recomendação de uma dose única do imunizante. A circular também informa que, assim como recomenda a OMS, a realização de testes sorológicos para contagem de anticorpos não devem ser usados como referencial para tomada de decisão sobre se vacinar.>
No dia seguinte ao anúncio da Itália, a CNN ouviu o infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), que atribuiu a decisão a uma escassez de vacinas, como uma tentativa de melhorar a cobertura vacinal.>
O Comprova procurou o Ministério da Saúde da Itália para saber por que a aplicação de uma única dose foi adotada no país para pessoas que já tiveram covid e se há alguma relação com um eventual malefício provocado pela resposta imune, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.>
Por e-mail, o Ministério da Saúde da Alemanha também confirmou que o país recomenda a aplicação de uma só dose do imunizante em pessoas que já tiveram a covid-19. Na Alemanha, as decisões a respeito da pandemia são tomadas pelo Instituto Robert Koch (RKI). Já as recomendações sobre vacinação ficam a cargo de um painel independente de especialistas chamado Comitê Permanente de Vacinação (STIKO).>
Diferente dos prazos apontados pela Itália, os alemães com infecções sintomáticas podem tomar uma dose da vacina a partir de quatro semanas após o fim dos sintomas. Já aqueles com infecção assintomática podem se vacinar a partir de quatro semanas após o diagnóstico por laboratório. Quem já se vacinou e contraiu a covid-19 após a imunização deve, geralmente, tomar uma segunda dose da vacina seis meses após o fim dos sintomas ou do diagnóstico.>
O Ministério da Saúde alemão explica por que considera que uma só dose é suficiente em quem já teve a doença: “Devido à imunidade existente após infecção anterior, uma dose é suficiente, pois já pode atingir altas concentrações de anticorpos, que não são ainda mais aumentadas por uma segunda dose de vacina”. Em nota, o ministério afirma que não é possível dizer, ainda, se duas doses não serão necessárias posteriormente. Sobre pessoas imunodeprimidas, afirma que é necessário analisar “caso a caso”.>
O ministério negou que a decisão tenha a ver com um eventual malefício provocado pela resposta imunológica. “No geral, os resultados do estudo disponíveis até agora não indicam que a vacinação após uma infecção pelo Sars-CoV-2 seria problemática ou associada a perigos. Isso se aplica à segurança, eficácia e tolerabilidade da vacinação. Os estudos de aprovação das duas vacinas de mRNA [RNA mensageiro, como a Pfizer e a Moderna] também incluíram participantes que já haviam sido submetidos à infecção pelo Sars-CoV-2 com antecedência”, diz a nota.>
O médico Conteúdos divulgados por Zeballos já foram alvo de checagens do Comprova na pandemia. A mais recente é de 5 de agosto, sobre material enganoso que usava supostos dados do Ministério da Saúde de Israel para afirmar que pessoas infectadas pela covid-19 estão sete vezes mais protegidas do que aquelas que não tiveram a doença e foram imunizadas com a vacina da Pfizer.>
Ele respondeu a reportagem com um áudio no WhatsApp reafirmando as falas do vídeo no Instagram. Citou a crise de Manaus, dizendo que, na época, “vacinados, não vacinados… eram casos graves”, mas o caos no estado amazonense começou em dezembro e se agravou em janeiro – os imunizantes só começaram a ser aplicados no Brasil em 19 de janeiro.>
Por que investigamos? Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O vídeo verificado aqui teve mais de 189 mil curtidas no Instagram desde que foi postado, no dia 10 de agosto.>
Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.>
O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização e variante delta, como, por exemplo, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que médica engana ao afirmar que vacinas são experimentais, que site antivacina inventa dado sobre efeito colateral em crianças imunizadas com Pfizer e que médica usa dados fora de contexto de hospital de Israel para acusar CDC de mentir sobre covid em pessoas não vacinadas.>
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 33 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas do CORREIO e Folha de S.Paulo, e validada, através do processo de crosscheck, por cinco veículos: Correio de Carajás, Jornal do Commércio, Alma Preta, Estadão e Poder 360.>