Veja lista com dez livros para ler e entender o Brasil em 2020

Em diversas narrativas, autores tratam desde relações de gênero até intolerância religiosa

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  • Kátia Borges

Publicado em 5 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O ano está apenas começando, mas temos pela frente o desafio de entender (e viver em) um mundo que se reinventa, seguindo um fluxo vertiginoso de mudanças. Como nem sempre é para frente que se anda, os discursos de ódio estão na ordem do dia. Não mais restritas aos grupos da deep web, vociferações eivadas de preconceitos ganharam corpo e criam enfrentamentos cotidianos para as pessoas em situação de vulnerabilidade social e minorias. O relógio do planeta também parece estar louco e termos considerados históricos deixaram seus túmulos para rondar o nosso século. Selecionamos dez livros (e mais dois) para ler o Brasil em 2020 que farão com que você deixe a sua zona de conforto.

Essa gente Quem acompanha a trajetória de Chico Buarque na literatura, assim como na música, sabe o quanto ele é um artista necessário em qualquer época. Em Essa gente, seu novo romance, o protagonista é um escritor brasileiro relativamente famoso. Autor de vários livros e de um best-seller, Manuel Duarte atravessa uma crise amorosa e de criatividade enquanto tenta sobreviver sem muito dinheiro em um Rio de Janeiro tão confuso e caótico quanto ele. Uma cidade violenta, diga-se, a despeito da manutenção de uma cordialidade quase irônica. A narrativa se desenvolve a partir de anotações temporais, como em um diário fragmentado da realidade – ou seria o esboço de um novo romance?Serviço: Cia. das Letras, 200 págias, R$ 39 Torto Arado O fato de ter sido premiado na Europa, embora relevante, torna-se um feito menor diante da bela narrativa construída por Itamar Vieira Junior em Torto Arado. É a força inquietante de sua prosa que tem conquistado críticos literários no Brasil e em outros países (sucesso em Portugal, o livro ganhou também versão italiana). Conduzidos com mão firme pelo autor, em um romance que une a magia das tradições orais à mais cruel das realidades humanas – o trabalho análogo à escravidão –, os leitores são convidados a partilhar o universo quase onírico da região de Água Preta e de seus moradores, trabalhadores rurais explorados por seus patrões. Brasil raiz, escritor idem.Serviço: Todavia, 264 páginas, R$ 54,90 Marrom e amarelo  O colorismo e as cotas estão no centro do novo romance de Paulo Scott, escritor que transita com desenvoltura entre a poesia e a prosa. Ao narrar a história de dois irmãos, Federico e Lourenço, negros com tons de pele diferentes, Scott traça em Marrom e amarelo um retrato sem retoques de um Brasil ainda envolto por uma injustificável cultura escravagista, que se reflete na hierarquia cromática. Aos seis anos, os garotos aprendem o que é o racismo, quando ainda na escola primária, no sul do país, coleguinhas e até mesmo professores fazem distinção entre os dois. O narrador é o “quase branco” Federico, convidado pelo governo a elaborar um software de reconhecimento racial.Serviço: Alfaguara, 160 páginas, R$ 40 Ideias para adiar o fim do mundo O questionamento da ideia de uma humanidade construída como oposição entre diferenças culturais – na qual se sustenta a dominação dos brancos europeus – é a base deste livro de Ailton Krenak, uma das maiores lideranças indígenas do país. Ideias para adiar o fim do mundo é a compilação de duas palestras proferidas por ele, em 2017 e em 2019,  em torno de temas essenciais para compreender a relação entre os seres humanos e o Meio Ambiente, a partir do que esta relação tem de mais ancestral, e dos conflitos entre progresso e preservação, que têm origem em um “processo de abstração civilizatória” que nos roubou o prazer de viver e nos distanciou do sagrado.Serviço: Cia. Das Letras, 64 páginas, R$ 24,90 O Nome do Mapa e Outros Mitos de um Tempo Chamado Aflição Um poema que fale do tempo que habitamos, esse hoje costurado com as linhas do passado em nosso peito. Foi nessa tessitura, sempre um desafio, que a poeta baiana Clarissa Macedo gestou O nome do mapa. Lançado no final do ano passado, o livro dá continuidade a uma carreira poética iniciada com a plaquete O trem vermelho que partiu das cinzas e o livro Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Academia de Letras da Bahia), ambos publicados em 2014 – há uma segunda edição do primeiro livro da autora pela editora Penalux (2017). Fome, violência, desamparo e esperança pontuam os versos que tentam dar conta de um tempo em que até as gaivotas voam solitariamente.Serviço: Ofícios Terrestres, 119 páginas R$ 35 Um exu em nova York  Vencedor do Prêmio Fundação Biblioteca Nacional 2019, Um exu em Nova York também esteve entre os dez semifinalistas do Jabuti no ano passado. Mineira, com uma pintada de Bahia nas veias e radicada em São Paulo, a escritora Cidinha da Silva estreia no gênero conto, após trezes outros livros. E que boa estreia! Em suas 19 narrativas, questões contemporâneas – que vão das relações de gênero à intolerância religiosa – são atravessadas pela ancestralidade africana numa vigorosa prosa, repleta de referências religiosas, lendas mágicas e das marcas que tornam a realidade enfrentada pelos negros um exercício diário de dignidade e coragem.Serviço: Pallas, 80 páginas, R$ 28 Sobre o autoritarismo brasileiro Quando se trata de Lilia Moritz Schwarcz, indicar apenas um livro é quase impossível. Escolhemos, entre os vários títulos relevantes da autora, o seu trabalho mais recente. Lançado em maio do ano passado, Sobre o autoritarismo brasileiro propõe um mergulho nas estruturas simbólicas do poder no Brasil, desde a Colônia, como forma de entender o país com que lidamos no presente. Em oito capítulo, Lilia examina, numa perspectiva histórica, e a partir de dados estatísticos, temas como escravidão e racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça, gênero e intolerância. “História não é bula de remédio”, escreve. A cura, talvez.Serviço: Cia. Das Letras, 280 páginas, R$ 39 Onde estão as bombas A carioca Tatiana Pequeno chega ao seu terceiro livro como uma das principais vozes da poesia contemporânea brasileira. Quer saber por quê? Leia Onde estão as bombas. Dessas explosões que não deixam ninguém descansar à sombra. Moradora da periferia do Rio de Janeiro, desde a infância, hoje professora de literatura, a poeta desarma cada artefato de pesadelo com lirismo e assombro. Seus versos dedilham o caos de uma cidade que já acorda ao som de tiros em algum bairro da zona norte e nos convidam a contemplar uma mãe pedinte, dessas passantes, que a persegue até em casa, com seu lamento por moedas e esquecimento. É pela lembrança que se vive e que se escreve.Serviço: Macondo, 112 páginas, R$ 40 Memórias da Plantação – Episódios de racismo cotidiano “Pode o subalterno falar?”, questionava a indiana Gayatri Spivak em seu artigo, em 1985. No primeiro capítulo de Memórias da plantação – que liderou a lista dos livros mais vendidos durante a Flip 2019 –, a performer, pesquisadora e escritora portuguesa Grada Kilomba resgata a história da máscara que os negros escravizados eram obrigados a usar, cobrindo-lhes a boca, e travando seus maxilares, como símbolo do silenciamento cruel a que foram submetidos. Compilação de vários artigos escritos pela autora, a partir de 2008, o livro desmonta a naturalização do racismo, a partir de análises criteriosas e fascinantes das bases históricas e psicanalíticas da discriminação racial.Cobogô, 248 páginas, R$ 48 As margens do paraíso A construção de Brasília, cidade-símbolo de um governo e de uma época, é o pano de fundo de As margens do paraíso, de Lima Trindade. Brasiliense radicado em Salvador, o escritor estrutura seu romance a partir de três personagens – Leda, Rubem e Zaqueu – cujas vidas se entrelaçam à história da sonhada e planejada capital do país. Lima Trindade o faz de tal modo – conduzindo o leitor, a um só tempo, de modo suave e firme –, que entre as quase trezentas páginas deste livro atravessamos sentimentos que vão da esperança quase irracional no futuro ao desencantamento político, uma das mais perfeitas traduções desta vertigem brasileira, que é vivenciada ainda hoje.Serviço: Cepe, 272 páginas, R$ 28,35 E mais doisPor cima do mar Vencedor do Prêmio Casa de Las Américas 2019, Por cima do mar marca a estreia da jornalista, poeta e artista visual Deborah Dornellas no romance. Em quase quatrocentas páginas, Dornellas narra a trajetória de Lígia Vitalina, nascida pobre e negra na periferia de uma Brasília recém-construída e que, já adulta e formada em história, decide buscar suas origens em Benguela, Angola. A opressão, como pano de fundo histórico, atravessa toda a trama, que relembra, em um de seus trechos, a invasão do “Baile do Quarentão”, em Ceilândia, em 1986, quando policiais gritaram, antes de começar a atirar, “branco sai, preto fica”. Mais contemporâneo, impossível.Serviço: Patuá, 360 páginas, R$ 50 A estética da indiferença  Segundo romance de uma trilogia intitulada Gerônimo, A estética da indiferença tem como cenário um fictício condomínio de luxo, o Amaravati, no qual alguns habitantes da cidade de Cromane, entre eles o casal de protagonistas Michi e Hana, bancam o tédio de uma vida  em segurança e felicidade plena, universo no qual o dinheiro dita o caráter  tão artificial que é impossível distinguir o que é “de verdade”. Com a habilidade já demonstrada em outros romances, Sidney Rocha conduz a trama com uma ironia deliciosa a partir da narração de Michi, que descreve maravilhado o local onde mora, que possui “(...) guaritas com as melhores armas e a tecnologia atualizada 24 horas”.Serviço: Iluminuras, 246 p, R$ 62