Vendas do varejo na Bahia têm queda de 4,3% em 2020, pior resultado desde 2016 

Segmento de vestuário e de livros e papelaria tiveram maior queda, aponta pesquisa do IBGE 

  • Foto do(a) author(a) Marcela Vilar
  • Marcela Vilar

Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

O ano de 2020 acabou, mas deixou amargas consequências no comércio varejista da Bahia. O estado teve a maior queda anual de 4,3%, desde 2016, segundo dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgados, nesta quarta-feira (10), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse percentual foi o terceiro pior do Brasil, atrás somente do Ceará e Distrito Federal, que tiveram recuo de 5,8% e 4,9%, respectivamente. A realidade da Bahia foi na contramão da do Brasil, onde as vendas cresceram 1,2%. Roraima (15,8%), Piauí (14,1%) e Pará (13,5%) foram os estados que registraram os maiores crescimentos.   

No mês de dezembro em relação a novembro de 2020, a baixa no comércio baiano também foi de 4,3%. Ao comparar esta taxa à de 2019, a retração no varejo foi ainda pior: de 6,6%, o segundo pior resultado entre as unidades federativas do país, perdendo somente para o Tocantins (-8,4%).  

De acordo com o IBGE, seis dos oito segmentos analisados tiveram queda em 2020. O que mais sofreu em 2020 foi o de livros, jornais, revistas e papelaria, que caíram 41,6% nas vendas. A livraria Saraiva, por exemplo, fechou as portas das quatro unidades que tinha em Salvador, 14 anos depois de ter inaugurado. Já a livraria Cultura reduziu bastante o tamanho da primeira loja, aberta em 2010, no Salvador Shopping.  

Em segundo lugar, a categoria que mais apresentou queda foi a de vestuário, tecidos e calçados: a retração foi de 28,8% no ano passado - o pior ano desde 2001, quando se iniciou a pesquisa. As baixas foram mais expressivas entre os meses de março a setembro, em função do fechamento do comércio como medida de combate à pandemia do novo coronavírus. A pesquisa, no entanto, não leva em consideração influências sazonais, como Black Friday, Natal e outras datas comemorativas.  Segmento de calçados, vestuário e tecidos acumulou queda de 28,8% em 2020. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil Para o consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze, os resultados são piores do que os esperados. Ele atribui a queda ao fim do auxílio emergencial do governo federal. "A gente esperava que o segundo semestre rendesse mais, mas, o auxílio emergencial foi crucial para, pelo menos, não ser um desastre total nas vendas do comércio. Ele deu um gás forte nos meses de agosto e outubro, e, em novembro e em dezembro, essa tendência para baixo mostra claramente o impacto do fim do auxílio”, analisa o economista.  

Ele afirma que, por não ter os R$ 600 garantidos em 2021, houve a retração no consumo no mercado. “Em dezembro, as pessoas ficaram receosas com as notícias sobre a segunda onda, houve o fim do auxílio, havia um medo de perder o emprego no ano seguinte, tinham as contas do início do ano para pagar e o crédito não estava tão facilitado assim. Isso tudo leva a uma restrição maior de consumo. As pessoas guardaram dinheiro como se fosse uma poupança”, observa Dietze.   

Vestuário tem retraiu 28,8% em 2020  A gerente da loja Hering do Shopping Barra, Dionei Silva, de 37 anos, diz que perdeu pelo menos 50% no volume de vendas em 2020, em relação à 2019. “Realmente, teve uma queda absurda e ainda continua, porque a gente está dependendo de um bom resultado da vacina para melhoraras vendas. Agora que o shopping está com a abertura mais cedo, possa ser que tenha um fluxo melhor de cliente, mas 2020 foi um ano que tem que ser esquecido”, desabafa Dionei. Não chegaram a ter demissões na loja, mas suspensões dos contratos de trabalho durante os primeiros meses da pandemia. Em outubro, toda a equipe, de sete pessoas, já estava recontratada. 

As pelas que mais saíram foram roupas mais casuais, como regatas, blusas mais folgadas e vestidos mais soltos, segundo a gerente. Mas muita coisa ficou no estoque. Além disso, a falta de matéria-prima na indústria prejudicou a venda de novas peças. “A matéria-prima estava sendo pouco processada, então não teve giro de estoque porque a entrega de peça ficou muito afetada”, comenta a lojista.  

O presidente do Sindicato dos Comerciários de Salvador, Renato Ezequiel, diz que os números foram esperados. “O ano de 2020 foi muito agressivo devido à pandemia, com o comércio fechado e com as pessoas se mantendo em casa”, comenta Ezequiel. No entanto, ele discorda que os números tenham sido tão ruins, porque, segundo ele, na mesma proporção que houve queda nas vendas presenciais, houve aumento nas vendas pela internet.  

 “Muita gente comprou pela internet e o e-commerce bombou, vendeu muito. As pessoas não foram na loja comprar, mas compraram online. Além disso, tivemos meses que quase 50 milhões de pessoas não tinha um centavo no bolso e receberam os 600 reais e isso foi investido na economia. Então não justifica esses dados, porque tem que observar esses detalhes, porque a queda das vendas presenciais compensou pela internet”, avalia o presidente do sindicato. 

Foi justamente ao usar a internet como aliada que a empresária Milena Ricarte, 44 anos, conseguiu alavancar as vendas em sua loja de moda feminina, a Ricartte, no Shopping Bela Vista. A aposta foi investir nas redes sociais para trazer os clientes para a loja. “Eu precisava vender mesmo com a loja fechada. Então eu adotei uma estratégia de dar desconto em muitas mercadorias e comecei a vestir as roupas da loja, com uma dinâmica diferente, colocando música, dançando, e meu cliente começou a ter simpatia com minha apresentação. Foi minha virada de chave, eu sofri o efeito inverso”, conta Milena.  

Dessa forma, se tornando “blogueira” da própria marca, Milena conseguiu crescer 40% em 2020 em relação à 2019. Só em dezembro, as vendas aumentaram em 90%. O crescimento foi tanto que ela ainda precisou contratar mais dois funcionários. “Hoje eu tenho um público que vai na loja, compra meu produto. Eu converti o cliente do online em cliente real. É uma estratégica de cativar nas redes sociais, onde eu danço, coloco o produto, e quando você chega na loja tem um atendimento legal”, narra a empresária. Agora o Instagram da loja tem até cronograma de conteúdo: 6 vídeos por dia nos stories e uma live por semana.   Milena Ricarte se tornou modelo da própria loja e apostou nas redes sociais (@lojaricartte) para alavancar vendas. Crédito: Divulgação.  Um dos únicos segmentos que escaparam do vermelho e fecharam o ano passado com faturamento foram os móveis e eletrodomésticos, que cresceu 14,6%. O número foi o melhor desde 2011, quando as vendas cresceram 17,6%. Além dele, o ano foi positivo para o setor de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos, que teve alta de 3%. 

Baixa no segmento de supermercados retraiu varejo baiano  Apesar de terem sido as livrarias que mais tiveram queda nas vendas em 2020, o segmento que mais puxou para baixo essa queda do comércio varejista foi, além do setor de vestuário, o de supermercados e hipermercados. A queda anual foi de 3,5%, salientada pelas baixas mais expressivas, em novembro (-16,3%) e dezembro (-14,7%).  

De acordo com Elissandra Brito, técnica da Superintendência De Estudos Econômicos E Sociais (SEI), esse é o segmento de maior representatividade para o varejo. “O segmento é o mais representativo para o comércio e os dados mostram que, embora a gente tenha tido um incentivo da demanda no início da pandemia, onde as pessoas correram para os mercados para fazer estoque, por conta da elevação de preços, as pessoas estão comprando de forma mais moderada, elas ficaram mais seletivas, comprando o que é preciso”, analisa Elissandra.  

A técnica da SEI ainda ressalta que, na Bahia, há uma tendência muito forte pela compra em mercados de bairro, que não constam nas estatísticas do IBGE. “Temos muitos mercadinhos de bairro e mercearias que as pessoas costumam ir ao invés de mercados maiores, e isso termina tirando a demanda das grandes redes. Por conta disso, os mercados de bairro não são computados nas pesquisas e acaba gerando uma informação diferenciada”, acrescenta Brito. Além das compras mais seletivas, Elissandra ressalta que a pandemia favoreceu as compras online, como pontuou Renato Ezequiel.  

Varejo ampliado da Bahia teve pior resultado do Brasil em 2020   Já as vendas do varejo ampliado (em que não se consegue distinguir varejo de atacado) na Bahia, que incluem os segmentos de veículos, motos, partes e peças e materiais de construção, teve o pior desempenho do Brasil em 2020, com uma queda de 7,9% em relação à 2019. O resultado ficou bem abaixo da média do país como um todo (-1,5%). Esse desempenho também foi o pior para o varejo ampliado baiano desde 2016 (-11,1%). 

Esse resultado negativo foi intensificado pela queda recorde na venda de automóveis: - 24,1%, o menor percentual da série histórica da IPMC, ou seja, desde 2001. Foi o maior recuo entre os 12 estados onde esse segmento é investigado separadamente. Todos eles apresentaram retração na atividade.  

Em contrapartida, as vendas de materiais de construção foram as maiores desde 2010, ano em que as vendas atingiram 14,6%. A alta ano passado foi de 9,6%, o quinto maior resultado do país.  

Variação das vendas no comércio varejista da Bahia / Brasil em 2020 (fonte: IBGE) janeiro: -9,1% / - 1,2%  fevereiro: + 0,5% / + 0,8%  março: - 10,1% / - 2,3%  abril: - 18,9% / - 17,2%  maio: + 11% / + 13,3%  junho: + 7,4% / + 7,9%  julho: + 10,2% / + 3,8%  agosto: + 11,4% / + 2,5%  setembro: -0,5% / +0,5%  outubro: +2,1% / + 0,8 %  novembro: -2,6% / -0,1%  dezembro: -4,3% / - 6,1% 

Série histórica da variação do comércio varejista na Bahia (fonte: IBGE) 2001: -0,5%  2002: -1,2%  2003: -5,6%  2004: + 8,2%  2005: + 7,1%  2006: + 9,7%  2007: + 10%  2008: + 7,8%  2009: + 7%  2010: + 10,3%  2011: + 7,1%  2012: + 9,7%  2013: + 2,7%  2014: + 4,6%  2015: - 8%  2016: - 12,1%  2017: - 0,3%  2018: - 0,1%  2019: + 2,1%  2020: - 4,3% 

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro