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Da Redação
Publicado em 4 de agosto de 2021 às 09:39
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Apoiador do governo federal, em vídeo gravado no que seria a Reta Tabajara, na BR-304, no Rio Grande do Norte, elogia uma obra e afirma que “o governo do PT, os governos anteriores, não fizeram nada, só prometeram e não arrumaram nada”. Ele mostra uma estrutura de concreto e elogia o atual ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e o presidente Jair Bolsonaro. As obras de duplicação e outros serviços na Reta Tabajara, entre os quilômetros 281 e 308 da Rodovia BR-304, na zona metropolitana de Natal (RN), não são fruto apenas da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, conforme afirma apoiador do governo federal em vídeo publicado no TikTok e no Twitter.>
Os serviços foram iniciados ainda em 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), e ocorreram também durante a gestão Michel Temer (MDB). As obras se arrastam há sete anos e chegaram a ser paralisadas totalmente por quatro meses pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e tendo liberação parcial por quase dois anos até retornar à execução realizada atualmente.>
Na publicação, o apoiador também elogia a obra, comparando a estrutura de concreto “mais grossa”, que atribui ao atual governo, ao asfalto do lado, ao qual atribui pior qualidade por ter sido feito por gestões anteriores.>
Não foi possível provar de qual governo é cada estrutura porque o Comprova não localizou o ponto exato onde o vídeo foi gravado, contudo, também não se pode afirmar qual pavimento é o mais adequado apenas visualmente. A escolha, inclusive, deve levar em conta tipos de solo, situações climáticas, carga e custos.>
A reportagem procurou o responsável pelas publicações, mas não obteve retorno.>
Como verificamos? Como se trata de uma obra em rodovia federal, o ponto de partida foi entrar em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) – órgão responsável por intervenções nessas vias – para saber o que foi executado no trecho citado na verificação, o período de realização e os valores aplicados.>
O Comprova também pesquisou conteúdos publicados em sites do governo e na imprensa sobre a rodovia, e constatou que a obra foi iniciada no governo Dilma. A informação foi confirmada por meio de consulta ao Painel do Orçamento Federal.>
A reportagem tentou identificar o ponto exato da gravação, utilizando de forma combinada as ferramentas InVid e Google Street View, o que não foi possível devido aos ângulos fechados do vídeo e à paisagem com características uniformes ao longo do trecho. Além disso, as imagens captadas pelo serviço do Google são de 2019.>
Foram consultadas as engenheiras civis Lidiane Santana Silveira e Fernanda Gadler para falar sobre o material utilizado na pavimentação e explicar a diferença dos pavimentos adotados nas obras da BR-304. A mesma demanda foi solicitada à Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Por fim, a equipe fez contato com o autor da postagem, por mensagem enviada no Instagram, uma vez que não havia canal de comunicação aberto nas redes que usou para divulgar o conteúdo verificado. Ele não respondeu até a publicação da verificação.>
Verificação Governos anteriores realizaram obras na Reta Tabajara O DNIT informou ao Comprova que as obras no trecho conhecido como Reta Tabajara, entre os quilômetros 281 e 308 da BR-304, foram iniciadas em fevereiro de 2014, no governo Dilma, e compreendem terraplenagem, soluções especiais de aterro, drenagem, pavimentação rígida e flexível, restauração de revestimento asfáltico, sinalização vertical e horizontal, obras de arte correntes, obras de arte especiais, obras complementares, iluminação pública, desapropriação e um novo posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF).>
O órgão afirma que desde quando foram iniciadas existiram “impedimentos construtivos e outros fatores que impediram o bom andamento das obras”, acrescentando ter ocorrido paralisação dos serviços e, consequentemente, a rescisão do contrato da primeira construtora, em dezembro de 2015.>
A obra foi retomada em janeiro de 2016, ainda no governo petista, desta vez com a segunda colocada na licitação. De acordo com o DNIT, pouco mais de um ano depois, em abril de 2017, quando Michel Temer era o presidente, os serviços foram novamente suspensos por determinação do TCU, fundamentado por indícios de irregularidades constatados em relatório de auditoria.>
Na época, o órgão identificou a apresentação de projeto executivo deficiente, com adoção de pavimento rígido em área de solo mole e utilização de base de brita de custo elevado. O DNIT explica que, em junho de 2019, no governo Bolsonaro, foi aprovada a 2º Revisão de Projetos em Fase de Obras (RPFO) e os serviços suspensos foram liberados para execução, permanecendo as atividades até a presente data.>
O departamento informou que a execução da obra é da ordem de 47,67% até o momento. A vigência do contrato é até março de 2022 e o custo da obra atualmente está em R$160,5 milhões, somando os valores pagos às duas empresas que atuaram. A previsão até a entrega é de aplicação de R$ 349 milhões.>
Publicações na página do DNIT e na imprensa também comprovam que o trecho recebe obras desde o governo de Dilma, passando pelo governo Temer e tendo continuidade no governo Bolsonaro.>
Uma consulta do Comprova ao Painel do Orçamento Federal demonstra que desde 2014 a adequação do trecho rodoviário da BR-304 recebe recursos. Nos últimos sete anos foram empenhados R$ 413.576.446 para as obras, conforme o sistema. Comparação entre pavimentos é inadequada No vídeo, o rapaz diz “olha o tamanho desse concreto, irmão” e “olha a grossura disso aqui”, comparando com o outro pavimento por onde os carros passam: “olha a diferença do asfalto aqui, construído na época dos outros governos”.>
De acordo com Lidiane Santana Silveira, engenheira civil e pesquisadora colaboradora na Escola Politécnica da USP, a estrutura a que ele se refere no vídeo, elogiando e dizendo ser “mais grossa”, é um tipo de pavimento chamado de pavimento rígido em concreto armado. Já o que ele insinua ser de menor qualidade e construído nos governos anteriores é o pavimento flexível feito com asfalto. Entretanto, o edital de licitação para a contratação de empresas para a execução das obras na Reta Tabajara já previa, em 2013, no governo de Dilma Rousseff, a construção do pavimento rígido em placa de concreto de cimento portland.>
A engenheira explicou ao Comprova que o pavimento flexível é o tipo mais comum executado no Brasil e utiliza material asfáltico/betuminoso na camada de revestimento, sendo composto por uma mistura de ligante asfáltico e agregados.>
Já o pavimento rígido, menos usado no Brasil por ter um custo maior, utiliza concreto como revestimento, sendo que este concreto pode ser armado (conter armações feitas de barras de aço – vergalhões) ou não (concreto simples ou com outro tipo de reforço, como fibras). “A espessura da camada de revestimento irá depender do dimensionamento do projeto, da carga que será recebida”, explica.>
Um documento da CNT (Confederação Nacional de Transporte) traz a informação de que 99% da malha rodoviária brasileira pavimentada é de pavimento flexível. A imagem abaixo traz uma ilustração da diferença entre os dois: Lidiane ressalta que a insinuação feita no vídeo sobre a qualidade do asfalto não leva em conta as características desse tipo de pavimento. “A decisão sobre qual tipo de pavimento deverá ser projetado e executado depende de uma série de fatores, como custo, vida útil, manutenção e tráfego”, afirma.>
Uma apresentação feita em um evento realizado pelo Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon) traz um estudo comparativo entre os pavimentos. A conclusão é de que “os dois tipos de pavimentos atendem às características de segurança, de conforto e de economia (manutenção, operação e segurança)” e “num país tão grande e com condições adversas, como os diferentes tipos de solo e situações climáticas, além de cargas que passam pelas estradas de formas diferentes, é muito difícil dar uma única solução”.>
Fernanda Gadler, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP e mestre em Engenharia de Construção Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que comparar uma estrutura de pavimento flexível e uma rígida sem saber dados importantes e particularidades do projeto, como período de projeto, carga a que o pavimento estará submetido, local de aplicação — principalmente no que diz respeito à necessidade e facilidade de manutenção periódica — e até mesmo de limitações orçamentárias, pode gerar conclusões equivocadas.>
“Além disso, como não sabemos as espessuras de cada uma das estruturas, essa comparação se torna ainda mais inadequada. O pavimento flexível e o pavimento rígido são duas estruturas muito diferentes, que possuem vantagens e desvantagens, e a adoção de um ou de outro deve levar em conta muitos fatores como necessidade de manutenção, período de projeto, tipo de carga solicitante, investimento inicial disponível, entre outros”, reforça.>
Segundo ela, o pavimento de concreto, por exemplo, suporta maiores solicitações de carga sem se deformar, tem maior vida útil com menor necessidade de manutenção periódica, além de boa refletividade devido à cor clara, minimizando a formação de ilhas de calor urbano. No entanto, esse tipo de pavimento tem um custo inicial muito superior ao do pavimento asfáltico e também necessita de uma mão de obra especializada para aplicação.>
Sendo assim, ele é indicado para locais onde essas vantagens sejam primordiais, como em vias com altas solicitações de carga de tráfego, em corredores de ônibus — onde as deformações são excessivas — e em praças de pedágio, onde a necessidade de maior frequência de manutenções periódicas, mais comuns no pavimento flexível, pode trazer problemas para a concessionária, como longas filas e prejuízo financeiro.>
Fernanda explica que, no caso do pavimento asfáltico, a flexibilidade traz vantagens, além da facilidade de aplicação e do custo inferior. O revestimento asfáltico permite muitas combinações com outros materiais, como borracha de pneus moídos, polímeros e até a reutilização do próprio material fresado das pistas, o que torna esse tipo de material muito versátil.>
“A decisão do projetista em adotar uma solução ou outra deve levar em conta muitos fatores e particularidades da obra em questão, sendo que existem aplicações mais apropriadas para pavimento rígido e outras onde o pavimento flexível é mais adequado”, completa.>
A ABCP disse ao Comprova que o Brasil possui 6,8 mil quilômetros de vias pavimentadas com concreto, sendo que sua presença duplicou na última década, passando de 2% para 4% da malha viária brasileira. ”No que diz respeito ao pavimento de concreto, houve um barateamento relativo de custos das matérias-primas. Os preços do cimento e do concreto, ao contrário do preço do asfalto, são formados em mercados com maior nível de concorrência entre fabricantes. No caso do cimento, o preço também sofre alguma influência dos preços externos, visto que é possível a importação do produto em grandes lotes”, afirmou por meio de nota.>
Segundo a Associação, entre 2007 e 2014, houve um crescimento nos preços do cimento e do concreto em torno de 6% ao ano. No entanto, as quedas de demanda observadas a partir de 2014 levaram a uma acomodação dos preços.>
Quem é o autor do vídeo? Maicon Sulivan é um ativista de direita que nas redes sociais se diz cristão, evangelista, armamentista e “anti-mimimi”. Além disso, se identifica como “Black Power do Bolsonaro”, fazendo menção ao episódio pelo qual o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação civil pública contra a União e contra o presidente por prática de racismo.>
Em 6 de maio, durante uma conversa do presidente com simpatizantes na saída do Palácio do Planalto, ele cumprimenta o apoiador chamando-o de “cabeludo” e fala sobre “piolho” e “barata”, referindo-se ao cabelo black power do homem, que não aparece no vídeo. No mesmo dia, Maicon publicou vídeo no Instagram defendendo o presidente, afirmando se tratar de brincadeira e que processaria uma emissora de televisão por reportagem apontando racismo.>
Pouco mais de dois meses depois, em 8 de julho, Bolsonaro convidou Maicon para participar de uma transmissão nas redes sociais. Na ocasião, negou ter sido racista e voltou a associar o cabelo de Maicon a um criadouro de baratas, além de dizer que ele possui piolhos. O presidente declarou se tratar de brincadeira e o apoiador negou ter se sentido ofendido pelo comentário.>
Por que investigamos? Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas e pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.>
É o caso deste conteúdo, considerando que o autor cita Jair Bolsonaro, possível candidato à reeleição, e também refere-se a uma obra pública. E não é a primeira vez que o Comprova verifica publicações enganosas para exaltar o presidente, como o vídeo que ignorava que a transposição do rio São Francisco é obra de diversos governos; ou as postagens que fizeram comparações enganosas sobre o mesmo projeto de transposição; e ainda site que omite que pesquisa com vantagem de Bolsonaro foi feita apenas em Santa Catarina.>
O conteúdo verificado teve mais de 5,4 mil curtidas no Twitter e pelo menos 866 retuítes até o dia 3 de agosto e, no TikTok, outras 602 curtidas.>
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 33 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas do Correio de Carajás, piauí e A Gazeta, e validada, através do processo de crosscheck, por quatro veículos: Folha de S.Paulo, UOL, Estadão e CORREIO.>