Vinte e cinco minutos

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  • Kátia Borges

Publicado em 7 de agosto de 2022 às 06:30

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Em uma crônica publicada em 1967 no Jornal do Brasil, Clarice Lispector conta que lhe perguntaram se ela saberia calcular o Brasil dali a vinte e cinco anos. “Nem daqui a vinte e cinco minutos”, teria respondido a autora de “Perto do coração selvagem”. Mas se não sabia prever, podia ao menos intensamente desejar.

E Clarice desejava intensamente que o problema mais urgente do nosso país fosse resolvido muitíssimo mais depressa que em vinte e cinco anos: a fome. Endêmica, excruciante, cinicamente naturalizada. “Tal é a miséria, que justificaria ser decretado estado de prontidão, como diante de calamidade pública”, escreve.

Poucos sabem, mas, entre os anos de 1940 e 1967, vigorou no Brasil o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS). Era uma rede de restaurantes populares, instituídos e extintos por decreto, que servia refeições a preços simbólicos aos trabalhadores sindicalizados e aos estudantes.

Pode ser que a extinção do SAPS tenha motivado a reflexão de Clarice Lispector em sua crônica. De todo modo, a fome em nosso país, mesmo em 1967, já não era assunto novo. Entre 1880 e 1890, de acordo com o pesquisador Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos, a seca já castigava os nordestinos.

Em 1950, a insegurança alimentar foi central na proposta de educação integral de Anísio Teixeira, que previa alinhar o ensino às três refeições diárias dos estudantes. Enquanto escrevo essa crônica, tomando de empréstimo a memória daquela outra, mais de 30 milhões de brasileiros estão passando fome em nosso país.

Ironicamente, e cruelmente, o Brasil é considerado hoje o segundo maior exportador de alimentos do planeta – trigo, soja, arroz, carne, entre outros itens. Revelados pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, divulgado em junho, os dados mostram que milhões de pessoas no Brasil foram empurradas para essa faixa ao longo dos últimos dois anos de isolamento social.

Vinte e cinco anos após a publicação da crônica de Clarice, em 1992, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 13 milhões de brasileiros ainda viviam em insegurança alimentar. Apenas em 2014, o Brasil deixaria de aparecer no Mapa da Fome, no relatório global.

Esse ano, ficamos acima do índice limítrofe, que é de 2,5% da população em insegurança alimentar. Não critico Clarice, quando diz ser impossível calcular, nem em vinte e cinco minutos, o que será do Brasil. Em 2022, assim como em 1967, só podemos desejar intensamente que o problema da fome seja enfim resolvido.