Violência contra a mulher: apenas três cidades baianas têm casas de acolhimento

Vítimas só têm como opção unidades em Salvador, Feira e Itacaré, diz IBGE

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  • Tailane Muniz

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 18:31

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

As vítimas de violência doméstica têm pouca assistência na Bahia. Aqui, as mulheres - a maioria negras - que sofrem agressões físicas ou psicológicas, de atuais ou de ex-companheiros, e que precisam de abrigo só encontram casas de acolhimento em Salvador, Feira de Santana e Itacaré.

O número reflete um auxílio ainda menor do que o pouco oferecido no Brasil, onde apenas 134, de 5.570 cidades, dispõem de casas de acolhimento às agredidas. Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE) nesta quarta-feira (25), são de 2018.

O estudo cita ainda 15 cidades baianas somente com Delegacias Especializadas em Atendimento às Mulheres (Deams) – o número difere do informado pela própria Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA): 15 delegacias especializadas em 14 municípios, e não em 15, como diz o IBGE.

O órgão explicou que o estudo é baseado no que declaram os municípios, e não a Segurança, que é quem gere as delegacias especializadas. O IBGE também não investigou quantas delegacias há na Bahia – apenas se o município tem ou não a unidade.

Em Salvador, há duas Deams: em Brotas e em Periperi. Há ainda as unidades de Candeias e Camaçari, na Região Metropolitana.Mais feminicídios A pouca e, por vezes, deficiente assistência prestada às vítimas pode ajudar a explicar por que, no primeiro semestre deste ano, o número de mulheres mortas já era 17% maior do que os 41 casos registrados em 2018. As informações são da SSP-BA, que contabilizou 48 mortes até junho de 2019, sendo 42 no interior e seis em Salvador e Região Metropolitana. 

A maioria das vítimas assassinadas sequer chegou a prestar queixa contra o algoz, destaca a coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), a promotora Márcia Teixeira. O detalhe, de acordo com Márcia, sinaliza a fragilidade de um Estado que, “embora se esforce”, está longe de oferecer, em termos de assistência, o suficiente.“O ideal seria que todas as delegacias pudessem, ao menos, atender com excelência a todas, entretanto, isso é bem distante da realidade”, diz Márcia. Ao relacionar os casos de feminicídios ao número de Deams na Bahia, a promotora aponta, contudo, que o baixo investimento em Segurança Pública está diretamente ligado não só à ausência de especializadas, mas também de abrigos. “Nossas unidades policiais estão sucateadas, com poucas viaturas e policiais em número baixo, com investigações insuficientes. No interior, isso é mais evidente, lá as mulheres morrem ainda mais”. 

Acolhimento Os números do IBGE dão margem à afirmação da promotora quando indicam que, de todos os municípios baianos, apenas 12 têm ações específicas voltadas para as mulheres, entre eles, Salvador. Àquelas que rompem com o silêncio e buscam ajuda, ainda que sem assistência, muitas vezes, não recebem o atendimento mais adequado, reitera Márcia Teixeira, que novamente cita os poucos recursos em políticas públicas voltadas para o público feminino.

“Nós temos uma secretaria [SSP-BA] que é uma das mais importantes, e tem um dos menores investimentos, e aí eu falo de cidades como Salvador, com mais de 100 mil habitantes”, complementa, ao indicar o que as mulheres do interior enfrentam na tentativa de se proteger. Distante de agentes especializados, há relatos de vítimas atendidas por policiais que chegam a atuar como “conciliadores”, e orientam mulheres a sequer denunciarem os agressores, acrescenta Márcia.

“Se a SSP checar, vai ver que muitas das mulheres chegam e desistem. Isso é pior no interior, porque há muitos casos onde o policial que está ali, em uma delegacia não especializada naquele atendimento, é amigo ou conhece o marido, e aí esse agente não faz o que tem que ser feito. Não é responsabilizar a Segurança por tudo, mas é fato que as vítimas encontram uma realidade incompatível com o que seria o melhor para elas”, conclui a promotora.

Despreparo A pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) e coordenadora do Observatório da Lei Maria da Penha do núcleo, Márcia Tavares, diz que, embora haja uma necessidade de ampliação dos serviços especializados, não é um número razoável.

“O fato de não haver, na maioria dos interiores, o atendimento especializado em violência de gênero faz com que as vítimas sejam atendidas por policiais despreparados, que chegam a orientar que não denunciem”, argumenta Márcia, reforçando o que disse a promotora Márcia Teixeira sobre a fragilidade do atendimento ofertado às violentadas.

“Às vezes, seus companheiros são conhecidos e elas sequer vão até a delegacia. Não temos serviços que funcionem de forma integrada e articulada, como uma rede, para que um serviço subsidie o outro”

Outro problema enfrentado pelas mulheres, segundo a pesquisadora, é o fato de que, quando não há violência física, muitas delas têm suas histórias de violências deslegitimadas pelas autoridades policiais. “É um comportamento observado em delegacias, uma postura que orienta à retomada de relações, de conciliação, para garantir a ‘sacralização da família’, acabam considerando apenas a violência quando ela é palpável”. 

Se a vítima é ameaçada de morte, ou sofre agressões verbais de seus agressores, ainda que o Estado não encare o fato como uma violência, defende a especialista, quando uma mulher sofre psicologicamente, dentro do âmbito familiar, aquilo vai, necessariamente, impactar de forma violenta em toda a sociedade.

Resposta À reportagem, a SSP-BA disse que todos os agentes civis do estado têm “treinamento básico” e podem atender mulheres ou crianças vítimas de violência. Por meio da assessoria, a pasta acrescentou que 90% dos casos de feminicídio foram elucidados em 2018, não necessariamente por uma Deam, onde eles frisaram, contudo, que há um diferencial no atendimento, já que “lá, os servidores lidam apenas com estes casos”.

Conforme a SSP-BA, em "algumas delegacias do interior" existe o Núcleo de Atendimento Especial à Mulher (Neam), formado por um grupo da própria unidade, voltado apenas para o público feminino. 

A pasta pontua, no entanto, que não há previsão de instalação de Neams ou Deams em 2019 e que “todas as unidades policiais recebem e têm determinação para investigar todo e qualquer crime”. Por fim, a secretaria destacou a atuação da Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar, e argumentou que a implementação de uma unidade requer criar cargos - o que implica em “custos ao Estado”.

O CORREIO solicitou à secretaria o número de ocorrências registradas nas Deams da capital em 2019, mas ainda não obteve retorno. Conforme a titular da unidade de Periperi, delegada Simone Moutinho, 2.900 queixas foram prestadas lá. O número de inquéritos, ou seja, processos abertos de investigação, segundo ela, também é proporcional aos casos. O número é considerado alto.

Onde buscar ajuda

Cram – Centro de Referência de Atendimento à Mulher Oferece, em Salvador e outros 31 municípios da Bahia, acompanhamento multidisciplinar com orientação jurídica. Na capital, o Cram é o Loreta Valadares, que presta serviço gratuito de acolhimento e atendimento à mulher em  situação de violência. Fica na Praça Almirante Coelho Neto, nº 1, Barris. Funciona das 7h às 19h - (71) 3235-4268. 

Centro de Atendimento à Mulher Soteropolitana Irmã Dulce Fica na Rua Lélis Piedade, na Ribeira. Agrega as funções de centro de referência e uma casa de acolhimento de curta duração, com suporte jurídico e psicossocial.

Nudem – Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública Faz parte da Defensoria Pública da Bahia. Oferece atendimento humanizado em situações emergenciais de médio e longo prazos e faz trabalho educativo e de direitos. Fica na Rua Arquimedes Gonçalves, Jardim Baiano. Das 8h às 18h - (71) 3117-6979.

Gedem – Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher É do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), faz atendimento e proteção do direito da mulher, além de repressão de crimes de violência, com base na Lei Maria da Penha. Fica na Rua Arquime- des Gonçalves, 142, Jardim Baiano - Nazaré - (71) 3321- 1949 / 3328-0417 / 3266-4526. 

Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar É do Tribunal de Justiça da Bahia e atende mulheres em situação de violência doméstica. Fica na 5ª Avenida do CAB, nº 560, 3º andar, sala 303 - (71) 3372-1867/ 1895/5525.

TamoJuntas É uma organização formada por mulheres que prestam assessoria jurídica, psicológica, social e pedagógica gratuita a outras mulheres em situação de violência. No estado, o TamoJuntas atua em Salvador, Camaçari, Feira de Santana, Ribeira do Pombal, Vitória da Conquista e Bom Jesus da Lapa. Fica na Rua da Mangueira, nº 73, Nazaré (Salvador) - (71) 99185-4691.

Delegacias de Atendimento à Mulher – Deam Em Salvador, as unidades ficam em Brotas (Rua Padre Luiz Filgueiras, s/n - 71 3116-7000/ 7001/7002/ 7003/7004 - e Periperi (Rua Dr. José de Almeida, s/n - 71 3117-8203.