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Da Redação
Publicado em 10 de junho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Entre o privado e o público, nos deparamos com um cenário tão estarrecedor quanto o provocado pelo coronavírus: a violência doméstica. O aumento dos índices em tempos de isolamento social avança ao redor do mundo, o que significa que milhares de meninas e mulheres vem sofrendo as diversas formas de abusos e violências (verbais, físicas, sexuais e, na sua forma mais grave, o feminicídio). É no próprio lar que grande parte delas correm perigo.>
O agravamento deste quadro de violência, como consequência da convivência ininterrupta das mulheres com agressores, relaciona-se com algumas causas, com destaque para o aumento dos índices de desemprego (queda na renda familiar) e outros associados, como ciúme, controle, alcoolismo e o uso de drogas. As estatísticas trazidas por estudos realizados ao redor do mundo demostram aumento significativo dos casos. A expectativa divulgada pelo Fundo de População das Nações Unidas era de um aumento de 20% em todo mundo, o que representa 15 milhões de novos casos de violência doméstica no período de três meses.>
No Brasil, segundo dados divulgados pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, houve um aumento de 28% nos casos de violência doméstica no mês de abril, em comparação com o mesmo período do ano passado. Enquanto, na Bahia, o número de denúncias de violência contra as mulheres cresceu 54% entre os meses de março e abril. Vale registrar que ainda convivemos com a subnotificação nos canais de comunicação, além do receio das vítimas em denunciar os casos e a dificuldade do registro nas delegacias especializadas, durante a pandemia.>
Essa inquietação como pesquisadora, remete a uma estudiosa francesa, Simone Beauvoir, quando afirma: “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Numa sociedade marcada pelas desigualdades, tudo declina com mais potência quando se refere às mulheres, em sua grande maioria, mulheres negras e pobres. A violência destrói o que a vida pretende defender: a dignidade e a liberdade. Então, estaríamos diante de uma outra crise na sociedade marcada pelo patriarcado, que ainda persiste e continua a matar milhares de meninas e mulheres todos os dias?>
É através das lentes de gênero e dos Direitos Humanos que esse fenômeno deve ser melhor compreendido. Imprescindível analisar a violência contra meninas e mulheres nos seus diferentes contextos, através de uma perspectiva interseccional, uma vez que possui raízes estruturais históricas e desiguais.>
É inquestionável a necessidade de confinamento durante a pandemia, mas também é irrefutável que milhares de mulheres continuam vivenciando um sistema marcado por opressões, machismos e feminicídios. É sempre bom lembrarmos que a violência contra meninas e mulheres é uma grave violação de direitos humanos e não conhece fronteiras e barreiras sociais. Em momentos como o atual, onde o convívio é ainda mais assíduo, as relações tóxicas se desdobram em abusos e violências sobrepostas.>
Que fiquemos em casa nesse período de enfrentamento a pandemia, mas possamos ficar em paz e sem violências. Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres>
Aline Moerbeck da Costa é pesquisadora do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos/ Universidade Católica do Salvador (Ucsal) e do Núcleo de Estudos na infância e adolescência/ Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs)>